18/05/2024 - Edição 540

Especial

TROGLODITAS BOLSONARISTAS

Ameaças contra a vida de Lula reforçam o Pacote da Democracia

Publicado em 04/08/2023 10:06 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Layane Henrique (Politize), Elisa Calmon (Estadão) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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No fundo de todo poço, há sempre um alçapão. Postagens nas redes sociais e aplicativos de mensagens bolsonaristas estão criticando ações da Polícia Federal contra suspeitos de planejar ou incentivar atentados contra a vida de Lula, que visita Santarém a partir de hoje. É o fim dos tempos.

Ou seja, a crítica não é contra o fazendeiro Alisson Strapasson, que já havia invadido a Câmara dos Deputados nos atos golpistas de 8 de janeiro, ter prometido atirar na barriga de Lula, pesquisando até o hotel em o petista se hospedará. Muito menos contra um vigilante de Santarém que estaria distribuindo imagens com ameaças contra a vida Lula.

As reclamações da extrema direita são por conta da prisão do primeiro, pela PF, nesta quinta (3), e por uma ação de busca e a apreensão, com instalação de tornozeleira eletrônica, no segundo, nesta sexta.

Bolsonaristas deveriam entender a gravidade disso, e não passar pano para os envolvidos com base em uma deturpada interpretação da “liberdade de expressão”, por conta do abominável atentado sofrido por seu líder em 6 de setembro de 2018, quando era candidato à Presidência da República.

Pois esse tipo de ameaça não é mero exercício de retórica. Um ônibus da caravana que Lula realizava na região Sul do Brasil, em março de 2018, foi atingido por tiros no interior do Paraná. Por sorte, ninguém ficou ferido. Também foi encontrado material para furar pneus e forçar os ônibus a pararem.

Da mesma forma não foi mero exercício de retórica os discursos de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, acusando-o de fraude, e fermentando o caldo que levou seus seguidores a trancarem rodovias em todo o país pedindo para as Forças Armadas prenderem Lula, incendiarem carros em Brasília no dia 12 de dezembro, data da diplomação do petista, plantarem uma bomba para tentar explodir o aeroporto da capital federal na véspera de Natal e invadirem as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro.

Em um país que executa Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada de nossa segunda maior cidade, voz de várias minorias historicamente sub-representadas, as regras de civilidade política já foram subvertidas há muito tempo. A verdade é que nem foram implantadas de fato para uma camada da população. E os corpos que tombam regularmente na região amazônica e no Cerrado provam que enterrar figuras públicas é uma de nossas mais amadas tradições.

Em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, seria reconhecido entre seus pares por isso.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-lo em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Mas explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o “mal” se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência.

É assustador saber que alguém visto como “normal” e “comum” pode ser capaz, nos contextos histórico, político e institucional apropriados, tornar-se o que convencionamos chamar de monstro. Ou seja, os monstros são nossos vizinhos – aquela que empina pipa com sua filha, aquele que faz um ótimo churrasco, aquele que adora cuidar de roseiras.

Como sempre digo aqui neste espaço, líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal.

Ou, melhor dizendo, “necessário”. Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão divina.

Na prática, os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológicos são a corja da sociedade e agem para corromper os valores morais, tornar a vida dos “cidadãos pagadores de impostos”, um inferno, e a cidade, um lixo. E, por isso, precisam ser mortos.

Nas redes sociais, comentaristas reais e perfis falsos defendem os que planejam contra a vida de Lula. Não conseguem se ver como pessoas balbuciando seu ódio e sua incapacidade de compreender e aceitar a existência da diferença e do outro. Pelo contrário, enxergam os agressores como “soldados” que estão fazendo o bem pelo país.

Os dois casos acabam por justificar a proposta do governo federal de um projeto de lei organizado pelo Ministério da Justiça que estabelece penas de 20 a 40 anos a quem atente contra a vida de autoridades que fazem parte da cúpula da República.

O fato de que os alguns dos que chamaram o pacote de exagero e “Estado de exceção” serem os mesmos que estão, agora, defendendo os que incitaram ataques contra o presidente da República justifica o Pacote da Democracia.

Não importa quem começou. Isso é de responsabilidade de todos, agora, e todos devem dar um basta a isso. A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre vida e morte. Antes que seja tarde demais. Porque, dependendo do que aconteça, não são apenas mortos e saudades que deixaremos pelo caminho. Mas o futuro do país.

Uma coisa é protestar contra governos e políticos. Outra coisa é tentar assassiná-los ou incentivar ataques. É a diferença entre a civilização e a barbárie.

Ameaça de matar Lula mostra bolsonarismo troglodita vivo

A vitória de Lula em 2022 pela pequena margem de 1,8% dos votos mostrou que parte do conservadorismo civilizado abandonou Bolsonaro. O 8 de janeiro mostrou que a direita encolheu, mas o golpismo não desapareceu. Ameaças de assassinar Lula são erupções de ódio que realçam a percepção de que o pedaço troglodita da direita, mesmo asfixiado por inquéritos criminais, respira insensatez.

Menos de 24 horas depois de prender um fazendeiro do Pará que revelou em público a intenção de dar um tiro em Lula, a Polícia Federal realiza nesta sexta-feira batida de busca e apreensão contra um vigilante profissional suspeito de borrifar nas redes sociais imagens que estimulam ataques ao presidente da República.

Nesses episódios, a prevenção é sempre melhor do que a lamentação depois do desastre. O problema já não é a resistência do ódio de voltar para o armário. A questão é que a irracionalidade renitente dá mostras de que não recuperará a sobriedade sem um estágio na cadeia.

Ironicamente, o ódio do bolsonarismo arcaico pulsa num instante em que um Bolsonaro inelegível evolui do arcaísmo ideológico para a modernidade da pixcaretagem. O capitão adoçou o seu ocaso político com uma coleta de mais de R$ 17 milhões.

Bolsonaro tirou a direita do armário em 2018, mobilizou-a por quatro anos, conduziu-a à derrota em 2022 e, agora, tira proveito financeiro dela. Costuma-se medir o grau de insanidade de uma pessoa pela sua disposição de rasgar dinheiro. Quem se anima a financiar o ócio não se constrangerá em prolongar o ciclo de ódio inspirado pelo mito.

Afinal, o que propõe o pacote da democracia

O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem como responsabilidade garantir a segurança pública e o cumprimento da Constituição. Dessa forma, após a invasão ao Congresso Nacional, a pasta observou a necessidade de adotar medidas a fim de evitar que novos atos de terrorismo voltem a acontecer, por isso, o ministro Flávio Dino propôs o pacote da democracia.

Para que você entenda o que está incluído dentro deste pacote, listamos todas as propostas do plano.

O que é o pacote da democracia

Em janeiro de 2023, o ministro da Justiça, Flávio Dino, entregou ao presidente Lula (PT) uma Proposta de Emenda à Constituição, uma proposta de Medida Provisória e dois anteprojetos do “Pacote da Democracia”.

O projeto tem como objetivo ampliar a segurança do governo e dos prédios públicos de Brasília, principalmente após os atos ocorridos no dia 8 de janeiro. Ainda em discussão, o ministro diz que pretende debater a proposta junto ao governo, assim como, consultar a Casa Civil e a Advocacia Geral da União. Após essas conversas, é possível que surjam, ainda, novas ideias.

O pacote está em seus planos iniciais, com detalhes e possibilidades de abordagem e aplicação ainda sendo debatidos. Caso seja aprovado pelo presidente Lula, o pacote da democracia segue para apreciação do Congresso.

Dino afirmou que seu conjunto de propostas surge em defesa do Estado Democrático de Direito, a fim de fortalecer a legislação sobre crimes que possam ameaçar a democracia e suas instituições, fortalecendo a segurança do governo.

Na busca para preservar as instituições democráticas de possíveis novos ataques, Flávio Dino apresentou as seguintes propostas:

– Criação de uma Guarda Nacional: essa proposta irá federalizar a segurança na região central de Brasília, com isso, a ideia é evitar que haja omissões policiais;

– Aumento de penas para quem atentar contra a ordem democrática: a ideia é aumentar as punições já existentes no Código Penal, incluindo também a responsabilização para empresas envolvidas. Atualmente, o Código Penal prevê pena de quatro a oito anos de prisão;

– Regras para as redes sociais: definição de novas regras para filtrar e definir conteúdos antidemocráticos, resultando na exclusão imediata da publicação para que as informações não sejam disseminadas — antes mesmo de oficializar uma decisão judicial. Caso haja descumprimento da lei, multas deverão ser aplicadas.

A proposta, ainda que esteja em seus passos iniciais, já tem causado debates entre aqueles que defendem o projeto e aqueles que divergem das ideias apresentadas.

Posicionamentos a favor do pacote

Entre os que defendem o texto, destacam-se os apontamentos de necessidade de regulação dos conteúdos compartilhados na internet e fortalecimento do esquema de segurança nacional.

Em entrevista ao canal UOL, o colunista Leonardo Sakamoto diz que existe a necessidade do Brasil avançar na regulação, semelhante ao que existe na Europa, que responsabilize as plataformas pelos conteúdos que são publicados e compartilhados por um grande número de usuários.

Após a invasão ao Congresso Nacional, a necessidade de alterar processos de segurança entrou em pauta, Leonardo Sakamoto aponta que as forças de segurança estariam “visivelmente alinhadas ideologicamente à uma figura política” o que poderia ameaçar, futuramente, as instituições democráticas assim como ocorreu ao iniciar o ano de 2023.

O colunista diz, ainda, que os algoritmos tendem a privilegiar conteúdos com teor de combate e agressão e que as plataformas são construídas para que o usuário as utilize por bastante tempo, então o alcance dessas publicações podem resultar em atos como os do dia 8 de janeiro.

Posicionamentos contrários ao pacote

Entre aqueles que são contrários à proposta, muito se aponta o caráter de censura e centralização de poder da proposta.

A Frente Parlamentar Digital, grupo político suprapartidário de deputados e senadores, criticou o Pacote pela Democracia, pois avalia que a ideia de responsabilizar as empresas responsáveis pelas redes sociais pelos conteúdos considerados antidemocráticos tende a “centralizar o poder das autoridades e criar uma escalada de silêncio na população”.

O grupo político discorda da responsabilização legal dessas plataformas e diz que seria necessário uma fiscalização maior da parte delas já que teria que ser feito monitoramento, julgamento e remoção de conteúdos que venham a ser considerados antidemocráticos.

Além disso, Felipe Melo França, diretor do Instituto Cidadania Digital e secretário-executivo da Frente Parlamentar Digital, afirma, em entrevista à Metrópoles, que a proposta pode resultar em um “silenciamento da sociedade”. Isso porque, segundo ele, a gerência dos conteúdos estariam no domínio das autoridades, limitando, então, a liberdade de expressão e a pluralidade de falas na internet.

Quem também se posicionou contra o Pacote foi o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil – SP), também membro da Frente Digital. O deputado afirma que essa medida pode ser um “tiro no pé da democracia” e defende que:

“Protestos como os de 2013 e 2016 [impeachment de Dilma] jamais aconteceriam com uma lei destas. A história mostra que todas as formas centralizadas de controle do discurso levam a uma escalada do silenciamento, seja pelo ‘Ministério da Verdade’, proposto pela AGU, seja pela terceirização da justiça, delegando às redes sociais a obrigação de fiscalizar, proposto pelo MJ”

Em resposta, Flávio Dino nega qualquer possibilidade de censura na lei, diz que:

“Dizer que isso seria censura equivaleria a dizer que aquele hipotético shopping center que deixou de abrir um quiosque também estaria praticando censura ou que seria possível alguém na Esplanada, em frente ao MJ, colocar uma banda para ensinar alguém a como praticar um golpe de Estado”

Quanto à liberdade de expressão, o ministro garante que o projeto guardará o direito do usuário da rede social de apresentar críticas e opiniões e que a lei só deverá ser aplicada quando houver uma violação evidente.

Dino diz que manterá linha de atuação do ‘Pacote da Democracia’, apesar de respeitar críticas

Flávio Dino se pronunciou no último dia 22 sobre o “Pacote”. Por meio das redes sociais, afirmou que apesar de respeitar as críticas, manterá a mesma linha de atuação.

Para Dino, em nome do princípio da proporcionalidade, os autores de crimes contra a ordem democrática devem ser punidos com firmeza. “Sustento projetos de lei, decisões judiciais ou investigações da Polícia Federal que sejam coerentes com essa atitude de combate ao perigosíssimo nazifascismo do século 21″, complementou.

O ministro da Justiça afirmou ainda que “busca não pecar por omissão” ao afirmar que “quem minimizou os riscos antidemocráticos, há 100 anos atrás na Alemanha ou na Itália, alimentou um monstro”.

O pacote tem como objetivo atualizar os trechos no Código Penal que tratam dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, para criar “causas de aumento” ao crime de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena prevista atualmente para esse crime é de 4 a 8 anos de prisão, além das penas previstas nos tipos de violência envolvidos (lesão corporal, tentativa de homicídio, etc).

Pela proposta de Lula e Dino, pode ser ampliada a punição para uma pena de 20 a 40 anos de prisão, quando esse “emprego de violência ou grave ameaça” for cometido contra presidente da República, vice-presidente, chefe do Senado ou da Câmara dos Deputados, procurador-geral da República ou ministros do STF, para “alterar a ordem constitucional democrática”.

Se aprovado no Congresso esse aumento de pena, ameaças às vidas das cúpulas federais do Judiciário, do Legislativo e do Executivo serão os crimes mais graves de toda a legislação brasileira, de acordo com juristas.


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