04/05/2024 - Edição 540

Especial

UM SOL PARA CADA UM

2023 é o ano mais quente no registro histórico: e há quem negue a crise climática

Publicado em 17/11/2023 11:35 - Leonardo Sakamoto, Jamil Chade e Josias de Souza (UOL), Agência Brasil – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Depois de cinco meses de recordes sucessivos de temperatura, a Organização Meteorológica Mundial aponta que “quase certamente” o ano de 2023 será o mais quente desde que os registros começaram a ser coletados.

Num documento que circulou entre missões diplomáticas e cientistas, a agência ligada às Nações Unidas apontou que o anúncio oficial será realizado no final de novembro. Nada indica que a tendência já registrada em quase metade do ano perca força.

“O recorde mensal de temperatura global foi mais uma vez quebrado em outubro, dando continuidade a uma longa série de temperaturas extraordinárias na superfície terrestre e oceânica e baixo nível de gelo marinho”, afirmou a agência. “Outubro foi o quinto mês consecutivo de temperaturas globais recordes”, disse.

O anúncio oficial está marcado para ocorrer no dia de abertura da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP28 — em 30 de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Até agora, os três anos mais quentes já registrados foram os de 2016, 2019 e 2020. No início de 2023, a entidade já havia alertado que os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados em todo o mundo, impulsionados pelo aumento constante das concentrações de gases de efeito estufa e pelo calor acumulado.

A temperatura média global em 2022 foi cerca de 1,15 °C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). O ano passado foi o oitavo ano consecutivo (2015-2022) em que as temperaturas globais anuais atingiram pelo menos 1°C acima dos níveis pré-industriais.

Além da questão da temperatura, a agência indicou que “outubro marcou o sexto mês consecutivo em que a extensão do gelo marinho da Antártida permaneceu em níveis baixos recordes para a época do ano, com um valor mensal 11% abaixo da média”.

De acordo com o informe, a extensão média para outubro foi de 16,6 milhões de km² — 2 milhões de km² (ou 11%) abaixo da média de 1991-2020 para o mês de outubro.

“Essa foi a menor extensão para outubro por uma grande margem dentro do conjunto de dados de satélite de 45 anos, bem abaixo da menor extensão anterior de 5% abaixo da média registrada em outubro de 1986”, afirmou.

Já a extensão do gelo marinho no Ártico atingiu seu sétimo valor mais baixo em outubro, 12% abaixo da média.

Calor levará Brasil a cuidar do clima ou só a desejar um ar-condicionado?

A histórica onda de calor pela qual estamos passando vai mobilizar a sociedade por ações a fim de preparar o Brasil para as mudanças climáticas ou esbarrará no individualismo e no conformismo, que aposta que a resposta mais lógica é comprar um ar-condicionado mais potente?

Estamos vivendo cenários catastróficos em que desgraças climáticas farão parte do cotidiano. A onda de calor em boa parte do país é uma delas, o ciclone que atingiu uma São Paulo maltratada pela Enel e pelo poder público é outra.

Mas também estão na lista as nuvens de fuligem provenientes de queimadas que anoiteceram os céus de capitais, as tempestades de areia que varreram cidades do interior, as secas históricas na Amazônia e as cheias não menos históricas no Sul, os deslizamentos de terra que matam mais a cada ano.

Para tentar confundir a população, campanhas de negacionistas querem fazer crer que dias de frio intenso são a prova de que o aquecimento global não existe. Sim, argumento raso como um pires, mas há sempre um chinelo velho para um pé cansado.

A alta na média da temperatura do planeta aumenta a frequência de eventos extremos, sejam eles relacionados a clima quente ou frio. Mas situações como a que vivemos hoje, no qual parece que o termostato do planeta foi ajustado para a posição “Gratinar os Irresponsáveis”, são mais didáticas por irem no sentido do senso comum.

O problema é, diante de uma situação desafiadora que demanda um esforço coletivo para reduzir o impacto da mudança do clima, que já chegou, muitos preferem fazer piada com a ativista sueca Greta Thunberg, chamar ambientalista de “abraçadores de árvores” e normalizar a situação.

Após a fumaça tóxica dos incêndios florestais no Canadá deixarem o céu de Nova York em um tom de laranja apocalíptico e reduzirem a qualidade do ar às piores leituras em décadas, neste ano, jovens divertiram-se usando um fone de ouvido com um purificador de ar acoplado que custava 949 dólares.

Outros fizeram tutoriais nas redes sociais de como usar o filtro correto para compensar o laranja em fotos no Instagram. Uma sociedade que pensa no coletivo teria é ocupado as ruas até que políticos apresentassem propostas efetivas de curto prazo para uma sociedade de baixo carbono – o que inclui a mudança na matriz de empregos oferecidos.

Também há aqueles que, diante da percepção de que uma mudança individual não altera o curso do clima, o que dependeria de uma guinada no comportamento de boa parte da população (principalmente dos países desenvolvidos e em desenvolvimento), abraçam o “não adianta fazer nada”. Políticas puxadas pelos Estados nacionais, a fim de organizar e alinhar os esforços da sociedade, pode reverter o conformismo imobilizante.

Claro que comprar um ventilador ou um ar-condicionado no meio desta onda de calor é importante para proteger a própria saúde, principalmente se você é hipertenso ou cardíaco. A questão é se as ações que tomaremos, como indivíduos e como sociedade, vão se reduzir a uma compra on-line ou iremos além.

O que inclui rediscutir a alta demanda por madeira amazônica (que não vira apenas mesa em casa de europeu, mas abastece a construção civil brasileira, por exemplo), por carne bovina (que tem sido um dos maiores vetores de desmatamento) e a grilagem de terras (abençoada por membros do Congresso Nacional), mas também a construção de barragens de hidrelétricas na Amazônia e os grandes projetos de mineração e de exploração de petróleo.

Isso sem contar o mais básico do básico: rever nossos hábitos de consumo, incluindo cortar as emissões de carbono da nossa vida nas grandes cidades.

Vamos aprender com esse calorão ou ajoelhar perante o ar-condicionado, acreditando que, à beira do abismo, ele vai nos salvar?

Calor ficará pior se agropecuária não mudar e consumismo continuar sagrado

O “Relógio do Juízo Final”, um medidor simbólico mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, nos Estados Unidos, criado por Albert Einstein e seus colegas em 1947, mostra o quão perto estamos de destruir nossa civilização por tecnologias que criamos. Inicialmente, ele retratava o risco de armas nucleares, mas, recentemente, passou também a considerar mudanças climáticas.

Quanto mais próximo da meia-noite, mais perto estamos do fim. Na pior situação do relógio durante a Guerra Fria, chegamos a 2 minutos da meia-noite (em 1953, com sucessivos testes nucleares do EUA e da União Soviética) e, na melhor, a 17 minutos (com a redução do arsenal nuclear ao fim do conflito entre as duas superpotências).

Desde então, o reloginho foi se aproximando do fim dos tempos e, neste ano, foi ajustado para 90 segundos para a meia-noite. Entre os motivos principais, ameaças trazidas pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia (olha que nem deu tempo ainda de considerar o conflito entre Israel e o Hamas) e, claro, o aquecimento do planeta, consequência do despejo de carbono na atmosfera.

“Os eventos extremos não só continuaram a assolar diversas partes do globo, como também foram mais evidentemente atribuíveis às alterações climáticas”, diz a declaração dos cientistas que cuidam do “Relógio do Juízo Final”.

“Os países da África Ocidental sofreram inundações que estiveram entre as mais letais das suas histórias, devido a um evento de precipitação que foi avaliado como sendo 80 vezes mais provável devido às alterações climáticas. As temperaturas extremas na Europa Central, na América do Norte, na China e noutras regiões do Hemisfério Norte, conduziram à escassez de água e a condições de seca do solo que, por sua vez, levaram a colheitas fracas, minando ainda mais a segurança alimentar.”

Novamente, isso ainda não considera a pior seca registrada na floresta amazônica, tampouco as inundações recordes no Sul do Brasil e as ondas de calor no Hemisfério Sul, com o El Niño bombado pelo novo normal do clima.

O Boletim dos Cientistas Atômicos lembra que os países não conseguiram adotar uma decisão formal para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Pior: não fizeram essencialmente nada para garantir que os compromissos anteriores a fim de alcançar zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa fossem cumpridos.

De um lado, o Brasil contribui para fazer sua lição de casa, com a redução no desmatamento da Amazônia – o governo Lula conseguiu baixar em 22,3% o desmatamento na Amazônia em um ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas o uso do fogo, protagonista da gestão Bolsonaro, não foi freado a contento. E, com isso, cidades como Manaus estão sob neblina espessa.

Do outro, setores do Estado e da sociedade justificam que o Brasil tem o direito de explorar petróleo na costa do Amapá e pressiona o Ibama e a ministra Marina Silva para liberar as autorizações de prospecção mesmo sem um plano decente de salvaguardas. Tipo, precisamos frear a velocidade da mudança do clima, mas deixemos para começar amanhã.

Nossa sociedade não evoluiu pensando em um plano B e agora que ajustamos o termostato do planeta para a posição “Gratinar os Consumistas Lentamente” ficamos nos debatendo, com discursos mequetrefes, de que a economia não pode pagar pelas necessárias mudanças no modelo de desenvolvimento pela qual passa a solução.

Não é à toa que uma das mais estranhas e, ao mesmo tempo, brilhantes alianças táticas no parlamento brasileiro seja entre a bancada do fundamentalismo religioso e a bancada ruralista. De um lado, os fundamentalistas religiosos ajudam a garantir a manutenção de um desenvolvimento a qualquer preço, passando por cima do meio ambiente, como se não houvesse amanhã. Do outro, os fazendeiros contribuem para que os direitos sejam rasgados diante de uma visão distorcida de religião, garantindo que não faça muito sentido existir um amanhã. Um faz o jogo do outro.

O pacto é perfeito. Pois só restará lamentar. Ou rezar. Até porque, do ponto de vista do meio ambiente ou da dignidade humana, antecipam todos o Dia do Juízo Final.

O impacto da agropecuária e do extrativismo em nossa conta de emissões de carbono é central, principalmente ao considerarmos que desmatamento e queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal ocorrem para dar lugar a novas áreas de produção. Mudar o modelo de desenvolvimento inclui também alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Centro-Sul Maravilha devoramos esses biomas em nome do nosso conforto.

Mas como combater a zorra fundiária, mãe da destruição ambiental, com a tremenda força política de um naco anacrônico do agronegócio? E como reduzir o impacto do consumismo burro se a solução abraçada para o crescimento econômico por sucessivos governos continua sendo o de estimular a compra de veículos a combustão e quinquilharias de plástico?

Dizem que é quando um povo caminha à beira do abismo que consegue mudar o próprio futuro. Pois bem, não estamos mais observando o penhasco, estamos em queda livre, como pode ser visto pela atual onda de calor, que vai se repetir com frequência e piorar. Resta saber se teremos coragem de puxar a cordinha do paraquedas.

Em tempo: não acreditem em quem diz que as mudanças climáticas são democráticas dentro de um mesmo país. Ou seja, os pobres se fodem, os ricos sempre dão um jeito.

Desmatamento da Amazônia ampliou risco de calor no Brasil, diz chefe da ONU

O desmatamento na Amazônia tem um impacto direto na seca e no calor que a região enfrenta. O alerta é de Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, uma agência da ONU.

“Está bastante claro que o desmatamento na Amazônia gerou uma seca na região e, claro, com seca, há maior risco de maiores temperaturas”, disse Taalas, em declarações na quarta-feira.

Ele apresentou seu informe anual sobre as emissões de gases de efeito estufa, indicando um novo recorde de concentração. Os dados servem como um alerta para os governos que, no final do mês, se reúnem para a COP28, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

Taalas explicou que a “evaporação que ocorre normalmente numa floresta tropical ameniza essas temperaturas”. Com a derrubada de árvores, o impacto muda.

Questionado se esse desmatamento e a seca poderiam afetar as temperaturas no Brasil, ele foi taxativo: “Claro”.

“Temos exemplos da história. A região da costa do mar Mediterrâneo era florestada. Veja a bandeira do Líbano, que tem até uma árvore. Hoje, é a região que mais sofre uma elevação de temperaturas, depois do Ártico. Se ela tivesse uma floresta, isso poderia reduzir impacto”, disse.

De acordo com o governo brasileiro, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu em 22% em um ano. Mas, para Taalas, o impacto do que foi registrado nos anos de Jair Bolsonaro pode levar anos para ser recuperado.

Na avaliação da entidade, a situação da Amazônia preocupa, principalmente diante dos primeiros sinais de que a região esteja deixando de ser um local de captação de gases para ser um emissor. “É um ponto de inflexão que estamos preocupados”, disse.

Antes da conversa com o UOL, a agência disse numa coletiva de imprensa na ONU que o desmatamento na América Latina já é a “fonte dominante” de emissões. “A região viveu aumento de emissões por conta do desmatamento”, disse.

Segundo ele, o impacto tem sido visto nas temperaturas e no clima da própria região. “Esse é um dos maiores problemas que temos nas florestas do mundo hoje”, disse.

Taalas defende que um sistema de monitoramento seja estabelecido, justamente para entender o impacto da ação humana e da exploração da região, inclusive pela pecuária.

“O sistema climático pode estar próximo dos chamados “pontos de inflexão”, em que um determinado nível de mudança leva a uma cascata de mudanças acelerada e potencialmente irreversível”, disse o informe. “Os exemplos incluem a possível extinção rápida da floresta amazônica”, destacou a agência, ao lado de casos como a desaceleração da circulação oceânica do norte ou a desestabilização de grandes camadas de gelo.

Clima segue a mesma lógica do enchimento dos balões de festa

O ser humano complica coisas que são simples. Nada é mais simples do que a lógica do enchimento de balões de festa. Qualquer criança sabe que o segredo está em descobrir o ponto exato que antecede o momento da ruptura dos balões, o instante em que um sopro a mais fará o balão explodir.

De acordo com a Organização Mundial de Meteorologia, vinculada à ONU, 2023 deve ser o ano mais quente da história. A queima de combustíveis fósseis e o desmatamento subverteram a atmosfera do planeta.

O brasileiro já ralou ondas de calor, chuvas fortes e vendavais intensos. Mas o que se vê em 2023 é algo diferente. Um típico momento-balão-de-festa-infantil. No Sul, enchentes inéditas. No Norte, uma seca que evaporou os rios da Amazônia. Em São Paulo, a fúria de ventos que sopraram a mais de 100 quilômetros por hora. Temperaturas 5 graus acima do habitual por quase uma semana em mais de 1.400 municipios espalhados pelo país. É a oitava onda de calor do ano.

Firmado em 2015, o acordo de Paris previa que todos os países se esforçariam para evitar que o planeta chegasse aos 2 graus de aquecimento até o fim do século. Mas a humanidade continuou se comportando como se soprasse balões de festa.

Mantida a emissão de gases de efeito estufa no nível atual, a temperatura média do planeta ultrapassará a marca de 1,5 grau antes do final da década. Em duas décadas, chega-se fácil aos temidos 2 graus.

Na lógica dos balões, quem sopra aleatoriamente só descobre o ponto exato que antecede o estouro quando não adianta mais nada. Começa em 30 de novembro, em Dubai, a próxima conferência do clima, a COP28. Nela, será feito o primeiro balanço das metas do Acordo de Paris.

Cada chefe de Estado deveria incluir na sua comitiva uma criança de cinco anos. Antes de cada discurso, esse assessor mirim alertará: “Não respire. Um hálito a mais e o balão do planeta arrebenta!”

Sem água e abrigo, pessoas em situação de rua enfrentam desafios extremos

Para a população em situação de rua, o cenário se soma aos desafios diários de sobrevivência. Sem acesso a hidratação e abrigo esse grupo está sujeito às piores consequências das condições térmicas extremas, que podem levar, inclusive, à morte.

Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Brasil tem hoje mais de 230 mil cidadãos e cidadãs sem moradia, vivendo nas ruas. A região Sudeste, que está na lista dos alertas meteorológicos para os próximos dias, concentra 62% dessas pessoas, um total de 138 mil.

No Centro-Oeste, que também enfrenta temperaturas altíssimas, o número de pessoas em situação de rua é bem menor, soma 14,8 mil. Ainda assim, os estados da região presenciaram um aumento expressivo desses grupos nos últimos anos. Entre 2016 e 2023 o número de pessoas que vivem nessa condição escalou quase cinco vezes.

Em algumas cidades de São Paulo, incluindo a capital, o governo montou estruturas com água, ambulâncias e acolhida desde que que começaram os eventos climáticos de calor extremo em setembro. No entanto, não há registros de ação em outras unidades da federação e mesmo no estado paulista, as políticas não são suficientes.

O padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, afirma que o acesso à água potável, um dos bens mais escassos para as famílias que moram nas ruas do Brasil, é essencial, mas não é a única medida a ser aplicada.

“As mudanças climáticas e o calor excessivo castigam de maneira muito forte a população em situação de rua. Por isso, solicitamos e a prefeitura instalou as tendas de altas temperaturas, onde nós pedimos que sejam colocados água, frutas e kit de proteção, como o boné. Mas o número de tendas não é suficiente, precisaríamos ter mais, principalmente em áreas que ficam sem nenhuma estrutura de proteção.”


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