09/05/2024 - Edição 540

Poder

USP: maioria dos manifestantes bolsonaristas tem dissonância cognitiva e se identifica com extrema direita

A cara do bolsonarismo: dos presentes na manifestação de domingo, 62% eram homens, 67% tinham 45 anos ou mais, 65% eram brancos, 67% disseram ter ensino superior, 43% se disseram católicos, 29% evangélicos

Publicado em 27/02/2024 10:51 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles), Agência Brasil – Edição Semana On

Divulgação

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Dos manifestantes presentes no ato pró-Bolsonaro, no domingo (25), em São Paulo, 88% acreditam que foi ele e não Lula quem de fato ganhou as eleições em outubro de 2022. E 94% afirmam que vivemos em uma ditadura porque avaliam que dá excessos e perseguições da Justiça.

Os números são resultado de pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo durante a manifestação na avenida Paulista. Foram entrevistadas 575 pessoas e a margem de erro é de quatro pontos.

“É bastante preocupante que, entre os bolsonaristas mais militantes, uma maioria tão expressiva considere que as eleições tenham sido fraudadas e que vivamos sob uma ditadura”, afirmou à coluna Pablo Ortellado, professor do curso de Política Pública da USP e coordenador da pesquisa junto com Márcio Moretto.

“Esses números ficam mais diluídos quando olhamos para todos os eleitores de Bolsonaro, como mostram outras pesquisas. Mas posições tão radicais em uma manifestação que foi tão numerosa deveria acender o sinal amarelo da democracia brasileira”, avalia.

Nos Estados Unidos, pesquisas de opinião com seguidores do republicano Donald Trump também mostram que eles acreditam que foi ele e não o democrata Joe Biden quem venceu a corrida eleitoral.

Questionados pelos pesquisadores se Bolsonaro deveria ter decretado uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no final de 2022, 49% afirmam que sim e 39%, que não.

Essa se mostrou a opção preferencial dos manifestantes. Perguntados se ele deveria ter invocado o artigo 142 da Constituição Federal para solicitar uma arbitragem das Forças Armadas, 45% disseram que não e 42% que sim, um empate técnico.

Já 61% afirmaram que ele não deveria ter decretado Estado de Sítio em 2022, enquanto 23% defenderam que sim.

Preferência por Tarcísio como candidato a presidente

A pesquisa também questionou qual seria o melhor nome para concorrer à Presidência da República se Jair Bolsonaro não puder ser candidato – ele está inelegível após duas condenações pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) aparece com 61% da preferência dos manifestantes, enquanto a ex-primeira-dama e diretora do PL Mulher, Michelle Bolsonaro, tem 19%, e o governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo), 7%.

Aparecem com 1% o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), os senadores Damares Alves (Republicanos-DF) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o general Braga Netto.

Quanto à eleição municipal em São Paulo, 47% defendem que Jair Bolsonaro deve lançar um candidato, enquanto 37% dizem que ele deve apoiar o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Manifestação teve maioria de homens, brancos, católicos

Dos presentes na manifestação, 62% eram homens e 38%, mulheres.

Quanto à idade, 67% tinham 45 anos ou mais, 29%, entre 25 e 44 e 3%, entre 16 e 24 anos. Brancos representavam 65% e negros (pretos e pardos), 31%.

Vivem em famílias que recebem até dois salários mínimos mensais 10% dos presentes, entre 2 e 5 salários representam 39%, entre 5 e 10, 25%, entre 10 e 20, 13% e mais de 20 salários mínimos, 9%.

Do total, 67% dizem ter ensino superior, 26% médio e 6%, fundamental.

E 43% se dizem católicos, 29% evangélicos, 10% espíritas e kardecistas.

Pesquisadores estimaram 185 mil na manifestação

A única estimativa com metodologia que veio a público até agora é a do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo. Ela apontou 185 mil pessoas na manifestação às 15h, seu horário de pico.

A contagem de cabeças foi baseada em fotos aéreas de alta resolução que cobriram a extensão da avenida, tiradas entre 15h e 17h, e processadas com a ajuda de um software especial para esse fim. Ou seja, veio de ciência, não de achismo, de vozes da cabeça ou da necessidade política dos organizadores.

Bolsonarismo raiz

Perde seu tempo Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e condutor do inquérito que apura atentados à democracia, quando ensina aos que não querem aprender, seja por lhes faltar inteligência, seja por indiferença ou ideologia:

“Não existe crime de golpe de Estado, porque, se tivessem dado o golpe, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá golpe não é julgado. Por mais ridículo que pareça, faço esse esclarecimento porque são muitos os absurdos que se ouve”.

O bolsonarista raiz é o cara que acredita que a Avenida Paulista reuniu 700 mil pessoas para ouvir seu guia defender-se da acusação de que planejou um golpe com o objetivo de anular os resultados da eleição presidencial de 2022.

Mas o bolsonarista raiz é também os que duvidam que morreram no Brasil mais de 700 mil pessoas vítimas da associação entre o governo e o vírus durante a pandemia da Covid-19. O bolsonarista raiz só acredita nas notícias que recebe pelo Zap dos patriotas.

Quase a totalidade dos manifestantes que foram à Avenida Paulista no domingo para prestar apoio a Bolsonaro considera que o Brasil atravessa uma “ditadura” sob o governo Lula. Sim, uma ditadura que eles, nesse caso, fingem não saber o que é.

O que se viu na Paulista foi um mar de gente com idade avançada; os jovens, aparentemente, não foram tantos assim. Gente com mais de 50 anos de idade viveu os anos mais tenebrosos da ditadura militar de 1964, prestes a completar 60 anos. Vai ver que gostou.

PF vai incluir fala de Bolsonaro em inquérito sobre tentativa de golpe

O discurso de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo, será avaliado pela equipe da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, quando o ex-presidente foi derrotado.

Em sua fala no último domingo, Jair Bolsonaro admitiu conhecimento sobre uma minuta que previa decretação de estado de sítio, prisão de parlamentares e ministros do STF e dava sustentação a um suposto golpe de Estado. Mas criticou as apurações criminais da PF sobre essa minuta. A admissão do ex-mandatário contrasta com a postura dele em depoimento na quinta-feira passada (22) à PF, quando ficou em silêncio diante das perguntas dos investigadores.

Uma operação de busca e apreensão da PF em janeiro do ano passado localizou na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, texto em formato de minuta que previa a intervenção no Poder Judiciário para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e convocação de novas eleições.  A minuta também foi citada nas delações do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da presidência da República.

Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo STF sobre o ataque de 8 de janeiro de 2023 à sede dos Três Poderes em Brasília. Há ainda outros elementos que estão sendo investigados como o vídeo de uma reunião realizada no Palácio da Alvorada em julho de 2022. Na ocasião, auxiliares diretos do ex-presidente e de um grupo de militares sugeriram alternativas de ataque ao sistema eleitoral eletrônico e à eleição presidencial de 2022.

‘Se pacificador da Paulista fosse real, ele talvez estivesse reeleito’

Um ministro do Supremo Tribunal Federal ironizou o discurso feito por Bolsonaro a milhares de devotos, na tarde de domingo: “Se o pacificador da Avenida Paulista fosse real, ele talvez estivesse reeleito”, disse ele à coluna. “Não haveria 8 de janeiro, muito menos pedido de anistia.”

O senador-general Hamilton Mourão protocolou no Senado, há quatro meses, proposta que concede anistia aos condenados por invadir as sedes dos Três Poderes. Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara, sinalizam nos bastidores que não cogitam levar à pauta de votação nenhum projeto de anistia.

Os primeiros sinais estimulam a percepção de que a nova agenda de Bolsonaro começou a enferrujar menos de 24 horas depois de ser lançada. Consiste basicamente no seguinte: 1) “Pacificação”; 2) “Anistia para os pobres coitados” do 8 de janeiro; e 3) “Passar uma borracha no passado”.

A certa altura, Bolsonaro insinuou que, no limite, a anistia e a borracha poderiam beneficiá-lo. Numa evidente autoreferência, declarou: “Nós não podemos concordar que um poder tire do palco político quem quer que seja.”

Bolsonaro obteve a foto que tanto desejava. Encheu sete quadras da Avenida Paulista. Foi um notável feito político. Derrotado na sucessão, declarado inelegível pelo TSE e acossado por meia dúzia de inquéritos criminais no Supremo, o capitão mostrou que ainda respira. Do ponto de vista jurídico, porém, a façanha política não teve grande serventia.

O asfalto voltou para casa e os crimes atribuídos a Bolsonaro não sumiram dos processos. Para piorar, a Polícia Federal enxergou num trecho da fala de domingo uma admissão da existência de minuta de golpe. Para os investigadores, o orador da Paulista merece interrogatório, não anistia.

Bolsonaro cria ‘xandismo’ e trata Xandão como novo Sergio Moro

Acuado pela delação de Mauro Cid e pelas provas que a Polícia Federal colecionou, Bolsonaro recorre a um expediente usado por onze em cada dez investigados indefesos. Em vez de se defender, libera seus advogados para atacar Alexandre de Moraes, crivando-o de questionamentos formais.

Na penúltima investida, a defesa de Bolsonaro recorreu contra decisão do presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, que indeferiu pedido para afastar Moraes da relatoria do inquérito sobre o golpe. Bolsonaro pede a Barroso que submeta sua decisão ao aval do plenário do Supremo.

Na semana passada, a defesa de Bolsonaro já havia protocolado três recursos, tentando protelar o seu interrogatório na Polícia Federal. Moraes indeferiu todos, forçando o investigado a silenciar diante de um delegado para não se autoincriminar.

Na prática, Bolsonaro tenta criar um ‘xandismo’, movimento análogo ao que se convencionou chamar de lavatismo. A defesa e o investigado tratam Xandão como um novo Sergio Moro, no pressuposto de que, depois da condenação, poderão alegar a parcialidade dos jugadores. O diabo é que, no caso de Bolsonaro, o julgamento ocorre no Supremo. E a maioria dos ministro da Corte vem referendando os atos de Moraes.


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