17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

A Política Capturada

Perdemos a capacidade de escuta, construção positiva de relações societárias

Publicado em 21/10/2022 1:57 - Túlio Batista Franco

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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O dia hoje amanheceu claro, aos poucos o sol que apareceu atrás do Morro dos Macacos que fica atrás da minha casa, foi ficando pálido, até que, encoberto por nuvens, o dia se tornou cinza, e a visão do horizonte foi limitado pela névoa e uma leve chuva. Neste cenário, ouço os sons que chegam da rodovia que passa a três quilômetros daqui, mas como já não vejo os carros, a causa dos ruídos, posso pensar qualquer coisa, e até o que não acontece é passível de se tornar uma verdade, com informações parciais que consigo captar daquele cenário. Meu cotidiano no que diz respeito à natureza e ambiente que me cercam, neste momento é interpretado com base em informações parciais, e podem formar uma ideia inadequada, por não refletir o que realmente acontece à minha volta.

Daqui a uma semana há as eleições presidenciais no Brasil, considerada uma das mais importantes do planeta, por tudo o que o país representa na sua dimensão territorial, recursos naturais, e participação econômica e política no mundo. Como tem acontecido em outras partes do mundo, o debate político é fortemente substituído pelo falseamento da realidade, informações que correm instantaneamente, na velocidade permitida pelas fibras óticas, capazes de conectar milhões de receptores ao mesmo tempo. As meias informações, fake news, e outras formas grotescas de manipulação de dados são transmitidas aos diferentes dispositivos, prontos para consumirem mais e mais, e atuam também como seus distribuidores. Ao mesmo tempo, as próprias máquinas, tecnologias inteligentes, aprendem através dos algoritmos a alimentarem os celulares, tablets, notebooks, e as milhares de mídias disponíveis para veicular tudo o que chega, retroalimentando este complexo e emaranhado sistema de informações.

Como no cenário anuviado que tomou conta do entorno à minha morada, o ambiente eleitoral também é turvado pelo uso inadequado, e criminoso do poderoso sistema de comunicação. Cada vez mais, políticos de extrema direita vêm ocupando espaço no mundo, de forma inescrupulosa, a partir da manipulação das subjetividades, e toda forma de falseamento da realidade. A prática política é substituída, e capturada pela intensidade midiática de dados e informações com objetivo de influenciar a opinião e voto.

“Infocracia” é o título do livro do filósofo coreano Byun Chul Han, publicado pela Editora Vozes neste ano. Significa que a sociedade atual é dominada pelo regime de informação, e as relações entre pessoas, grupos, os processos sociais, econômicos e políticos, estão decisivamente à mercê da inteligência artificial, e dos algoritmos. A digitalização do mundo da vida leva a uma captura da política pela informação, onde a Democracia degenera em Infocracia.

A eficácia das informações como são utilizadas nos dias hoje, se dá pela sua capacidade de afetar as subjetividades, modificando o sentido das coisas, falseando fatos, fazendo a imagem do mundo da vida uma ficção.  Podemos inferir que a comunicação midiática atual é unidirecional, narcísica, com baixa ou nenhuma capacidade de escuta interativa. Subtrai o outro das relações, elimina qualquer possibilidade de interação dialógica. Sem o reconhecimento do outro, não há democracia. É neste ponto que as práticas atuais destroem o laço social básico da nossa civilização, a relação democrática que supre a vitalidade de uma sociedade.

Não sei para onde vamos, mas no lugar em que estamos, perdemos a capacidade de escuta, construção positiva de relações societárias. Vejo o ódio vitaminado, a produção de comum interditada. É muito importante resgatar o sentido de comunidade, produção de comum, construção de si e do mundo com base na solidariedade, inclusive nas redes midiáticas. Seguimos esperançosos que isto passa rápido!

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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