17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

O trabalho escravo e saúde

A Constituição repudia qualquer prática que atente contra a dignidade da pessoa ou a liberdade do ser humano

Publicado em 05/03/2023 9:35 - Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior

Divulgação Sérgio Carvalho/MTE

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Na Constituição Federal de 1988 está explícito o repúdio a qualquer prática que atente contra a dignidade da pessoa ou a liberdade do ser humano. E cabe lembrar que, em 1995 o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer oficialmente a existência de trabalho forçado em seu território, associado como um crime, ligado majoritariamente ao desmatamento, produção de carvão e a pecuária, em especial, na Região da Amazônia. Além disto, é um crime definido no Código Penal no artigo 149: “trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e condições degradantes de trabalho”.

Mas a força da ganância de empresários, inescrupulosos, têm a escravidão arraigada nas suas práticas. Assim, o Ministério do Trabalho demonstrou que entre 1995 e 2016 foram mais de 50.000 pessoas resgatadas de situações análogas a escravidão no Brasil. Como um tipo de perfil das pessoas resgatadas, é possível dizer que: 72% são analfabetos ou não concluíram nem o 5º ano do E. F., em maioria jovens negros migrantes de outras Regiões, provenientes dos Estados do Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Pará e Piauí, respectivamente, em geral, que se encontravam em situações de alta vulnerabilidade socioeconômica e necessidade de proteção.

A questão do Trabalho Escravo (TE) é um fenômeno complexo, de múltiplas dimensões sociais, econômicas, culturais, e consequentemente de saúde, que sobre diversos aspectos, é ainda pouco estudada na área da saúde pública. As situações de pessoas submetidas ao trabalho análogo ao de escravo não estão restritas ao campo jurídico e de segurança, pois, fundamentalmente, trata-se de problema multideterminado que afeta a vida de pessoas, relacionado com diversas determinantes de saúde, sanitárias, ambientais e de cuidado às suas demandas.

O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com algumas estratégias direcionadas ao enfrentamento do trabalho escravo como linha de cuidado à saúde da população, coordenada, sobretudo, pela agenda de saúde do trabalhador e saúde-ambiente. Contudo, observa-se ainda hoje a permanência de um funcionamento em condição de baixa responsabilidade da rede de cuidado à saúde pública, em especial, na formação e na intervenção junto a agenda de combate ao trabalho escravo, em nível regional e nacional.

Recentemente, a partir do mês de abril do ano de 2020, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo instituiu o Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo, com objetivo de instituir orientação às entidades do poder público e da sociedade civil organizada que compõem a rede de combate ao trabalho escravo no Brasil. Destaca-se que, no fluxo foi prevista haver necessidade prioritária de atuação estratégica junto às instituições que ainda não fazem parte do fluxo, e/ou não fazem articulação com instituições de referência, visando também ampliar o diálogo de prevenção ao trabalho escravo na rede de saúde e assistência social no Brasil. Contando com pontos focais nas comunidades, e serviços públicos de nível básico e especializado.

Um forte processo de erradicação da escravidão no Brasil, necessário, apenas se se consolidará se a atual subjetividade escravista, presente no imaginário nacional, for demolida por ações afirmativas, garantias de direitos, e formação de um pensamento decolonial. Um processo de subjetivação que faria nascer outra nação, com seu povo e relações simétricas entre todas as pessoas.

É fundamental uma forte mobilização social, que protagonize uma outra experiência de humanidade. Afinal, raça é um conceito oriundo do século XVII, ou seja, foi criado para estratificar as pessoas, e subjugar aqueles que se considera de uma suposta “raça inferior”. Isto precisa ser destruído, pois tais conceitos resistem ao longo desses quatro séculos. Um processo a quente nas redes de serviços de saúde, educação, e todas as políticas sociais, devem servir como dispositivo para este processo.

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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