04/10/2024 - Edição 550

Mundo

Isolado e doente, fundador do Wikileaks resiste

Publicado em 05/03/2019 12:00 -

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Sozinho, doente, isolado, espionado e ameaçado. Mais ainda lutando. Assim vive hoje seus dias, na embaixada do Equador em Londres, o editor que revelou os segredos mais devastadores de um dos impérios mais poderosos da história.

E é o que ele diz também em um documento judicial escrito dois dias depois do natal e assinado com seu nome completo, Julian Paul Assange, fundador do site de megavazamentos WikiLeaks.org, junto com seu advogado, ninguém menos que o legendário ex-juiz espanhol Baltasar Garzón. Trata-se de um pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de medidas cautelares contra os governos dos Estados Unidos e do Equador. O Página/12 teve acesso a uma cópia.

O documento apresenta uma crua descrição de como a hostilidade do governo estadunidense contra Assange foi crescendo, à medida que WikiLeaks publicava novas revelações de testemunhas anônimos que mostravam os piores vícios das instituições militares, diplomáticas, políticas e de inteligência dos Estados Unidos. Segundo a demanda, a perseguição começou em 2002 quando WikiLeaks publicou documentos secretos sobre a prisão de Guantánamo. Logo, a pressão se intensificaria, depois de publicações sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque. Entre uma e outra revelação, Assange foi preso na Grã-Bretanha por um pedido de captura sueco, relativo a um suposto delito sexual pelo qual nunca seria acusado. Depois, chegou o “cabogate” de despachos diplomáticos que sacudiu o mundo. Assange se asilou na embaixada equatoriana, em um apartamento de cerca de 180 metros quadrados, o qual deve compartilhar com a delegação diplomática, sem ar puro nem luz solar há mais de seis anos e meio.

Já na embaixada, o editor do WikiLeaks publicou em 2016 os vazamentos sobre Hillary Clinton e as brigas internas de seu partido em plena campanha presidencial, o que fizeram com que Assange fosse processado judicialmente pelo Partido Democrata, por suposta interferência no processo eleitoral estadunidense, através de um suposto complô que também envolveria a Rússia.

A ofensiva estadunidense contra Assange fortaleceu-se durante o governo de Trump, depois da publicação do arquivo chamado “Vault 7”, o maior vazamento de documentos secretos da história da CIA: “Nos referidos pacotes de informação é possível observar os meios de espionagem irregulares utilizados pela CIA em todo o mundo, por exemplo, através dos dispositivos celulares, smartphones, e também televisores dos cidadãos, com um programa de injeta vírus troianos em bases de dados biométricas estatais de países aliados através do software Cross Match”.

A demanda apresentada por Assange revela como cada um desses vazamentos gerou criminalizações e respostas ameaçadoras de altos funcionários dos três poderes estadunidenses, desde pedidos de aplicação de pena de morte até ataque a WikiLeaks, acusando-o de ser “um serviço de inteligência hostil, não estatal”, como expressado no último informe do FBI no comitê bicameral de inteligência do Congresso estadunidense.

Sobre essa situação, o texto de Assange e Garzón lembra do caso de Chelsea Manning, a suposta fonte do “cabogate”, condenada a 35 anos de prisão e perdoada depois de cumprir sete, e que durante esse período de detenção recebeu um tratamento “cruel, desumano e degradante”, equipável com a tortura, segundo o relatado em 2012 pelo então relator especial sobre torturas da ONU, o argentino Juan Méndez. Devido a que Assange foi acusado por um Grande Jurado de Alexandria (Estado de Virginia), que o investiga desde 2010 por seu papel no vazamento de Manning, e considerando que a mesma se mantém “restrita” ou “secreta”, o escrito judicial de Assange e Garzón conclui que existem sérios riscos de que o fundador do WikiLeaks seja extraditado aos Estados Unidos, onde provavelmente receberia o mesmo trato desumano, cruel e degradante que foi dado ao seu suposto informante.

Em sua parte expeditiva, a demanda judicial “solicita” que a Comissão “faça um requerimento” aos Estados Unidos, para que entregue “toda a informação” sobre as acusações e ordens de captura vigentes contra Assange, “e tudo isso com a finalidade de que a CIDH possa servir como mediadora na possibilidade de uma saída do Sr. Assange da embaixada, em direção a um país seguro”, diz a demanda. Ademais, o texto relata a mudança de atitude do governo do Equador com respeito a Assange depois que Lenín Moreno substituiu Rafael Correa na Presidência do país. Do forte apoio aos seus direitos à livre expressão, e da adesão irrestrita aos tratados internacionais em matéria de asilo e defesa dos direitos humanos, o governo equatoriano passou a negociar abertamente a entrega de Assange com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tornando-se cúmplice da ação de espionagem, humilhação e hostilidade contra o ativista, burlando a própria instituição do asilo, segundo o denunciado pelo documento, que cita diversas e reconhecidas fontes jornalísticas que comprovariam tais negociações.

O documento fala também sobre a saúde de Assange. Assegura que esta poderia ter sofrido dano irreparável, e que vem se agravando devido às restrições que a embaixada lhe impôs em março do ano passado, como castigo por ele ter se manifestado a favor da independência catalã através das redes sociais. Ademais, foi agregado informes de um médico, um psicólogo e do ex-presidente do Comitê contra a Tortura da ONU, Fernando Mariño, “quem não duvidou em qualificar como tortura o comportamento das autoridades suecas e britânicas com relação ao Sr. Assange”. A demanda também cita uma resolução do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que condena a Grã-Bretanha e a Suécia pela detenção arbitrária que resulta da negativa em entregar um salvo-conduto a Assange, para que possa sair da embaixada sem ser preso.

Segundo a demanda enviada à CIDH, desde março de 2018, o governo equatoriano cortou todas as comunicações de Assange com o mundo exterior. “A embaixada instalou quatro bloqueadores de sinal, com um total de 22 antenas, impedindo qualquer tipo de acesso a cobertura telefônica ou sinal de wifi. Como o Sr. Assange não tem acesso à rede telefônica da embaixada, a instalação dos bloqueadores significou um total bloqueio do acesso telefônico ao exterior” diz a demanda. A embaixada também impôs severas restrições ao seu regime de visitas, inclusive com respeito aos seus advogados. Em outubro, o obrigou a assinar um protocolo cheio de demandas, que vão desde a proibição de falar em público até o cuidado da higiene de seu gato, protocolo que os demandantes consideram absurdo e humilhante, escrito com o único fim de preparar o terreno para a expulsão de Assange da sede diplomática londrina. “O protocolo desatende um princípio fundamental do asilo, que é o fato de que este só pode cessar si o risco pelo qual foi outorgado se termina, não podendo terminar de forma arbitrária e unilateralmente pelo Estado que brinda a proteção, simplesmente pela vulneração de irrisórias condições dentro da embaixada, estabelecidas em um documento” escrevem Assange e Garzón. “O refúgio de Assange na embaixada de parece cada vez mais com um confinamento numa solitária” diz a conselheira legal da organização Human Rights Watch, Dinah Pokempner, citada na demanda.

Além do isolamento total, Assange também sofre com a perda da sua privacidade, diz o escrito judicial: “o governo do Equador teria contratado serviços especializados de segurança para espionar o Sr. Assange, e essa empresa, segundo os meios internacionais, estaria reportando informações a diversas autoridades norte-americanas, concretamente ao FBI”.

Tudo isso coloca em grave perigo a saúde física e mental do asilado, segundo o documento judicial: “também deve ser destacado o dano irreparável que poderia sofrer o estado de saúde do Sr. Assange, se a situação continua neste impasse devido à delicada situação física e psicológica na que permanece há anos, e que se vê agravada após as últimas medidas de isolamento absoluto tomadas pelo governo equatoriano”.

Além das medidas cautelares dirigidas aos Estados Unidos, os demandantes pedem concretamente à CIDH um requerimento para que o governo equatoriano derrogue o protocolo, e que deixe de espionar Assange, ou que não proceda com “a entrega do Sr. Assange a qualquer país que não lhe dê garantias de não extradição (“nonrefoulement”) aos Estados Unidos”.

O Página/12 tentou se comunicar com o secretário-geral de comunicação da Presidência do Equador, Andrés Michelena, para conhecer a postura do seu governo. Até a manhã desta terça-feira (26/2), não houve respostas às mensagens gravados na caixa de mensagens do seu celular. Também se tentou conhecer a postura do governo estadunidense, canalizando um pedido de comentário da Casa Branca e do Departamento de Estado através da embaixada, e se aguardou uma resposta até o fechamento desta edição. Além disso, o jornal contatou pessoas ligadas ao WikiLeaks para conhecer sua reação sobre a publicação da demanda, mas tampouco obteve uma declaração. Fontes próximas ao caso asseguram que uma resolução da CIDH sobre o caso Assange se conhecerá nos próximos dias.

*Publicado originalmente em pagina12.com.ar | Tradução de Victor Farinelli

Por Santiago O’Donnell, em CartaMaior

Sozinho, doente, isolado, espionado e ameaçado. Mais ainda lutando. Assim vive hoje seus dias, na embaixada do Equador em Londres, o editor que revelou os segredos mais devastadores de um dos impérios mais poderosos da história.

E é o que ele diz também em um documento judicial escrito dois dias depois do natal e assinado com seu nome completo, Julian Paul Assange, fundador do site de megavazamentos WikiLeaks.org, junto com seu advogado, ninguém menos que o legendário ex-juiz espanhol Baltasar Garzón. Se trata de um pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de medidas cautelares contra os governos dos Estados Unidos e do Equador. O Página/12 teve acesso a uma cópia.

O documento apresenta uma crua descrição de como a hostilidade do governo estadunidense contra Assange foi crescendo, à medida que WikiLeaks publicava novas revelações de testemunhas anônimos que mostravam os piores vícios das instituições militares, diplomáticas, políticas e de inteligência dos Estados Unidos. Segundo a demanda, a perseguição começou em 2002 quando WikiLeaks publicou documentos secretos sobre a prisão de Guantánamo. Logo, a pressão se intensificaria, depois de publicações sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque. Entre uma e outra revelação, Assange foi preso na Grã-Bretanha por um pedido de captura sueco, relativo a um suposto delito sexual pelo qual nunca seria acusado. Depois, chegou o “cabogate” de despachos diplomáticos que sacudiu o mundo. Assange se asilou na embaixada equatoriana, em um apartamento de cerca de 180 metros quadrados, o qual deve compartilhar com a delegação diplomática, sem ar puro nem luz solar há mais de seis anos e meio.

Já na embaixada, o editor do WikiLeaks publicou em 2016 os vazamentos sobre Hillary Clinton e as brigas internas de seu partido em plena campanha presidencial, o que fizeram com que Assange fosse processado judicialmente pelo Partido Democrata, por suposta interferência no processo eleitoral estadunidense, através de um suposto complô que também envolveria a Rússia.

A ofensiva estadunidense contra Assange fortaleceu-se durante o governo de Trump, depois da publicação do arquivo chamado “Vault 7”, o maior vazamento de documentos secretos da história da CIA: “Nos referidos pacotes de informação é possível observar os meios de espionagem irregulares utilizados pela CIA em todo o mundo, por exemplo, através dos dispositivos celulares, smartphones, e também televisores dos cidadãos, com um programa de injeta vírus troianos em bases de dados biométricas estatais de países aliados através do software Cross Match”.

A demanda apresentada por Assange revela como cada um desses vazamentos gerou criminalizações e respostas ameaçadoras de altos funcionários dos três poderes estadunidenses, desde pedidos de aplicação de pena de morte até ataque a WikiLeaks, acusando-o de ser “um serviço de inteligência hostil, não estatal”, como expressado no último informe do FBI no comitê bicameral de inteligência do Congresso estadunidense.

Sobre essa situação, o texto de Assange e Garzón lembra do caso de Chelsea Manning, a suposta fonte do “cabogate”, condenada a 35 anos de prisão e perdoada depois de cumprir sete, e que durante esse período de detenção recebeu um tratamento “cruel, desumano e degradante”, equipável com a tortura, segundo o relatado em 2012 pelo então relator especial sobre torturas da ONU, o argentino Juan Méndez. Devido a que Assange foi acusado por um Grande Jurado de Alexandria (Estado de Virginia), que o investiga desde 2010 por seu papel no vazamento de Manning, e considerando que a mesma se mantém “restrita” ou “secreta”, o escrito judicial de Assange e Garzón conclui que existem sérios riscos de que o fundador do WikiLeaks seja extraditado aos Estados Unidos, onde provavelmente receberia o mesmo trato desumano, cruel e degradante que foi dado ao seu suposto informante.

Em sua parte expeditiva, a demanda judicial “solicita” que a Comissão “faça um requerimento” aos Estados Unidos, para que entregue “toda a informação” sobre as acusações e ordens de captura vigentes contra Assange, “e tudo isso com a finalidade de que a CIDH possa servir como mediadora na possibilidade de uma saída do Sr. Assange da embaixada, em direção a um país seguro”, diz a demanda. Ademais, o texto relata a mudança de atitude do governo do Equador com respeito a Assange depois que Lenín Moreno substituiu Rafael Correa na Presidência do país. Do forte apoio aos seus direitos à livre expressão, e da adesão irrestrita aos tratados internacionais em matéria de asilo e defesa dos direitos humanos, o governo equatoriano passou a negociar abertamente a entrega de Assange com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tornando-se cúmplice da ação de espionagem, humilhação e hostilidade contra o ativista, burlando a própria instituição do asilo, segundo o denunciado pelo documento, que cita diversas e reconhecidas fontes jornalísticas que comprovariam tais negociações.

O documento fala também sobre a saúde de Assange. Assegura que esta poderia ter sofrido dano irreparável, e que vem se agravando devido às restrições que a embaixada lhe impôs em março do ano passado, como castigo por ele ter se manifestado a favor da independência catalã através das redes sociais. Ademais, foi agregado informes de um médico, um psicólogo e do ex-presidente do Comitê contra a Tortura da ONU, Fernando Mariño, “quem não duvidou em qualificar como tortura o comportamento das autoridades suecas e britânicas com relação ao Sr. Assange”. A demanda também cita uma resolução do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que condena a Grã-Bretanha e a Suécia pela detenção arbitrária que resulta da negativa em entregar um salvo-conduto a Assange, para que possa sair da embaixada sem ser preso.

Segundo a demanda enviada à CIDH, desde março de 2018, o governo equatoriano cortou todas as comunicações de Assange com o mundo exterior. “A embaixada instalou quatro bloqueadores de sinal, com um total de 22 antenas, impedindo qualquer tipo de acesso a cobertura telefônica ou sinal de wifi. Como o Sr. Assange não tem acesso à rede telefônica da embaixada, a instalação dos bloqueadores significou um total bloqueio do acesso telefônico ao exterior” diz a demanda. A embaixada também impôs severas restrições ao seu regime de visitas, inclusive com respeito aos seus advogados. Em outubro, o obrigou a assinar um protocolo cheio de demandas, que vão desde a proibição de falar em público até o cuidado da higiene de seu gato, protocolo que os demandantes consideram absurdo e humilhante, escrito com o único fim de preparar o terreno para a expulsão de Assange da sede diplomática londrina. “O protocolo desatende um princípio fundamental do asilo, que é o fato de que este só pode cessar si o risco pelo qual foi outorgado se termina, não podendo terminar de forma arbitrária e unilateralmente pelo Estado que brinda a proteção, simplesmente pela vulneração de irrisórias condições dentro da embaixada, estabelecidas em um documento” escrevem Assange e Garzón. “O refúgio de Assange na embaixada de parece cada vez mais com um confinamento numa solitária” diz a conselheira legal da organização Human Rights Watch, Dinah Pokempner, citada na demanda.

Além do isolamento total, Assange também sofre com a perda da sua privacidade, diz o escrito judicial: “o governo do Equador teria contratado serviços especializados de segurança para espionar o Sr. Assange, e essa empresa, segundo os meios internacionais, estaria reportando informações a diversas autoridades norte-americanas, concretamente ao FBI”.

Tudo isso coloca em grave perigo a saúde física e mental do asilado, segundo o documento judicial: “também deve ser destacado o dano irreparável que poderia sofrer o estado de saúde do Sr. Assange, se a situação continua neste impasse devido à delicada situação física e psicológica na que permanece há anos, e que se vê agravada após as últimas medidas de isolamento absoluto tomadas pelo governo equatoriano”.

Além das medidas cautelares dirigidas aos Estados Unidos, os demandantes pedem concretamente à CIDH um requerimento para que o governo equatoriano derrogue o protocolo, e que deixe de espionar Assange, ou que não proceda com “a entrega do Sr. Assange a qualquer país que não lhe dê garantias de não extradição (“nonrefoulement”) aos Estados Unidos”.

O Página/12 tentou se comunicar com o secretário-geral de comunicação da Presidência do Equador, Andrés Michelena, para conhecer a postura do seu governo. Até a manhã desta terça-feira (26/2), não houve respostas às mensagens gravados na caixa de mensagens do seu celular. Também se tentou conhecer a postura do governo estadunidense, canalizando um pedido de comentário da Casa Branca e do Departamento de Estado através da embaixada, e se aguardou uma resposta até o fechamento desta edição. Além disso, o jornal contatou pessoas ligadas ao WikiLeaks para conhecer sua reação sobre a publicação da demanda, mas tampouco obteve uma declaração. Fontes próximas ao caso asseguram que uma resolução da CIDH sobre o caso Assange se conhecerá nos próximos dias.


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