18/05/2024 - Edição 540

Poder

General Augusto Heleno fala na CPI do golpe nesta terça

Militares e PM trocam acusações e se contradizem sobre dia de invasões no DF

Publicado em 25/09/2023 9:41 - RBA, Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On / Laura Scofield, Bianca Feifel – Agência Pública

Divulgação Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno deve prestar depoimento à CPMI do 8 de Janeiro nesta terça-feira (26). Em delação premiada que vazou na última semana, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, disse à Polícia Federal que o então presidente consultou os comandantes das Forças Armadas sobre a possibilidade de um golpe de Estado.

O depoimento de Heleno à CPMI está aprovado desde 13 de junho, mas foi marcado após a repercussão dos trechos da delação de Cid. O general era um dos mais influentes e mais próximos ministros de Bolsonaro entre os militares.

De acordo com a relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o general “trará informações de enorme valia para a condução dos nossos futuros trabalhos na presente comissão”.

Minuta golpista

De acordo com reportagens pelo portal UOL e pelo jornal O Globo, Cid contou que, depois da derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro teria recebido uma minuta golpista das mãos de Filipe Martins, que foi assessor especial da Presidência para assuntos internacionais.

Segundo a versão divulgada a partir da delação do tenete-coronel, o documento autorizava novas eleições no país, assim como a prisão de adversários políticos do grupo então no poder.

Não está claro se minuta à qual se refere Mauro Cid é a mesma encontrada na residência do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, em janeiro. Esse documento também autorizava a prisão de adversários e decretava um “estado de defesa” na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em 1º de junho, Augusto Heleno prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) sobre o 8 de janeiro.

“Golpe precisa ter líder”

Na ocasião, ele negou que tenha participado de conspirações golpistas. “Se eu tivesse sido articulador, eu diria aqui. Eu acho que o tratamento que estão dando a essa palavra “golpe” não é um tratamento adequado”, afirmou então. Segundo ele, “um golpe, para ter realmente sucesso, ele precisa ter um líder principal, alguém que esteja disposto a assumir esse papel de liderar um golpe”.

Dois dias depois, na quinta-feira (28), a CPMI ouvirá Alan Diego dos Santos Rodrigues, que foi condenado a 5 anos e 4 meses de prisão por colocar uma bomba em um caminhão-tanque de combustível nos arredores do aeroporto de Brasília em 24 de dezembro do ano passado.

A CPMI já ouviu outros dois condenados pelo atentado: o empresário George Washington de Oliveira Sousa e o blogueiro Wellington Macedo de Souza, este na última quinta-feira (21). Nesta sessão, o advogado do criminoso admitiu a possibilidade de fazer uma delação.

O blogueiro já foi condenado a seis anos por envolvimento na mesma tentativa de atentado a bomba. Ele estava foragido desde janeiro e foi preso na semana passada no Paraguai.

O coral dos militares e o dia em que Bolsonaro confessou seu crime

Às primeiras notícias de que poderíamos ouvir o canto do tenente-coronel Mauro Cid sobre a tentativa de golpe de Estado planejada para impedir a posse de Lula, o advogado de defesa do ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro correu a declarar que não haveria delação.

Um militar, ainda mais um oficial de alta patente, jamais delataria seu superior ou seus subordinados. No caso desses últimos, simplesmente os puniria por suas faltas. No caso de um superior, no máximo confirmaria ou não o que ele pudesse ter feito de errado.

E assim, por meses a fio, ficou a impressão de que Mauro Cid se limitaria a assinar embaixo das provas já obtidas pela Polícia Federal sobre o mal comportamento de Bolsonaro. Contestá-las agravaria sua situação e o deixaria sujeito a penas mais severas.

Não foi o que aconteceu. Mauro Cid foi muito além do que seu celular apreendido já havia revelado, e muito além do que a Polícia Federal já sabia ou desconfiava. Quanto além ele foi, nem tão cedo ficará claro. Mas isso não importa agora.

Uma vez que cantou, e que cantou bonitinho, ele obrigará outros colegas de farda a cantarem também para não serem acusados de cúmplices em pelo menos dois crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado.

Alguns relatos dão conta de que o Comandante da Marinha à época, o almirante Almir Garnier Santos, disse sim à proposta de golpe de Bolsonaro, enquanto os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Batista, disseram não.

Outros relatos dão conta que o brigadeiro ficou calado, e que o general, em reunião com Bolsonaro no final de novembro, ameaçou prendê-lo se ele insistisse com a ideia do golpe. Essas coisas deverão ser esclarecidas quando o general e o brigadeiro forem depor.

Sim, porque a Polícia Federal irá ouvi-los. Como certamente ouvirá outros militares graduados, como os generais Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Walter Braga Neto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro.

Augusto Heleno adiantou-se e disse que Bolsonaro nunca conversou com ele sobre golpe, e que ele nunca ouviu falar em golpe. Braga Netto será interrogado sobre um vídeo postado pelo prefeito bolsonarista de Tapurah, Carlos Alberto Capeletti (PSD-MT).

No dia 14 de novembro do ano passado, Capeletti, que estava acampado com centenas de golpistas à porta do QG do Exército, em Brasília, contou o que ele e um grupo de amigos tinham acabado de ouvir de Braga Neto:

“Na saída do mercado Carrefour encontramos o general Braga Netto, que veio ao nosso encontro, e nos tranquilizou falando que não é para nos preocupar que vai acontecer algo muito bom para toda a sociedade do Brasil ainda nesta semana”.

Outro vídeo, esse de 18 de novembro, exigirá explicações de Braga Netto. Nesse dia, diante do choro de uma mulher que se queixava de enfrentar chuva e sol no acampamento, o general pediu-lhe:

“Não perca a fé”.

Bolsonaro começou a perder a fé no golpe em 24 de novembro. Esse foi o dia em que o general Freire Gomes, depois de consultar a maioria dos membros do Estado Maior do Exército, disse não ao golpe durante reunião no Palácio da Alvorada.

Como o golpe seria possível se os generais comandantes do Sul (Fernando Soares), do Sudeste (Thomaz Paiva), do Leste (André Novaes) e do Nordeste (Richard Nunes) eram contra? E se o governo dos Estados Unidos informara a tempo que também era contra?

No último pronunciamento que fez aos brasileiros, pouco antes de se evadir para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro, referindo-se à posse de Lula dali a dois dias, Bolsonaro afirmou a certa altura:

“Eu busquei dentro das quatro linhas, dentro das leis, saída para isso aí”.

Dentro das quatro linhas não havia, como não há, saída legal para abortar a posse de um presidente eleito. Sem querer, Bolsonaro confessou o golpe que pretendeu dar.

Militares e PM trocam acusações e se contradizem sobre dia de invasões no DF

Laura Scofield, Bianca Feifel – Agência Pública

Para os policiais do Distrito Federal, os militares estavam atuando com “frouxidão” na contenção dos golpistas que haviam invadido e destruído o Palácio do Planalto na tarde do dia 8 de janeiro. Já para os militares integrantes do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), os policiais estavam “exaltados” e se comportando de forma violenta. O conflito entre as versões é registrado nos documentos internos produzidos pelas duas corporações para investigar a conduta dos agentes. Na hora de assumir a responsabilidade e possíveis falhas relacionadas à invasão, os envolvidos jogam a culpa uns nos outros.

As informações são provenientes de dois conjuntos de documentos acessados pela Agência Pública: um deles apura a conduta dos agentes da Tropa de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF); o segundo, a dos militares ligados ao Comando Militar do Planalto (CMP). Os documentos foram enviados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro de 2023, depois de aprovado requerimento do Deputado Delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Sequências de desentendimentos

De acordo com o relatado, o primeiro conflito entre a PMDF e o Exército ocorreu ainda na entrada do Palácio do Planalto, quando as duas forças se uniram. Um dos policiais militares, por exemplo, diz que, nesse momento, teve que forçar os militares a “combater os vândalos”, já que, quando teria pedido ajuda, os integrantes da guarda presidencial teriam respondido que não poderiam atuar. Ele alega que, por isso, a PMDF teria sido obrigada a recuar, uma vez que o número de manifestantes teria superado “de forma desproporcional” o efetivo policial.

Os militares dizem que a culpa pela invasão da sede do Executivo Federal foi da “ineficiência na contenção dos manifestantes” por parte da PMDF, ainda na Esplanada dos Ministérios. Isso teria permitido “que os invasores rompessem a cerca próxima ao extremo oeste do estacionamento, adentrando às instalações do Palácio do Planalto”.

Também houve outro desentendimento entre as duas forças no Salão Nobre, no 2º andar do Palácio do Planalto. O conflito teria começado quando a Tropa de Choque adentrou o local afirmando que prenderia “todos” os manifestantes que ali se encontravam, mas teriam encontrado resistência dos integrantes da guarda, que queriam evacuar o prédio. A situação foi gravada em vídeo pelo então sargento Beroaldo Júnior e os conteúdos foram reproduzidos pela imprensa e geraram críticas à atuação do Exército.

Nos documentos, os militares tentam se justificar e dizem que a situação foi “amplamente explorada pela mídia”. Afirmam que a PMDF teria agido com “uso excessivo da força”, o que teria levado a guarda presidencial a reagir. Dois relatos ainda apontam que havia um policial com arma em punho ameaçando os manifestantes — “vai morrer gente”, teria gritado. No início de setembro, a Pública revelou que o então sargento Beroaldo Júnior utilizou munição letal contra uma pessoa que estava espancando uma policial. A informação foi omitida pela PMDF e revelada nos documentos internos acessados pela reportagem.

Responsabilidade relativa?

A conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM) aberto pelo Comando Militar do Planalto defende os militares e reproduz um trecho da fala de um dos depoentes, o Major José Eduardo Natale, em que ele afirma que “ao contrário das ações da PMDF, a Tropa de Choque do Exército detinha controle emocional e disciplina para agir conforme prescreve a norma”. Natale ficou conhecido por ter aparecido em imagens do circuito interno do Planalto conversando e oferecendo água aos extremistas sem efetuar prisões.

Quando não a PMDF, o inquérito responsabiliza o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pelas possíveis falhas do Exército. O órgão à época era comandado pelo General Gonçalves Dias — um dos grandes alvos dos bolsonaristas na CPMI do 8 de Janeiro. O documento diz que o “desentendimento” com a PM ocorreu em função de uma “falta de unidade de comando” do GSI, já que a ordem de prender os manifestantes chegou primeiro para os policiais, e os militares não estariam cientes até aquele momento.

Mesmo quando o Comando Militar reconhece que faltou efetivo e munição, ele isenta a guarda presidencial de responsabilidade pela invasão do prédio que deveria proteger. Ao final do inquérito, conclui que não foram encontrados “indícios de crime militar ou crime comum” entre o efetivo, mas aponta “indícios de responsabilidade” pela invasão atribuídos à Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial (DSeg), órgão vinculado ao GSI.

Futuro incerto

Após o fim das investigações, o inquérito passou pelo Ministério Público Militar (MPM) e agora espera julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) —  em função da decisão do magistrado Alexandre de Moraes de que os militares envolvidos no dia 8 de janeiro serão processados e julgados pela corte, após investigação da Polícia Federal.

Em resposta à Pública, o Exército Brasileiro afirmou que “não se pronuncia acerca de procedimentos investigativos ou judiciais conduzidos por outros órgãos”. A Polícia Militar do Distrito Federal não retornou aos pedidos da reportagem. A alta cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal está presa preventivamente desde 18 de agosto por “omissão”. Até o momento, nenhum militar foi condenado pelo episódio.


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