17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

O Reflorescimento das Medicinas Ancestrais Indígenas

E a necessidade urgente do reconhecimento pelo Estado brasileiro

Publicado em 24/02/2023 3:54 - Ricardo Moebus

Divulgação Amazônia Latitude

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Por todos os cantos do Brasil, seja nas capitais, grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, seja nas cidades do interior, seja nas áreas rurais, seja nas aldeias e vilas, cresce o uso das Medicinas Ancestrais Indígenas por todos os estratos da população brasileira.

Este uso está claramente difundido entre indígenas e não indígenas, brancos, negros, pardos, amarelos, indígenas, com todos os tons e semitons mestiços que o Brasil tão bem agrega e inventa na sua sociobiodiversidade rica e lindamente mestiça.

As estatísticas produzidas pelo Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, em Manaus, por exemplo, demonstra que a imensa maioria, mais de noventa por cento das pessoas que procuram por tratamentos com as Medicinas indígenas oferecidas ali, são não indígenas.

Este uso de algum elemento da Medicina Indígena por não indígenas pode ser apenas a utilização de um fitoterápico, de uma tisana, de um chá, de um banho de ervas, ou, pode representar um envolvimento mais profundo, uma busca de aproximação com os saberes ancestrais dos povos originários, um interesse em conhecer e participar dos rituais, da ritualística que envolve uma sacralização da vida e do mundo, e, eventualmente, pode incluir também as plantas sagradas, enteógenas, como o uso do ayahuasca, do petum, do patu, da jurema sagrada etc.

Esta difusão do uso por não indígenas das Medicinas Indígenas, pelo Brasil afora, cresce a olhos vistos, envolvendo todas as regiões e estados. Se inicialmente este uso estava restrito a um certo padrão comportamental, que envolvia sobretudo pessoas mais afeitas a algum misticismo, ou mais próximas a uma proposta “alternativa” de vida e convívio, pessoas que buscavam outras possibilidades de cuidado para além da oferta da biomedicina ocidental, pessoas que buscavam alguma possibilidade de cuidado fora da industrialização da saúde, fora da mercantilização do tratamento e da vida; a verdade é que este padrão de pessoas que buscam as Medicinas Indígenas vem se ampliando intensamente.

Ou seja, se inicialmente esta difusão do uso dos recursos ofertados pelas Medicinas Indígenas se restringia a um pequeno grupo específico de interessados, se restringia a algum “gueto” comportamental envolvendo pessoas que buscavam fortemente reatar uma conexão com a natureza, pessoas com uma forte consciência ou preocupação ecológica, pessoas que buscavam uma vida mais natural e simples, que buscavam saberes “paralelos”, que buscavam reatar conexões ancestrais, ou buscavam conhecer modos de vida ancestrais; a verdade é que isso vem se ampliando de forma rápida e intensa.

O leque das pessoas com algum interesse, curiosidade ou necessidade, que buscam as Medicinas Indígenas se amplia para outros e muitos padrões comportamentais, já não se restringindo mais aos ecologistas, naturalistas, indigenistas, simpatizantes da causa indígena.

Sem contar que, ao mesmo tempo, também vem se ampliando o número de pessoas que, de alguma forma, em alguma medida, se importam ou se interessam pela causa indígena, pela preocupação ou consciência ecológica, pela preocupação com as mudanças climáticas, com o efeito estufa, com o aquecimento global etc.

Deste modo, uma confluência de fatores na atualidade possibilitam maior visibilidade social, ressaltando a importância e a validade dos saberes ancestrais indígenas, dos modos indígenas de existir, re-existir, conhecer e viver, de um modo geral; assim como, também e especificamente, os modos indígenas de produção de cuidado, tratamento, prevenção e cura – as Medicinas Indígenas.

Neste sentido, é que se torna urgente, por parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em saúde, estabelecida em 2006, mas que vem sendo ampliada sucessivamente desde então, um reconhecimento oficial pelo governo, das Medicinas Indígenas, incluindo as mesmas como parte do rol de Práticas Integrativas e Complementares em saúde.

Atualmente o Ministério da Saúde reconhece, através de algumas sucessivas portarias que ampliaram este rol de Práticas integrativas e Complementares em saúde, uma ampla gama e variedade de práticas, incluindo: Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Medicina Antroposófica, Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterapia, Termalismo Social/Crenoterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa, Yoga, Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação familiar, Cromoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos, Ozonioterapia e Terapia de Florais.

É até mesmo surpreendente que, em meio a esta amplitude de reconhecimentos, desde medicinas milenares ancestrais como a Chinesa e Indiana (Ayurvédica), até práticas mais recentes como a ozonioterapia e a Terapia Comunitária, ou mais polêmicas, como a Imposição de mãos, em meio a tudo isto, não se encontrem as Medicinas Ancestrais Indígenas, mais que todas, originárias deste lugar.

E como neste momento tem sido evidente o empenho do atual governo federal em marcar seu compromisso com os povos indígenas, os povos originários, através por exemplo, da criação do Ministério dos Povos Indígenas, da indicação de uma liderança mulher indígena para a presidência da FUNAI, da relevância dada à causa Yanomami; então temos aqui também a oportunidade histórica e urgente de minimamente saldar esta dívida de reconhecimento oficial e governamental com as Medicinas Ancestrais Indígenas, incluindo as mesmas no rol de Práticas Integrativas e Complementares em saúde oficialmente reconhecidas pelo Ministério da Saúde e, se possível, ofertadas no Sistema Único de Saúde – SUS.

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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