17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

Áreas Protegidas

Povos e comunidades tradicionais, e a violência no campo nos territórios brasileiros

Publicado em 17/04/2023 2:40 - Herbert Tadeu Pereira de Matos Jr.

Divulgação Marcello Casal Jr - Abr

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Hoje comumente reconhecidas pela terminologia Unidades de Conservação, as áreas protegidas no Brasil encerram um grupo bastante abrangente de tipologias e categorias. As análises deste tema podem auxiliar, sobremaneira, a compreender o processo de organização da estrutura fundiária brasileira, marcada pela concentração de renda, conflitos por terra e estabelecimento de monoculturas voltadas a exportação.

A Convenção 169 sobre indigenous and tribal peoples da Organização Internacional do Trabalho teve um grande impacto nos diversos países da América Latina. Sua influência deveu se ao importante caráter inovador de reformas legais em matéria de territórios, povos e comunidades tradicionais no mundo, de modo que, muitos dos conceitos adotados na Convenção 169 tornaram-se normas legais nos diferentes países.

No Brasil, até meados dos anos 1980 pouca importância se deu às Áreas Protegidas (AP), bem como, a discussão sobre as pessoas que residiam nestes locais. Fundamentalmente, com a Constituição de 1988, os povos e comunidades tradicionais passaram da quase completa invisibilidade à conquista de direitos sobre seus territórios, modos de vida e cultura tradicional, após muita luta, debates e resoluções, que passaram reconhecer que populações tem direito de viver com seus modos de vida tradicional.

A incorporação da ideia de povos e comunidades tradicionais pela agenda socioambiental da sociedade civil e poder público no Brasil foi bastante influenciada também pelas mobilizações locais, de grupos portadores de identidades étnicas coletivas, que passaram a incorporar a variável ambiental como dimensão de suas lutas políticas por direito ao território e modo de vida tradicional. Com destaque para o grande trabalho de mobilização das organizações dos movimentos indígena, quilombola, populações extrativistas e pastorais rurais eclesiásticas, na agenda de preservação socioambiental.

No bojo destes debates sobre a questão da garantia legal de permanência das pessoas e direito ao uso de recursos naturais nas APs, passou-se a reconhecer também que outros grupos não étnicos eram portadores de características positivas à conservação do meio-ambiente, graças à sua relação harmônica com a natureza. Dai o surgimento do conjunto de comunidades chamadas atualmente como populações tradicionais no Brasil.

Segundo o Decreto Federal n. 6.040/2000, Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Como exemplo de populações e comunidades tradicionais existentes temos: indígenas, quilombolas, caiçaras, açorianos, babaçueiros, ribeirinhos, caipiras, sitiantes, campeiros, vaqueiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros, sertanejos, varjeiros, etc.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/2000) apresenta duas categorias de unidade com presença humana: áreas de proteção integral, em que permite a pesquisa, recuperação ou visitas (Ex. Estação Ecológica ou Refúgio da Vida Silvestre), ou unidades de conservação de uso sustentável, que permite uso das terras com finalidades produtivas (Ex. Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável). Hoje o Brasil possuí 85 reservas extractivistas, sendo 59 federais e 26 estaduais, onde seringueiros, castanheiros, faxinais, pescadores, ribeirinhos, cipozeiros, pantaneiros desenvolvem atividades produtivas, porém existem ainda cerca de 180 comunidades tradicionais que revindicam o direito à terra. Neste contexto, atualmente o maior desafio para as populações tradicionais segue sendo a obtenção de títulos de propriedade de terra, consagrado como o maior causador de conflitos e mortes no campo.

O Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) documentou 1.576 ocorrências de conflitos por terra em 2020 no Brasil, o maior número registrado desde 1985, quando o relatório começou a ser publicado, 57,6% superior a 2018. Esses conflitos envolveram 171.625 famílias, segundo os dados, entre os principais promotores dos conflitos/crimes associados à terra estão: fazendeiros (25%), grileiros de terras (19%) e garimpeiros (15%), já entre quem mais é vítima destes crimes, estão principalmente: povos indígenas (38%), sem terra (29%) e assentados da reforma agrária (13%).

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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