20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Psssss… Não espalhem que o clan Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo!

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 23/09/2022 1:42 - Victor Barone

Divulgação

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Ao pedir (e conseguir) a censura de reportagens do UOL que revelaram a compra pelo clã Bolsonaro de 51 imóveis usando dinheiro vivo, o senador Flávio Bolsonaro emite um atestado de culpa para o pai a nove dias do primeiro turno. Na decisão, a Justiça chamou de “fato” a aquisição de patrimônio pela família usando grana em espécie.

O desembargador Demetrius Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou a retirada das reportagens “Metade do Patrimônio do Clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo” e “Clã Bolsonaro: as evidências de dinheiro vivo em cada um dos 51 imóveis”, de Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, porque, em sua avaliação, elas utilizaram informações sigilosas que estavam em inquérito anulado pela Justiça.

A defesa de Flávio Bolsonaro diz que as suspeitas de que a origem dos valores que compraram os imóveis viria dos desvios de salários de servidores públicos dos gabinetes da família (as famosas “rachadinhas”) estavam nessas investigações.

Traduzindo: a censura não ocorre porque a Justiça diz que a compra de imóveis com dinheiro vivo não aconteceu, pelo contrário, o magistrado chega a chamar isso de “fato”. Mas porque a origem do dinheiro da família, revelada por toneladas de reportagens e investigações nos últimos anos, não foi “submetida ao crivo do Judiciário”.

“Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, em 30/08/2022 e 09/09/2022, o que reflete tenham os requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento”, afirma em sua decisão.

É direito dos cidadãos ter acesso à informação sobre seus governantes tanto quanto é dever do jornalista de informar e da Justiça brasileira garantir que a informação chegue a todos para que tomem decisões sobre o seu destino e o de sua comunidade. Quem quiser votar em Jair mesmo sabendo como ele construiu o patrimônio da família, ótimo. Mas outras pessoas têm o direito a poder contar com essa escolha.

A reportagem fez com que a campanha de Jair Bolsonaro entrasse em parafuso nas últimas semanas ao expor as entranhas de uma operação familiar que tem rabo, focinho e pata de lavagem de dinheiro obtido de forma ilegal.

A informação sobre os inquéritos das rachadinhas usada na reportagem já era de conhecimento de todos. Se a Justiça tem algo com isso que reclame com o Ministério Público, não com a imprensa. A informação é de interesse público e, portanto, deve ser divulgada. Ou seja, se os jornalistas omitissem a informação é que estariam agindo de forma irregular.

A decisão, contudo, não fará com que o escândalo volte para dentro do armário, uma vez que os eleitores tiveram acesso a um farto material que comprova que transparência e DOC, TED e PIX não são os fortes da família.

Mas será instrumentalizada pela campanha do presidente para produzir peças para seu horário de rádio e TV e, principalmente para os aplicativos de mensagens e redes sociais, tentando vender a ideia de que a Justiça disse que não houve compra de imóveis com dinheiro vivo – o que não é verdade.

Os “fatos” citados pelo desembargador nunca foram desmentidos pela família. Pelo contrário, Jair teve que inventar uma história daquelas bem infantis de que não foi dinheiro vivo, mas moeda corrente. Precisava de uma resposta qualquer para saciar seu público e evitar defecções. Agora, aposta novamente que o povo é trouxa para cair em uma nova desculpa.

Que a censura seja levantada em breve, pois já basta um presidente ameaçando a democracia.

Por Leonardo Sakamoto

MAIS UMA PÁ DE CAL

A nova rodada do Datafolha confirmou a tendência de ampliação da vantagem de Lula (47%) sobre Bolsonaro (33%). Há uma semana, a distância era de 12 pontos. Agora é de 14. A taxa de rejeição, estabilizada em 52% a nove dias da eleição, consolida Bolsonaro como uma espécie de Napoleão à espera da decisão do eleitor sobre a data do Waterloo. Cresceu a chance de derrota no primeiro turno, pois Lula obteve na pesquisa 50% dos votos válidos, excluídos os bancos e nulos. Para vencer, precisa de 50% mais um. Trafega na margem de erro.

Bolsonaro chega à reta final da corrida presidencial como um tipo preocupante de imperador: um Napoleão de hospício. Numa entrevista a um programa de TV popularesco, voltou a dizer que os militares fiscalizarão a apuração das urnas dentro de uma sala cofre do TSE. A apuração paralela é um delírio. A sala secreta, uma ficção urdida por um golpista que flerta com o Apocalipse.

Bolsonaro é didático. Planejou sua própria imolação, como um Napoleão que passou os últimos três anos e nove meses se descoroando. Frustrou-se a tentativa de fabricar na última hora um estadista de vitrine, preocupado com o social e com as mulheres. Lula cresceu ainda mais nos segmentos majoritários do eleitorado. Em uma semana, as mulheres presentearam Lula com mais três pontos percentuais. Foi de 46% para 49%). Cresceu cinco pontos entre os mais pobres, com renda de até dois salários mínimos -de 52% para 57%.

É como se as eleitoras afagadas por Michelle Bolsonaro e os eleitores mimados com benefícios sociais de ocasião sinalizassem a intenção de punir Bolsonaro pelo conjunto da obra. Na prática, Bolsonaro virou um Napoleão autossuficiente. Ao levar seu governo para o hospício, produziu uma autoderrota. Virou um duque de Wellington de si mesmo. Lula apenas surfa na onda do antibolsonarismo, uma força política que superou o antipetismo de 2018.

Por Josias de Souza

ANIMADOR DE PIZZARIA

Bolsonaro levou sua campanha à reeleição para a tribuna da ONU. Como o eleitorado de Nova York e do resto do mundo não vota em 2 de outubro, discursou para o eleitorado brasileiro. Exercitou o hábito que mais aprecia: falar bem de si próprio. Disse inverdades e meias verdades, privilegiando sempre a parte que é mentirosa. Mas houve uma diferença em relação aos três discursos de anos anteriores. Dessa vez, Bolsonaro pronunciou as barbaridades de sempre com um pedigree diplomático. Livrou-se do timbre radical.

Durante quase 20 minutos, Bolsonaro converteu a tribuna da ONU em puxadinho do horário político. Falou bem de si mesmo e mal do adversário. Expôs a roubalheira petista do petrolão e ocultou a corrupção do orçamento secreto. Enalteceu a pujança exportadora do agronegócio sem mencionar a fome no Brasil. Bateu o bumbo dos indicadores econômicos e repetiu fabulações conhecidas sobre pandemia e meio ambiente. Fez concessões inéditas à diplomacia, evitando o timbre radical.

Ficou boiando na atmosfera uma interrogação: a 12 dias da eleição, um discurso sem novidades pronunciado em ambiente internacional por um presidente que as pesquisas dizem estar em apuros produzirá a desejada virada eleitoral? Parece improvável. A clientela dos programas sociais do governo, majoritariamente fechada com Lula, prefere um prato feito a um discurso mal feito.

Com uma taxa de rejeição rodando na casa dos 50%, Bolsonaro precisa atenuar a aversão do eleitorado para obter votos novos. Simultaneamente, tem que elevar o índice de rejeição de Lula. O pronunciamento de Nova York expôs mais do mesmo. Tratada no comitê da reeleição como bala de prata, a fala do capitão soou como tiro de festim.

Por Josias de Souza

Encerrado o discurso na ONU, Bolsonaro deu as costas para a Assembleia-Geral, bateu em retirada e foi ser Bolsonaro numa churrascaria brasileira em Manhattan. Ali, voltou ao (a)normal. Recebido como astro pop por cerca de duas centenas de pessoas, Bolsonaro subiu numa cadeira como vereador que escala o caixote em praça pública. Ou como presidente que confunde sacada de embaixada londrina com palanque. Sob ovação e gritos de “mito”, Bolsonaro declarou-se “imorrível”, pois sobreviveu à facada de 2018; e “imbrochável”, pois resiste às provações do trono de presidente.

Por Josias de Souza

O prédio da ONU foi iluminado com uma megaprojeção com a imagem do presidente brasileiro, e palavras como “vergonha brasileira”, “desgraça” e “mentiroso”. Os termos foram projetados em português e inglês e o ato foi realizado de maneira anônima. Horas depois, quem assumiu a iniciativa foi a US Network for Democracy in Brazil, com dezenas de entidades, universidades e acadêmicos.

SELVAGERIA

Com o aval tácito de Bolsonaro, um presidente cultor da arma e do extermínio, o sujeito agride a socos e pontapés um pesquisador do Datafolha. Ele entra em casa. Volta armado de faca. Se não fosse contido, assassinaria um trabalhador. Os otimistas acham que os intolerantes políticos são perigosos. Os pessimistas preferem achar que eles são mesmo. O direito ao otimismo foi revogado num país em que o presidente faz da distribuição de armas um projeto social e expõe em comício o plano de “extirpar” opositores.

O VERDADEIRO BOLSONARO

Com vídeos de falas do próprio presidente e recortes de matérias de sites e jornais, propaganda do PT diz que Bolsonaro foi um “mau militar, preso por indisciplina”, “deputado omisso” e “apoiador do regime militar que defende a tortura”. Entre as matérias jornalísticas destacadas, consta uma da Fórum sobre o fato do presidente ter sido acusado de plano para explodir bombas em unidades militares em 1987. A peça política ainda cola em Bolsonaro a pecha de corrupto, expondo vídeo em que ele diz que “sonega tudo o que for possível” e lembrando que sua família comprou mais de 50 imóveis com dinheiro vivo. “Com as mulheres ele é agressivo, mas com o centrão é tchutchuca”, diz ainda a narradora. “Esse é o Brasil de Bolsonaro. O povo fazendo fila para comprar osso. Milionários fazendo fila para comprar jatinho”, afirma ainda a voz na propaganda, que é finalizada com uma declaração do presidente sobre “utilidade” das pessoas pobres. “Só tem uma utilidade o pobre no nosso país: votar. Título de eleitor na mão, e com o diploma de burro no bolso”.

A VENEZUELA É AQUI

Ao equiparar o slogan preferido do Bolsonaro —”O povo armado jamais será escravizado”— ao discurso beligerante de Hugo Chávez, Lula serviu-se do óbvio para desativar a principal armadilha do rival. Para assustar o eleitorado, Bolsonaro diz que o Brasil corre o risco de virar uma Venezuela nas mãos do PT. Quem olha ao redor percebe que, em verdade, o país já se encontra em avançado estágio de venezuelização.

Ao ser indagado sobre a política armamentista de Bolsonaro, Lula disse ser contra a proliferação de armas. E grudou a retórica do adversário na pregação do ditador companheiro: “É o mesmo discurso que o Chávez fazia.” Na verdade, é bem pior, pois Bolsonaro, assim como Chávez, não ficou só no discurso.

Assim como Bolsonaro, Chávez, um coronel golpista, chegou ao poder pelo voto. No início, simulou respeito às instituições. Aos pouquinhos, corroeu a democracia por dentro. Comprou os militares, anulou o Legislativo, calou a imprensa e cooptou o Judiciário. Milícias bolivarianas armadas pelo governo passaram a amedrontar a população. Qualquer semelhança entre os projetos políticos de Bolsonaro e Chávez não é mera coincidência.

Num discurso de 2006, Chávez revelou a intenção de armar 1 milhã de venezuelanos. Em 2007, fundou a Milícia Nacional Bolivariana. Virou a maior força armada do país. No auge, reuniu 2 milhões de civis voluntários. Essa milícia ajudou a prolongar o regime ditatorial de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, morto em 2013. Sob Bolsonaro, o Supremo suspendeu a vigência de decretos armamentistas depois da aquisição de mais de 1 milhão de armas. Ao se render ao óbvio, Lula como que autorizou o petismo a adotar o bordão do inimigo: “Vai pra Venezuela!”

GENTE DE BEM

“Demitam sem dó.” Essa foi a sugestão, ou conclamação, da empresária ruralista Roseli Vitória Martelli D’Agostini Lins a seus colegas do agronegócio. Com isso, ela pregava a demissão de empregados que votassem no candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Questionada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia, ela agora se retratou publicamente e teve que custear uma campanha de esclarecimento.

GENTE DE BEM 2

Em novo caso de violência com possível motivação política, moradores do edifício Nápoles, em um bairro da zona norte de Recife, acordaram em pânico na madrugada de quarta-feira (21), após rajadas de tiros contra o prédio. De acordo com informações do site Marco Zero Conteúdo, ao menos dois disparos atingiram a varanda do apartamento 602, no sexto andar, onde os moradores montaram uma grande bandeira vermelha com a estrela do PT. Mais três disparos atingiram apartamentos nos andares logo abaixo ao da varanda com bandeira de apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

FERASES DA SEMANA

“Até você deu mais risada no meu governo”. (Lula, em entrevista a Ratinho, que admitiu que no governo dele ganhava melhor do que hoje. Até Ratinho parece ter abandonado o barco do capitão)

“Sem perspectiva de vitória da 3ª via, é importante que Lula vença no primeiro turno para impedir ação desesperada de Bolsonaro. Decidir por Lula é consequência de saber que assim se evitará ataques à democracia”. (Miguel Reale Júnior, autor do pedido de impeachment de Dilma)

“Tenho sentido que o povo está com a gente. Todas as classes sociais. A aceitação é excepcional. Os caras participam de motociatas voluntárias. A população quer a continuidade do nosso governo. Essas pesquisas não valem nada”. (Bolsonaro, momentos antes do discurso na ONU)

“Esse é o sentimento da grande maioria do povo brasileiro. Em qualquer lugar que eu vá, para quem conhece aqui… Ontem, estive no interior de Pernambuco e a aceitação é simplesmente excepcional. Não tem como a gente não ganhar no primeiro turno”. (Bolsonaro, em comício em Londres)

“Ele teve que se entregar ao Centrão porque a família dele se lambuzou, cara. […] Ladrão. Porque o bolsonarismo se corrompeu. […] O bolsonarismo é uma farsa que vai ser desmontada”. (Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação)

“Nosso trabalho na Lava Jato foi reconhecido no mundo. Bolsonaro mostra pro Brasil o que tenho falado aqui: Lula não foi inocentado nem absolvido. Suas mãos estão sujas. Por isso quero ser senador pelo Paraná.” (Sérgio Moro, bolsonarista, ex-bolsonarista, de novo bolsonarista)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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