04/05/2024 - Edição 540

Especial

NÚMEROS QUE ENVERGONHAM

Com mais de 220 mil pessoas vivendo nas ruas do país, há quem insista tratar estas pessoas como ‘lixo humano’

Publicado em 05/01/2024 9:58 - Alexandre Schossler (DW), RBA, Clara Assunção (RBA), Daniel Mello e Elaine Patricia Cruz (Agência Brasil) - Edição Semana On

Divulgação Agência Brasil

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Uma em cada quatro pessoas em situação de rua no Brasil vive na cidade de São Paulo. Isso é o que aponta o Observatório Nacional dos Direitos Humanos, plataforma do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Segundo o observatório, a cidade de São Paulo tinha, em julho de 2023, um total de 54.812 pessoas vivendo em situação de rua. Na realidade, esse número pode ser ainda maior, pois o dado levou em consideração apenas as pessoas inscritas no Cadastro Único. A cidade do Rio de Janeiro aparece na sequência, com um total de 14.004 pessoas cadastradas, representando 6,3% do total da população em situação de rua do país. Em terceiro lugar está a cidade de Belo Horizonte, somando 11.796 pessoas (5,3% do total do país).

O levantamento revela que o número de pessoas sem residência formal no Brasil e que estão inscritas no Cadastro Único praticamente dobrou em cinco anos, passando de 116.799 em 2018 para 221.113 em julho do ano passado. Também quase dobrou o número de municípios com pessoas vivendo em situação de rua, passando de 1.215 em 2015 para 2.354 no ano passado. Isso significa que, em 2023, quase 42% dos municípios brasileiros tinham pessoas vivendo nessa condição.

Para o presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua, Robson Mendonça, esses números são ainda maiores. “Há 69 mil pessoas vivendo em situação de rua na cidade de São Paulo”, disse ele, em entrevista à Agência Brasil. E, segundo ele, esse número tem crescido muito nos últimos anos por falta de políticas públicas. “Há carência de abrigos. E as pessoas estão perdendo empregos e a situação aquisitiva tem diminuído bastante. São vários fatores que fazem com que aumente o número de pessoas [nas ruas] no dia a dia”, acrescentou.

Além de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, sete cidades brasileiras concentravam, juntas, 51,5% do total dessa população em 2023. São elas: Salvador, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Campinas e Florianópolis.

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura de São Paulo informou que a capital paulista possui “a maior rede socioassistencial da América Latina, com cerca de 24 mil vagas de acolhimento para pessoas em situação de rua”. Essas vagas são distribuídas em centros de acolhida, hotéis sociais, repúblicas para adultos e Vilas Reencontro, entre outros. “O encaminhamento para os serviços de acolhimento da rede socioassistencial é feito de acordo com o perfil do indivíduo e com a tipologia do serviço, respeitando o histórico da pessoa ou família a ser acolhida”, informou a administração municipal.

Perfil

Em 2023, o perfil da população em situação de rua no país era majoritariamente masculino (88%) e em idade adulta (57% tinham entre 30 e 49 anos). A maior parte (68% do total) também era formada por pessoas negras (somando 50% pardas e 18% pretas).

Entre os principais motivos apontados para a situação de rua estavam os problemas familiares (44%), seguido pelo desemprego (38%) e o alcoolismo e/ou uso de drogas (28%).

Já com relação ao tempo, a maior parte das pessoas cadastradas (60%) informou encontrar-se nessa situação há dois anos. Segundo os dados, 12% do total informaram viver nas ruas há mais de dez anos.

Como fonte de renda, as principais atividades indicadas foram a de catador de material reciclável (19%) e a de pedir dinheiro nas ruas (11%). Quanto ao local de nascimento, 38% nasceram no município atual, 57% em outro município e 5% em outro país (o que somou 10.069 pessoas).

Segundo Robson Mendonça, é preciso que se criem políticas públicas para que as pessoas possam viver com dignidade e sair dessa condição de rua. “Em primeiro lugar – e essa já é uma demanda antiga – é preciso resolver a questão da habitação. Em segundo, a questão da empregabilidade. Existe uma lei [da prefeitura de São Paulo] que diz que todo órgão público municipal, quando abrir uma licitação, deve contratar no mínimo 2% da população em situação de rua. E isso não é cumprido”, reclamou.

A lei municipal de São Paulo a que Mendonça se refere é a 17.252, de 2019, que determina a reserva de cota mínima de vagas de trabalho em serviços e obras públicas para pessoas em situação de rua e que foi regulamentada em 2023. Por essa lei, todo edital de contratação por prazo igual ou superior a 120 dias deverá estabelecer a exigência de disponibilizar no mínimo 2% das vagas para destinação a pessoas que estejam inseridas na rede de serviços e programas para pessoas em situação de rua da prefeitura.

Violência

Entre 2015 e 2022, foram feitas 48.608 notificações de violência no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, que tiveram como motivação principal a condição de situação de rua da vítima. Isso representa uma média de 17 notificações de violência por dia.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, os números, no entanto, devem ser ainda maiores porque essas notificações contabilizaram apenas as situações em que um agente público registrou a informação sobre a situação de rua da vítima no sistema.

A maior parte das vítimas dessa violência é formada por mulheres. Apesar de representarem apenas 13% do total de pessoas vivendo nas ruas, as mulheres foram vítimas de 40% dos casos de violência notificados em 2022. Entre os homens, as maiores vítimas de violência nas ruas são os jovens negros: 63% do total eram negros e a faixa etária com mais notificações de violência estava entre os 20 e 29 anos (26% do total de casos notificados).

Os principais autores da agressão (39% do total) eram pessoas desconhecidas das vítimas.

Arquidiocese se diz perplexa sobre CPI contra padre Julio Lacellotti

A Arquidiocese de São Paulo informou, por nota divulgada na quinta-feira (4), que “acompanha com perplexidade” a tentativa de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Padre Júlio Lancellotti.

Em dezembro, foi protocolado na Câmara Municipal de São Paulo um pedido de abertura de investigação das organizações não governamentais que atuam na região conhecida como Cracolândia, que concentra pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas na parte central da capital.

Apesar do coordenador da Pastoral do Povo de Rua não ser citado nominalmente no requerimento de abertura da CPI, o vereador que fez o pedido, Rubinho Nunes (União), fez diversas declarações, inclusive pelas redes sociais, em que afirma que Lancellotti é o principal alvo. Nunes também declarou que pretende dirigir a investigação contra o movimento A Craco Resiste.]

Ação em ano eleitoral

Em 2020, Nunes, então candidato a vereador, solicitou ao Ministério Público de São Paulo a abertura de um inquérito contra A Craco Resiste. Ele acusava a organização de favorecer o consumo de drogas. A investigação policial aberta, no entanto, acabou arquivada sem encontrar qualquer irregularidade.

Na nota, a Arquidiocese de São Paulo questiona a coincidência dessa nova movimentação de Nunes, que é um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), em um ano de eleições municipais.

“Perguntamo-nos por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral?”

No requerimento de abertura de CPI, o vereador afirma que a intenção é investigar ONGs que “fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos dependentes químicos que frequentam a região da Cracolândia”.

Nunes justifica ainda a necessidade de investigação das organizações da sociedade civil alegando que “algumas delas” “recebem financiamento público para realizar as suas atividades”.

O texto recebeu assinaturas de mais de um terço dos 55 vereadores do Legislativo paulistano. Porém, a CPI precisa ainda ser aprovada em plenário pela maioria da Câmara Municipal para ser efetivamente instalada.

Reação

Em reação ao pedido de Nunes, a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL) fez um requerimento pedindo a investigação do aumento da população em situação de rua na capital paulista e das políticas públicas de atendimento a essas pessoas.

“É importante lembrar também que este preocupante aumento no número da população em situação de rua na cidade de São Paulo se deu justamente na gestão do Prefeito Ricardo Nunes, que promoveu políticas hostis contra a população em situação de rua, como o recolhimento forçado de barracas e itens pessoais”, diz o pedido, que contextualiza que em cinco anos o número de pessoas que dormem nas calçadas da cidade passou de cerca de 24 mil para 53,4 mil.

O requerimento da CPI das Políticas para População de Rua ainda não tem o número mínimo de assinaturas para ser protocolado.

O padre Julio Lancellotti se posicionou, por meio de nota, que as CPIs são legítimas, mas informou que não pertence “a nenhuma organização da sociedade civil ou organização não governamental que utilize convênio com o Poder Público Municipal”.

“A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo que, por sua vez, não se encontra vinculada, de nenhuma forma, às atividades que constituem o requerimento aprovado para criação da CPI em questão.”

A Craco Resiste, por sua vez, informou que não é uma ONG. “Somos um projeto de militância para resistir contra a opressão junto com as pessoas desprotegidas socialmente da região da Cracolândia. Atuamos na frente da redução de danos, com os vínculos criados com as atividades culturais e de lazer. E denunciamos a política de truculência e insegurança promovida pela prefeitura e pelo governo do estado”, disse, em nota.

O movimento também chama a atenção para a necessidade de investigar os recursos públicos usados para a política de internações e de repressão policial na Cracolândia. “A aposta no modelo de internações, em que as pessoas são, na prática, submetidas a sucessivas privações de liberdade, é apenas uma maneira de transferir recursos públicos para entidades privadas sem resultados para a população. A maior parte das pessoas que frequentam a Cracolândia acumula passagens por clínicas e pelas chamadas ‘comunidades terapêuticas’”, diz o movimento, que classifica a tentativa de abertura da CPI como uma forma de tirar o foco de discussões mais relevantes.

Repercussão

Na rede social X, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, expressou solidariedade ao padre Julio.

“Todo meu apoio ao padre Júlio Lancelotti, que está sofrendo uma perseguição e a ameaça de uma CPI em São Paulo. Como ele disse: “Quando você está do lado dos indesejáveis, você é indesejável também”. Padre Júlio não está sozinho! Permanecemos do lado certo!”

Outra ministra que se posicionou em apoio ao padre foi a do Meio Ambiente, Marina Silva. Para ela, a proposta de abertura de CPI “revela uma inquietante distorção de prioridades e senso de Justiça”. Ao final da postagem, a ministra questiona:

Quando o compromisso social, o combate à pobreza e a dedicação aos menos favorecidos tornam-se alvos de ataques políticos, é momento de a sociedade pausar e refletir profundamente, onde estamos e para que tipo de abismo estamos indo?

Números que nos envergonham

O número de pessoas morando nas ruas das cidades brasileiras era de 227.087 em agosto de 2023, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), usando dados do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.

O número é mais do que dez vezes maior que o registrado em 2013, de 21.934, o que representa uma alta superior a 1000%. O número real deve ser ainda maior, pois nem todos os moradores de rua estão cadastrados na CadÚnico.

O Cadastro Único é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza. Essas informações são utilizadas pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios para implementação de políticas públicas para essas pessoas.

Das 96 milhões de pessoas presentes no CadÚnico em agosto de 2023, 227 mil estavam oficialmente registradas como em situação de rua. O Ipea alerta, porém, que esse número não pode ser considerado um censo oficial da população de rua.

Em dezembro de 2022, uma estimativa do próprio Ipea dizia que a população em situação de rua superava 281 mil pessoas no Brasil.

Rovena Rosa – Abr

O que explica o aumento?

Uma das explicações para o aumento é a própria existência do cadastro. “Doze anos atrás não havia ninguém cadastrado como população de rua no Cadastro Único porque nem existia lugar para marcar isso [no formulário]. O que cresceu é o número de pessoas em situação de rua cadastradas, e agora essas pessoas vão conseguir ter acesso aos programas sociais”, explicou o autor do levantamento, Marco Antônio Carvalho Natalino, ao jornal Folha de S. Paulo.

Além disso, entre os motivos para o aumento da quantidade de pessoas morando nas ruas, o estudo menciona que o Brasil vem enfrentando crises econômicas sucessivas há quase uma década e que “até mesmo a insegurança alimentar grave, a fome, voltou a ser um problema nos últimos anos”.

Outro motivo que explica o aumento é a pandemia de covid-19, que, segundo o Ipea, “agravou o quadro”, levando até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar para lembrar o poder público das suas obrigações perante a população em situação de rua.

Por que pessoas vão morar na rua?

Segundo o estudo, as principais causas que levam os brasileiros a morar nas ruas são os problemas com familiares e companheiros (47,3%), o desemprego (40,5%), o uso abusivo de álcool e outras drogas (30,4%) e a perda de moradia (26,1%). Pode haver mais de uma causa para cada pessoa, por isso a soma dos percentuais supera 100%.

O Ipea dividiu as causas para a situação de rua no Brasil em três grupos: o dos motivos econômicos, o das relações pessoais e o dos problemas de saúde.

O Ipea explicou que a exclusão econômica foi citada como causa por 54% das pessoas em situação de rua. Segundo o instituto, a pobreza, o desemprego e a falta de moradia adequada a preços acessíveis são os principais motivos na esfera econômica.

A insegurança alimentar e a falta de oportunidades de trabalho nas periferias e no interior levam as pessoas a sobreviverem nas ruas das grandes cidades como catadores de material reciclável, lavadores de carros, ambulantes e profissionais do sexo, entre outras ocupações, diz o levantamento.

Se forem considerados apenas os motivos de caráter pessoal, a liderança entre as causas é da fragilização ou ruptura de vínculos familiares, que foi mencionada por 47,3%.

O relatório lembra que é comum uma pessoa em dificuldades econômicas procurar morada na casa de parentes ou mesmo amigos. Quando esses vínculos são fragilizados, particularmente os vínculos familiares, a pessoa perde uma importante rede de proteção social. “Note-se, a esse respeito, que os efeitos da pandemia foram bastante negativos para os vínculos sociais em geral. Para a população mais pobre nas periferias, que muitas vezes mora em lugares pequenos, sem muito espaço de privacidade, o confinamento foi ainda mais perverso”, observa o relatório.

Por fim, os problemas de saúde – particularmente, mas não somente, os relacionados com a saúde mental – foram mencionados por 32,5%. Dentro da saúde mental, um elemento que tem que ser mencionado, segundo o relatório, é a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas, que 30,4% disseram ser uma causa para morar na rua.

Quem são as pessoas em situação de rua?

Os dados mostram que a maioria da população em situação de rua (68%) se declara negra, sendo 51% pardos e 18% pretos. Os autodeclarados brancos são 31,1%. O CadÚnico aponta ainda que 0,5% da população em situação de rua se declara amarela e 0,2%, indígena.

Na população brasileira como um todo os negros somam 55,9% do total, sendo 45% pardos e 11% pretos, e os brancos somam 43%, segundo o IBGE.

O número médio de anos de escolaridade entre os negros em situação de rua (6,7 anos) é menor que entre os brancos (7,4 anos). As mulheres são 11,6% da população adulta em situação de rua.

A maioria dos brasileiros em situação de rua não mora na cidade em que nasceu: são 60% de migrantes. Porém, a maioria permanece na unidade federativa em que nasceu: 70% não deixaram o seu estado natal ou o Distrito Federal.

Além da população nacional, há 10.586 estrangeiros morando nas ruas do Brasil, perfazendo 4,7% do total. Entre eles, 42% são oriundos de países vizinhos, sendo 30% da Venezuela. Os países onde se fala português, por sua vez, são a origem de um terço dos estrangeiros em situação de rua, sendo a grande maioria (32%) proveniente de Angola.

A Ásia responde por 15% da população em situação de rua estrangeira, incluindo 1.396 afegãos; outros países africanos, por 6%, incluindo 149 marroquinos; outros países latino-americanos e caribenhos, por 4%, incluindo 169 haitianos.

Quanto tempo elas costumam ficar nessa situação?

Os números do Cadastro Único mostram que um terço das pessoas em situação de rua estava nessa situação há menos de seis meses, e que quase a metade (47,9%) estava há no máximo um ano na rua.

Já 51.092 pessoas, ou 22,5% dos cadastrados, disseram estar em situação de rua há mais de cinco anos.

O Ipea afirma que há uma relação entre o tempo na rua e o motivo. Quanto maior o tempo de permanência na rua, maior a probabilidade de problemas com familiares e companheiros serem um dos principais motivos que levaram a pessoa à situação de rua. O mesmo ocorre, e de forma ainda mais intensa, com os motivos de saúde (particularmente o uso abusivo de álcool e outras drogas). As razões econômicas, por sua vez, tais como o desemprego, estão associadas a situações de rua de duração mais curta.

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Lula regulamenta Lei Padre Júlio Lancellotti

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou no último dia 11 de dezembro o decreto regulamentando a Lei 14.489, conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti. Aprovada em dezembro do ano passado pelo Congresso, que derrubou veto do então presidente Jair Bolsonaro (PL), a legislação proíbe o uso de arquitetura hostil, com emprego de materiais, estruturas, equipamentos e técnicas que afastem pessoas do uso de espaços públicos nas cidades brasileiras, principalmente aquelas em situação de rua.

A medida era uma reivindicação histórica de ativistas e movimentos em defesa dessa população e está prevista no plano de ações voltado às pessoas sem-teto, também divulgado hoje, após prazo de 120 dias dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Intitulado Plano Ruas Visíveis – Pelo direito ao futuro da população em situação de rua, o documento trata de medidas em assistência social e segurança alimentar; saúde; violência institucional; cidadania, educação e cultura; habitação; trabalho e renda e produção e gestão de dados.

“O dia de hoje é muito feliz porque estamos tratando das pessoas mais vulneráveis do país. Temos mais três anos de mandato para que possamos consolidar essa política publica”, afirmou Lula na cerimônia de lançamento do plano. Emocionado, o presidente observou que “não tem nada mais degradante do que a pessoa não ter onde dormir”. “Sabemos que o Estado, muitas vezes, não cuida dessas pessoas, que a sociedade não se importa e que, muitas vezes, passamos por elas e viramos o rosto para não enxergar essa que é a realidade do descaso político, econômico e social desse país. (…) Se essas pessoas existem a culpa não pode ser outra que não do Estado”, garantiu Lula.

Prioridade

O plano Ruas Visíveis também traz a promessa de investimentos de quase R$ 1 bilhão em ações para os sem-teto. De acordo com o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, esse é o mais completo conjunto sobre o tema desde a Política Nacional para a População em Situação de rua, criada em 2009 de forma participativa. Como na diretriz passada, o novo plano também envolveu a sociedade civil e outros poderes públicos, além de 11 ministérios. As pastas e os movimentos formados por pessoas em situação de rua, que acompanhavam o evento no Palácio do Planalto, foram cobradas pelo monitoramento das políticas públicas pelo chefe do Executivo.

O petista também chamou atenção para a importância da pauta na eleições municipais no próximo ano, que deve ser uma prioridade das políticas públicas. “É como se tivéssemos um pé de banana”, comparou Lula. “Isso precisa ser aguado e cuidado se a gente quiser colher o cacho de banana para comer. (…) Vão ter eleições no ano que vem. Importante saber se os candidatos estão preocupados com vocês. Isso aqui (plano) só vai dar certo se vocês não acharem que está resolvido, vocês têm que cobrar. São 11 ministros envolvidos com essa política. Vocês não podem deixar que o que fizemos hoje não seja cumprido. Esse R$ 1 bilhão que anunciamos tem que aparecer. Porque as vezes anunciamos ‘1 bilhão’ e esse bilhão demora para aparecer. É importante cobrar”, discursou Lula.

O governo vai criar um canal para envio de denúncias de violações contra essa população pelo Disque 100. Assim como prevê que, até dezembro de 2024, seja concluído o pacto com os municípios para a adequação ao decreto que regulamenta a Lei Padre Júlio Lancellotti. Para isso, serão destinados R$ 100 mil para a elaboração de uma cartilha sobre arquitetura hostil a engenheiros, arquitetos e urbanistas.

Inspiração para o projeto, o pároco celebrou a conquista como uma “marretada contra a arquitetura hostil”, mas cobrou a continuidade de articulação no governo federal.

Lei Padre Júlio

Padre Júlio também lamentou as perseguições aos defensores dos direitos humanos no Brasil, como ele. Recentemente, o vereador paulistano Rubinho Nunes (União Brasil) protocolou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o religioso, que há mais de 20 anos se dedica aos direitos do povo de rua, e contra a atuação de ONGs no centro da cidade de São Paulo. “Temos sofrido muito nesses tempos. Nos punem por compartilhar o pão com os moradores de rua”, lamentou.

“Quando olhamos a declaração dos Direitos Humanos, no artigo quinto, “que ninguém pode ser submetido à tortura, isso precisa acontecer no Brasil. A população de rua é tratada de maneira torturante. (…) Os moradores de rua não são anjos ou demônios, são pessoas e devem ser tratadas como pessoas. O artigo sexto diz que “todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. Esse artigo precisa ser vivenciado na saúde, moradia, desenvolvimento social, educação e cultura. O povo da rua também ama e precisa ser respeitado em toda as suas dimensões”, destacou o padre Júlio.

O ministro do STF Alexandre de Moraes, relator da ação que determinou a apresentação do plano de ação e monitoramento para a implementação da política nacional para a população em situação de rua, também elogiou o governo pelo plano Ruas Visíveis. Para Moraes, “a visibilidade desse plano era muito importante para que os governos estaduais, municipais e a população vejam que é hora de fazer alguma coisa para resolvermos esse problema e garantirmos a dignidade a todas as pessoas em situação de rua”, declarou o ministro.

Senado aprova bolsa de qualificação para população em situação de rua

Os senadores aprovaram no último dia 6 um projeto de lei que institui a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua (PNTC PopRua). O texto vai para sanção presidencial.

O projeto estabelece que União, estados e municípios poderão aderir de forma voluntária à política. Em caso de adesão, terão promover o acesso das pessoas em situação de rua à escola, ao mercado de trabalho e renda.

Uma das medidas previstas é a criação de bolsas de qualificação para essa população, chamadas Bolsas QualisRua. O pagamento das bolsas é arcar com as despesas daqueles que participarem de cursos de qualificação profissional e aulas para elevar a escolaridade. A bolsa não impedirá o recebimento de benefícios de programas de transferência de renda e demais auxílios.

O ente federativo que aderir à política deverá instituir Centros de Apoio ao Trabalhador em Situação de Rua (CatRua), que vão ajudar na orientação profissional e na inserção do mercado de trabalho.

Escolas públicas infantis e dos ensinos fundamental, médio e integral terão de disponibilizar vagas para crianças e adolescentes em situação de rua.

Pobreza e informalidade refletem desigualdades históricas, aponta o IBGE

De 2021 para 2022, caiu o percentual de ocupados com vínculo empregatício (48% para 47,6%) e aumentou a participação dos trabalhadores sem carteira e por conta própria (de 45,6% para 46,4%). Os dados constam da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo IBGE. Com isso, a diferença na participação entre as duas categorias de ocupação (1,2 ponto percentual) é a menor da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, iniciada em 2012.

“Esse dado revela o crescimento da participação das ocupações socialmente menos protegidas na estrutura do mercado de trabalho brasileiro, situação distinta da verificada na primeira metade da década, especialmente em 2014, quando tal diferença foi a maior, em favor das ocupações com vínculo”, observa o gerente da pesquisa, João Hallak. Assim, em 2014, a diferença era superior a 10 pontos percentuais: o percentual de ocupados com vínculo foi de 51,9%, ante 41,2% dos sem carteira e trabalhadores por conta própria.

Ocupações informais

De acordo com o IBGE, a proporção de trabalhadores em ocupações informais “reflete desigualdades historicamente constituídas, como a maior proporção de pessoa de cor ou raça preta ou parda em posições na ocupação de empregados e trabalhadores domésticos, ambos, sem carteira de trabalho assinada, além de trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social”. No ano passado, 40,9% dos trabalhadores estavam em ocupações informais.

Mas a participação fica bem acima da média entre mulheres pretas ou pardas (46,8%) e homens pretos ou pardos (46,6%). E bem abaixo entre trabalhadoras de cor branca (34,5%) e homens brancos (33,3%). É um comportamento que se repete em toda a série histórica.

Segregação racial no mercado

A distribuição dos ocupados reforça essa diferença. Segundo o IBGE, “o recorte por atividade econômica revela a segmentação das ocupações e a rigidez da segregação racial no mercado de trabalho”. A proporção de trabalhadores pretos ou pardos é acentuada na agropecuária (62%), na construção (65,1%) e nos serviços domésticos (66,4%), atividades com rendimentos inferiores à média. Por outro lado, atividades com rendimentos médios mais elevados – informação, financeira –, além de administração pública, entre outros, têm maior presença de brancos.

Além disso, os ocupados de cor ou raça branca ganhavam no ano passado, em média, 64,2% mais do que as de cor ou raça preta. Os valores eram de R$ 3.273 e R$ 1.994, respectivamente. No recorte por gênero, os homens (R$ 2.838) ganhavam 27% a mais que as mulheres (R$ 2.235). Mas as mulheres brancas (R$ 2.858) recebiam mais, em média, do que os homens pretos ou pardos (R$ 2.230).

Cai a participação do trabalho no PIB

Ainda de acordo com a SIS, a participação da remuneração dos trabalhadores no PIB chegou a 39,2% em 2021, a menor desde 2010. Há tendência de queda de 2016 (pico de 44,7%), após trajetória de crescimento iniciada em 2010. “Podemos atribuir esse resultado à queda do nível de ocupação e ao aumento da informalidade e seus impactos nos rendimentos médios e na massa de rendimentos”, diz Hallak.

Por sua vez, o percentual de pessoas em extrema pobreza (que viviam com menos de R$ 200 por mês) caiu para 5,9% em 2022, após atingir 9% em 2021. Já a proporção de pessoas em situação de pobreza (aquelas que viviam com até R$ 637 por mês) caiu de 36,7% para 31,6%. Havia, em 2022, 12,7 milhões na extrema pobreza e 67,8 milhões na pobreza.

Linha de pobreza

Nos parâmetros anteriores, os percentuais de pessoas em extrema pobreza (5,2%) e pobreza (24,1%) seriam menores, porém, o movimento apresentado na série histórica é o mesmo, com aumento de 2020 para 2021 e queda entre 2021 e 2022. Além disso, observa-se que a atualização da linha impactou mais o percentual de pessoas na pobreza do que na extrema pobreza.

“Na linha de extrema pobreza não há uma diferença significativa entre os valores da linha antiga e da linha atualizada ao longo da série, pois ela é basicamente de consumo para subsistência e sua atualização se dá principalmente por uma questão de preços”, afirma o analista André Simões. “Já a linha de pobreza mostra uma diferença maior, ligada a dinâmica do rendimento e padrões de consumo mais heterogêneos de países de renda-média alta”, acrescenta. Com 27% da população brasileira, a região Nordeste concentrava 43,5% das pessoas na pobreza e 54,6% daquelas em extrema pobreza.

A desigualdade aparece também nesse item: pessoas pretas ou pardas representavam mais de 70% dos pobres e dos extremamente pobres. Dessa forma, no ano passado, 40% das pessoas de cor ou raça preta ou parda eram pobres, “num patamar duas vezes superior à taxa da população branca (21%) e 7,7% delas eram extremamente pobres, mais que o dobro da taxa entre brancos (3,5%)”.

Importância dos programas sociais

O IBGE ressalta ainda o impacto dos programas sociais. A participação dos benefícios desses programas no rendimento domiciliar das pessoas em situação de extrema pobreza chegou a 67% em 2022. Já a renda do trabalho respondia por apenas 27,4%. Entre os domicílios considerados pobres, o rendimento de benefícios chegou a 20,5% do total do rendimento e a renda do trabalho, a 63,1%.

“Isso mostra a importância das transferências de renda para a composição da renda dos domicílios das pessoas extremamente pobres e a maior influência do mercado de trabalho na composição da renda da população pobre”, observa Simões. Na população total, a distribuição de rendimentos foi de 74,5% para trabalho, 18,1% aposentadoria e pensão, 3%, benefícios de programas sociais e 4,4% para outras fontes. Sem os benefícios, a pobreza seria até 80% maior.

Casa própria e nem-nem

A pesquisa do IBGE mostra ainda que 64,6% da população vive em domicílios próprios e já pagos. Mas a proporção diminui desde 2016 (67,8%). A proporção de domicílios alugados subiu de 17,3%, também em 2016, para 20,2% no ano passado.

Outro dado destaca a chamada geração nem-nem: em 2022, o número de jovens que não estudavam nem estavam ocupados foi de 10,9 milhões, ou 22,3% das pessoas de 15 a 29 anos – terceira menor taxa da série. Desse total, 4,7 milhões eram mulheres de cor ou raça preta e menos da metade, 2,2 milhões, mulheres brancas. Outros 2,7 milhões eram homens pretos ou pardos. E 1,2 milhão, homens brancos.


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