18/05/2024 - Edição 540

Poder

Brasil se livra de Aras, mas Lula parece articular outro antiprocurador

Conheça Elizeta Ramos, interina de Aras na PGR que já assinou nota a favor de Moro

Publicado em 26/09/2023 10:06 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Yurick Luz (DCM) – Edição Semana On

Divulgação Bolsonaro e Aras. Foto: Reprodução

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O Brasil se livra nesta terça-feira (26) de Augusto Aras. Em quatro anos, Aras conquistou um lugar de destaque na história. Desce ao verbete da enciclopédia como o pior procurador-geral da República de todos os tempos.

A pretexto de “despolitizar” o Ministério Público Federal, Aras bolsonarizou a chefia do órgão. Visando o desmonte da Lava Jato, criou o lavatismo com sinal trocado, que não denuncia ninguém acima de um certo nível de poder e renda. Para “descriminalizar a política”, condescendeu com políticos criminosos.

Remunerado pelo contribuinte para defender os interesses da sociedade, Aras fez opção preferencial pela advocacia dos interesses de Bolsonaro. Pagou com a omissão sua indicação fora da lista tríplice da corporação.

Simulou rigor com “averiguações preliminares”. Arquivou mais de 70 acusações. Fechou os olhos para a política de estado letal na pandemia. Enterrou os indiciamentos da CPI da Covid. Associou-se por omissão ao projeto golpista que passou pelo 7 de Setembro e desaguou no 8 de janeiro.

Na abertura do ano do Judiciário, com Bolsonaro já despachado do Planalto pelo eleitor, Aras fez uma tríplice declaração de amor ao regime democrático no plenário reconstruído do Supremo: “Democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo.”

Na semana passada, o antiprocurador fez no mesmo plenário da Suprema Corte um autodesagravo. Apresentou-se como vítima de “incompreensões e falsas narrativas”. Nesta segunda-feira, agraciado por Aras com imerecida medalha da Ordem Nacional do Mérito do Ministério Público, o ministro do Supremo Dias Toffoli exagerou no agradecimento.

Toffoli atribuiu a estabilidade democrática à inépcia de Aras. “Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força de seu silêncio, Augusto Aras, talvez nós não estivéssemos aqui. Nós não teríamos talvez democracia”. Abandonado pelo senso do ridículo, Toffoli declarou que Aras não usou o Ministério Público como “um alpinismo para outros interesses”. Deu-se exatamente o oposto.

Sob Bolsonaro, Aras caprichou no puxassaquimo para tentar chegar ao Supremo. Sob Lula, escalou o antilavatismo para obter um terceiro mandato na PGR. Amealhou inacrceditáveis apoios no petismo. Foi recebido no Planalto. Mas Lula preferiu buscar uma reencarnação de Aras no corpo de outro antiprocurador.

Aras se vende como protetor da democracia, mas foi cúmplice de seu carrasco

De saída do comando da Procuradoria Geral da República, Augusto Aras tem se esforçado reescrever o que foram os quatro anos de seu mandato, marcado pela proteção a Jair Bolsonaro de olho em uma cadeira no STF. Desta vez, em reunião do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), afirmou que sua atuação ajudou a preservar a democracia. O que é verdade só no Bolsoverso, o universo paralelo bolsonarista.

Como fiel escudeiro do ex-presidente, arquivou mais de 70 pedidos de inquéritos. Seu silêncio diante das ações e omissões de Bolsonaro na pandemia garantiu a liberdade para que o então presidente construísse uma montanha com mais de 700 mil mortos. E seu silêncio diante do golpismo quase nos custou a democracia.

Ao mesmo tempo, intimidou críticos dentro e fora da instituição. E agiu para bloquear tudo o que pudesse criar embaraços ao projeto de poder de Jair.

Pesquisa da FGV Direito-SP, coordenada por Eloisa Machado e Luiza Ferraro, aponta que, entre 2019 e 2021, a PGR foi autora de apenas cinco das 290 ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal contra atos do Poder Executivo. Ou seja, 2%. Foi a menor taxa desde que a promulgação da Constituição de 1988.

Sua atuação foi tão constrangedora que juristas e parlamentares passaram a discutir abertamente que, por causa dele, a competência privativa da PGR para processar presidentes deveria ser flexibilizada.

E os próprios colegas subprocuradores-gerais da República clamaram publicamente a ele que apurasse os ataques de Bolsonaro contra a democracia, como no manifesto de agosto de 2021.

“Na defesa do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, de seus integrantes e de suas decisões deve agir enfaticamente o procurador-geral da República – que, como procurador-geral eleitoral, tem papel fundamental como autor de ações de proteção da democracia – não lhe sendo dado assistir passivamente aos estarrecedores ataques àquelas cortes e a seus membros, por maioria de razão quando podem configurar crimes comuns e de responsabilidade e que são inequívoca agressão à própria democracia”, afirmaram.

“Assistir passivamente” é muita humilhação.

Mas esse comportamento passivo lhe garantiu a recondução ao cargo no mesmo mês. Aliás, na sabatina no Senado, ele se colocou como fiador do comportamento golpista de Bolsonaro.

Cobrado por alguns poucos parlamentares pelos ataques aos tribunais superiores e à urna eletrônica feitos pelo então presidente, Aras quis fazer crer que Bolsonaro agia apenas no campo na “retórica política”. Afirmou que “bravatas ditas em uma live” podem ou não ter propensão para se transformarem em realidade, sendo necessário que se faça distinção entre elas.

“Várias perguntas foram feitas aqui sobre o que eu achava de ameaças à institucionalidade. Nós só podemos medir qualquer tipo de ameaça se dermos concreção a esse discurso, fora disso não temos como fazê-lo”, disse. O golpismo de Jair já era escancarado. Aras pôs a mão no fogo por ele.

E se queimou por completo perante a História quando vieram os bloqueios de eleitores no Nordeste no segundo turno das eleições pelas mãos da Polícia Rodoviária Federal, com os protestos golpistas nas rodovias e na frente dos quartéis em novembro e dezembro, com os atos golpistas do 8 de janeiro, que tinham em Jair o grande incitador.

Sob a justificativa de não criminalizar a política e defender a liberdade de expressão, um dos pilares da democracia, o procurador-geral da República agiu de forma leniente com quem cometia crimes contra a democracia e ameaçava tolher as liberdades da população.

Em outras palavras, foi tolerante com quem pregava a intolerância e tinha meios para efetivar a ameaça, como de fato fez.

Sim, a democracia ficou menor sob o silêncio do PGR que se vai.

Em tempo: Na reunião no CNMP, Aras ainda se compararia ao apóstolo Paulo, que se converteu após uma experiência divina. “Eu quero dizer que nunca pensei em ser PGR até o dia em que uma fagulha de luz passou pela minha mente e disse: levante-se e busque corrigir todas as injustiças dentro do Ministério Público que você não concorda”, disse.

“Quero dizer que naquela epifania que recebi uma pancada, uma queda, tipo Paulo, que ficou desacordado, eu acordei e disse: ‘Senhor, dai-me os instrumentos e eu irei fazer aquilo que penso ser justo’.”

Essa humildade toda me lembra o livro de o Evangelho de Mateus 23:12: “Todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”.

Aras é um pesadelo do qual o país tem dificuldade de acordar

A história dos quatro anos de Augusto Aras na chefia da Procuradoria-Geral da República é uma mentira encadernada pelo déficit público. Antes de deixar o cargo que não mereceria ocupar há quatro anos, Aras mandou imprimir, com verbas do alheio, uma autopropaganda camuflada de prestação de contas.

Há 35 anos, quando o Congresso Constituinte presidido por Ulysses Guimarães converteu o Ministério Público numa entidade independente, imaginou-se que surgiria no país uma instituição respeitável. Se a gestão de Augusto Aras serviu para alguma coisa foi para demonstrar que a respeitabilidade está sob ameaça.

Reza a Constituição que a Procuradoria deve zelar pelos interesses da sociedade. A função de procurador-geral será exercida com maior eficácia se o titular for escolhido pelo presidente da República de forma republicanamente impessoal. Mas a impessoalidade, depois da diversidade, é o critério que menos interessa a Lula no momento.

O livro que Aras distribuiu aos amigos vale como um dossiê das culpas do pior procurador-geral de todos os tempos. Numa obra que fala sobre a maneira como a gestão de Aras “salvou vidas” durante a pandemia, fica difícil eleger o trecho mais mentiroso. O pior, entretanto, não é o pesadelo, mas a dificuldade que o Brasil tem de acordar dele. Lula não parece interessado em reescrever a história da Procuradoria. Ele busca algo muito parecido com um recomeço em falso.

Conheça Elizeta Ramos, interina de Aras na PGR que já assinou nota a favor de Moro

Com o fim do mandato de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) nesta terça-feira (26), a subprocuradora-geral da República Elizeta Maria de Paiva Ramos, que também é vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF), assumirá o cargo de forma interina.

Ela permanecerá nessa posição até que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faça a escolha do novo procurador-geral. Vale destacar que Aras foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e exerceu dois mandatos como chefe da PGR.

Na sessão do Conselho Superior do MPF que a elegeu vice-presidente, Aras fez referência a Elizeta como sua “estimada e querida amiga” e desejou sucesso caso ela precise assumir a PGR interinamente.

“Se sua excelência tiver a oportunidade de ocupar, ainda que interinamente, a cadeira de PGR, certamente terá a responsabilidade que lhe é própria”, disse Aras na ocasião.

A subprocuradora Elizeta Ramos — Foto: Leonardo Prado/PGR

Quem é Elizeta Ramos?

A trajetória de Elizeta no Ministério Público Federal começou em 13 de dezembro de 1989, quando foi nomeada procuradora da República. Ela atuou em diversos órgãos, incluindo a Procuradoria da República no Espírito Santo, a Procuradoria da República no Distrito Federal e, após promoção por mérito, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região.

Durante seu tempo como procuradora da República no Espírito Santo, ela foi designada para trabalhar nas áreas de Consumidor e Meio Ambiente, além de atuar na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.

Em 2018, Elizeta foi uma das signatárias de uma nota de apoio à nomeação de Sergio Moro como ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Mais de 150 procuradores assinaram o documento, destacando o comprometimento de Moro com o Brasil e os interesses da sociedade.

Em 2020, enquanto ocupava o cargo de corregedora, Ramos determinou a abertura de uma sindicância para investigar uma acusação da antiga força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, que alegou que a subprocuradora Lindôra Araújo tentou acessar ilegalmente dados sigilosos da operação.

No ano seguinte, ainda como corregedora, Elizeta emitiu um ofício interno no qual questionou uma manobra de Augusto Aras, sugerindo que essa manobra poderia ser utilizada para atender a interesses pessoais ou políticos, com o objetivo de proteger aliados ou perseguir adversários.

Atualmente, Ramos exerce o cargo de coordenadora da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional, órgão responsável pela supervisão das ações do Ministério Público Federal relacionadas a esses dois temas. Ela também já ocupou o cargo de corregedora-geral do MPF e coordenou a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral.

Enquanto coordenadora, Ramos solicitou explicações à Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre os bloqueios em rodovias após a vitória de Lula nas eleições de 2022. Essa solicitação foi enviada no dia seguinte ao segundo turno, em 31 de outubro.

Ela também oficiou todos os procuradores-chefes das unidades do MPF nos estados, pedindo esclarecimentos sobre as medidas tomadas em cada local para evitar esses bloqueios.

Elizeta viralizou recentemente ao criticar o serviço de motoristas da PGR. Durante a sessão do Conselho Superior, ela afirmou que havia marcado para o servidor buscá-la em casa, mas só soube que isso não seria possível no horário agendado.

“Nós vamos ficar com o transporte assim? Cada vez que eu pedir um motorista vai ser uma dolorosa interrogação se ele vai ou não? Eu que vou ter que ligar para cá? Eu vou ter que pegar o Uber? Como é que vai ser isso?”, afirmou.


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