17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

A saúde mental antimanicomial é decolonial

A sociedade sem manicômios é a sociedade antifascista

Publicado em 22/05/2023 11:35 - Ricardo Moebus

Divulgação Pixabay

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Na semana passada comemorou-se, celebrou-se, manifestou-se em todo o Brasil o dia da Luta Antimanicomial, 18 de maio.

São décadas deste movimento social plural, integrado por muitos familiares, usuários, simpatizantes, trabalhadores da saúde mental, em busca tanto de uma reformulação radical dos processos assistenciais em saúde mental, mas muito além disso, em busca da construção de uma sociedade mais inclusiva, menos autoritária, mais respeitosa, na qual a vida de todos e cada um seja valorizada, respeitada, incentivada, protegida, cuidada.

A luta antimanicomial trabalha pela desconstrução dos espaços de privação de liberdade e de vida, feitos em nome de supostos tratamentos mentais, mas trabalha mais ainda pela superação dos manicômios mentais, imateriais, cristalizados em preconceitos, em rotinas de aprisionamento cotidiano, em desrespeito, intolerância ou indiferença com a diferença alheia, com a diversidade e a pluralidade.

Porque a necropolítica da lógica manicomial opera sinergicamente com a lógica patriarcal, com a lógica colonial, com todas as formas de opressão de classe, gênero, cor, de origem étnica.

A discriminação manicomial é irmã gêmea da discriminação racial, filhotes do mesmo berço fascista.

A lógica capital transnacional que opera impondo sua vontade imperial em todos os territórios, submetendo e subjugando os interesses, os valores e os desejos coletivos locais, é também a lógica neocolonial, neoimperial, neomanicomial.

Por isso mesmo, a bandeira antimanicomial é também a mesma bandeira decolonial. Talvez isso tenha ficado mais claro do que nunca já com Frantz Fanon, em seu clássico livro: “Pele Negra, Máscara Branca”.

Neste caso de Fanon a luta anticolonial foi também a luta antimanicomial, em seu momento de libertação da Argélia, luta antirracista anticolonialista pela libertação não só do corpo negro historicamente escravizado, mas também da alma negra, historicamente dilapidada, humilhada, desvalorizada.

E aqui neste Brasil dos homens de bem, que apostam no “America First” também, mais do que nunca, a luta antimanicomial é também decolonial, pelo resgate da valorização da pele negra, vermelha, multicolor, da cultura e alma que com elas reluz ofuscando o sinistro olhar fascista, imperialista, supremacista, que insiste em impor seu jugo, seu jogo, seu logro.

Resgatar a devida e tardia valorização geral da alma dos povos originários deste território Brasil, construir as necessárias reparações históricas, reconhecer tantas dívidas e danos causados e cumulados contra os povos originários é também o desafio antimanicomial decolonial inadiável de nosso tempo.

Neste novo governo federal, iniciado em janeiro, as possibilidades de resgatar os processos de construção coletiva e gradual de uma sociedade sem manicômios se reabriram, as possibilidades estão abertas, o trabalho a ser feito é gigantesco, o fascismo ronda sempre na espreita de novamente dar seu bote e tomar de assalto o país; por isso mesmo, a construção desta sociedade antimanicomial é a construção de uma sociedade antifascista, uma sociedade de democracia sólida e consistente, de garantia de direitos para todos, impermeável aos apelos fascistas.

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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