08/05/2024 - Edição 540

Comportamento

O mito da “segunda puberdade” nas mulheres

Redes sociais estão tomadas por debates entre mulheres sobre transformações no corpo associadas a hormônios no início da idade adulta. Especialistas, porém, negam haver embasamento científico para essas afirmações

Publicado em 16/12/2023 10:57 - Clare Roth - DW

Divulgação Pixabay

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Depois de receber uma vasectomia parcial nos anos 1930 em Londres, o poeta W.B. Yeats pode ter sido o primeiro na história do idioma inglês a afirmar que estava atravessando uma “segunda puberdade”. Ele, certamente, não foi o último a dizer isso. Cem anos depois, a estranha frase se tornou uma hashtag visualizada 57 milhões vezes de na rede social TikTok.

A ampla maioria dos usuários que compartilham histórias de uma “segunda puberdade” – na maior parte, mulheres – não foi, é claro, submetida a vasectomias parciais. Enquanto Yeats proclamou que sua segunda puberdade se referia ao renascer de seu apetite sexual, essas mulheres afirmam que seus corpos estão sofrendo mudanças inexplicáveis – e de maneiras bem menos satisfatórias.

A usuária madds.maxjesty postou um vídeo resumindo o que muitas outras estão dizendo: “quando as pessoas dizem ‘você cresceu desde os tempos de escola’, isso quer dizer que sim, as mulheres atravessam uma segunda puberdade”.

Relatos dessa suposta segunda puberdade parecem girar principalmente em torno do aumento do peso, embora algumas mulheres também tenham relatado mudanças na pele ou no cabelo. Esses vídeos foram caracterizados por um sentimento bastante comum entre os usuários do TikTok: as mulheres insistem que isso é algo sobre o qual “ninguém fala a respeito”.

Eu, como uma mulher de 26 anos, decidi pesquisar a respeito. Criei uma pesquisa no Instagram através da qual perguntei a minhas amigas se elas sentem que já passaram por uma segunda puberdade. Entre as que responderam, 46% disseram que sim, 7 que não e as demais disseram não saber do que eu estava falando.

Então, deve haver algo nisso tudo, não?

Nada real

Sejamos claros: a “segunda puberdade” não é uma condição médica reconhecida. As pessoas apenas atravessam a puberdade uma vez em suas vidas. Há, porém, algumas nuances. As pessoas trans que passam por terapias hormonais podem vivenciar algo muito mais próximo de uma “segunda puberdade” do que aquilo que as mulheres cisgêneros vêm discutindo nas mídias sociais.

Mas, no caso dessas mulheres, “não há razões médicas para que houvesse ganho uniforme de peso após os 20 anos de idade”, afirma Eve Feinberg, ginecologista e professora de endocrinologia reprodutiva e infertilidade na Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.

Se o ganho de peso de fato acontece, isso se deve provavelmente a mudanças no estilo de vida. “Com frequência, a primeira vez que as pessoas passam a viver sozinhas é depois dos 20 anos de idade. Possivelmente, bebendo mais álcool e ‘curtindo mais a vida’ e, ao mesmo tempo, se exercitando menos”, explica a especialista.

Feinberg, ao contrário do que muitas mulheres afirmam nas redes sociais, diz não se tratar de uma questão de hormônios femininos. “Enquanto as pessoas culpam os hormônios pelo excesso de peso, os hormônios que realmente devem ser apontados com culpados são aqueles associados à dieta, como a insulina, grelina e leptina, e não os hormônios femininos reprodutivos, como estrógeno e progesterona.”

Naveed Sattar, professor de medicina metabólica do Instituto de Ciências Médicas e Cardiovasculares da Universidade de Glasgow, concorda com a colega. “Não acredito que os hormônios tenham algo a ver com isso”, afirmou.

Assim como Feinberg, ele diz que grande parte disso deve ser atribuído a mudanças no estilo de vida. Os dados sugerem que as mulheres possam ter uma probabilidade maior de se tornarem obesas ou com sobrepeso se comparadas aos homens, mas isso teria mais a ver com o mundo patriarcal em que vivemos do que com a genética ou com uma “segunda puberdade”.

O excesso de peso nas mulheres mais jovens “pode estar associado a um impacto mais rápido do estresse nas mulheres ao se tornarem adultas, devido a um volume mais alto de trabalho – tanto doméstico quanto ocupacional, além de menos oportunidades para outras atividades – se comparadas aos homens nessa faixa etária”, diz Sattar.

“Se as especulações estiverem corretas, precisamos de cargas de trabalho mais flexíveis para as mulheres – mais oportunidades de se manterem ativas e maior compartilhamento das tarefas domésticas.”

O TikTok e a saúde das mulheres

As conversas sobre o excesso peso ou outras mudanças ocorridas após aos 20 anos costumavam ser reservadas a diálogos entre somente duas pessoas, ou artigos em revistas femininas de saúde ou ao consultório médico.

No entanto, a internet fez com que essa conversa se abrisse ao mundo inteiro, permitindo que qualquer pessoa acrescente sua opinião ou experiência, não importando sua qualificação.

Na verdade, é muito comum que as mulheres ganhem peso após os 20 anos, sendo que há uma enorme quantidade de razões para que isso venha a ocorrer.

Juntamente com a gravidez, as mulheres na metade e no final de sua terceira década de vida tomam parte em muitas atividades associadas ao ganho de peso, como deixar de fumar, consumir álcool com frequência, coabitar com parceiros, estudar em universidades e mudar de método anticoncepcional. Além disso, muitas mulheres continuam se desenvolvendo ao completar 20 anos.

Mudanças no corpo após os 20 anos

Um estudo publicado em 2022 fornece algumas perspectivas a respeito disso. Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com mais de 13 mil participantes, os pesquisadores tentaram rastrear a forma como o peso de uma pessoa muda no curso de uma década com base na idade, sexo e raça.

Os pesquisadores concluíram que os que mais ganharam peso no período de dez anos foram as participantes mais jovens – mulheres de idades entre 36 e 39 anos. As mulheres afrodescendentes e de origem mexicana-americana são mais propensas a engordar do que as mulheres brancas, embora todos os grupos de mulheres tenham demonstrado maior propensão a engordar do que os grupos masculinos.

Notavelmente, os pesquisadores decidiram não incluir no estudo pessoas com menos de 36 anos. “Se indivíduos de 30 anos fossem incluídos, seriam necessários cálculos de ganho de peso começando nos 20 anos de idade”, escreveram. “Isso seria problemático, uma vez que alguns indivíduos com 20 anos ainda estão em crescimento e se desenvolvendo fisicamente.”

Dessa forma, podemos concluir que, enquanto a “segunda puberdade” não seria de fato algo real, as mudanças no corpo após os 20 anos certamente são.


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