20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

O Bobo da Corte

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 26/08/2022 11:08 - Victor Barone

Divulgação

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Lula nadou de braçada no Jornal Nacional. Recebeu de William Bonner o carimbo de “inocente” logo nos primeiros momentos da entrevista, respondeu com firmeza as questões sobre corrupção, descolou-se de Dilma sem atacá-la, disse o que fará na economia, driblou bem a questão da Lista Tríplice do Ministério Público e colou na testa de Bolsonaro a pecha de “Bobo da Corte”. Foi uma goleada na comparação a participação do atual presidente na série de entrevistas. Pode render voto. Pode render primeiro turno?

Convenhamos: Lula evoluiu. Quando estourou o escândalo do mensalão (a compra de votos pelo governo para que o Congresso aprovasse seus projetos), ele foi à televisão e se disse traído. Uma vez reeleito mesmo assim, passou a dizer que o mensalão nunca existiu, e assim foi até recentemente. Quanto à roubalheira na Petrobras, procedeu da mesma forma. Só que ontem… Em entrevista ao Jornal Nacional, ele não teve como escapar e afirmou: “Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram”. Aleluia, irmãos. Fez-se a luz. Menos mal. Nem por isso perdoou a Lava Jato, responsável pela descoberta do escândalo do petrolão e também por levá-lo à prisão, revogada depois pelo Supremo Tribunal Federal. E bateu nela com firmeza.

Por Ricardo Noblat

Com tantos profissionais da política ao seu redor, sendo ele um profissional com mais de 30 anos de carreira, surpreende o amadorismo com que se comporta o núcleo duro da campanha de Bolsonaro à reeleição. Se não é amadorismo, o que pode ser? Mal terminou a entrevista de Lula ao Jornal Nacional, os porta-vozes informais de Bolsonaro, que só falam sob anonimato, dividiram-se. Uns disseram que Lula saiu-se bem e até o elogiaram. Outros, que Lula saiu-se mal, e a Globo nem se fala.

Os primeiros observaram que Lula foi muito hábil ao transferir para Dilma a culpa pelos perrengues na economia que marcaram os últimos anos do PT no poder, como se ele, Lula, que a escolheu para sucedê-lo, não fosse também responsável.

Os que criticaram o desempenho de Lula preferiram destacar a maneira como os entrevistadores o trataram: foram parciais, deixaram-no à vontade, só faltaram aplaudi-lo. Para culminar, Renata Vasconcelos calçava sapatos vermelhos. É de rir ou não? Na opinião desses, quer prova de maior cumplicidade do que William Bonner, na abertura da entrevista, afirmar que Lula nada mais deve à Justiça? Ora, nada mais deve. Suas condenações foram anuladas e os demais processos arquivados.

Quem diria… O empresário Fábio Faria, casado com a herdeira do grupo Sílvio Santos, exaltando Bolsonaro por ter derrotado o sistema, do qual, ele, Faria, faz parte… Soa falso. Se a parcialidade da Globo fortaleceu Bolsonaro, o ministro deveria celebrar. Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, fez um comentário bisonho: “Lula atacou o Auxílio Brasil? O maior programa assistencial da história do país? Que só em 2020 pagou o equivalente a 15 anos de Bolsa Família? Que é mais que TRIPLO dos programas do PT e beneficia mais gente? É… A raposa nunca elogia as uvas…”

Por Ricardo Noblat

BOLSONARO NO PAREDÃO

A avaliação da entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional piorou muito depois da entrevista de Lula ao Jornal Nacional. Bolsonaro passou boa parte dos 40 minutos na defensiva, traindo seu desconforto a cada pergunta que lhe faziam. Salvo no início, quando deu sinais de nervosismo ao falar sobre corrupção, Lula nadou de braçada o resto do tempo. Bolsonaro se esforçou para parecer calmo.

Bolsonaro tentou, mas não conseguiu impor o seu discurso, fosse ele qual fosse. Em alguns momentos, mostrou-se impaciente. Lula impôs o dele – o homem experiente que governou duas vezes o país e que quer voltar a governar para fazer o que não fez.

Bolsonaro não dirigiu a palavra às mulheres nem aos eleitores das classes D e E, os segmentos que mais resistem aos seus encantos.

Lula mirou nos indecisos e naqueles que ainda admitem votar em um candidato nem, nem – alternativa a ele e a Bolsonaro.

Em suma: Bolsonaro falou aos convertidos, confiando que o pacote de bondades do governo conquistará os votos que lhe faltam.

Lula falou para os de fora de sua bolha, socorrendo-se de Geraldo Alckmin para assegurar que o candidato do centro é ele.

Ao fim da entrevista de Bolsonaro, um dos seus assessores sussurrou a um repórter de O Globo: “Sobrevivemos”. Ora, por que Bolsonaro estaria ali apenas com a esperança de sobreviver? Não tinha como provar que fez um bom governo?

Assessores de Lula disfarçaram a euforia com os resultados da entrevista. Janja, a primeira-dama do candidato, não disfarçou. À pergunta sobre onde Lula iria jantar, ela respondeu com uma ponta de ironia: “Não vai querer jantar, já está satisfeito”. De fato, Lula jantou Bolsonaro. Que talvez por isso compareça neste domingo ao debate na Band para dar-lhe o troco.

Por Ricardo Noblat

https://www.youtube.com/watch?v=Vs4w3I-837Q

PUXA E EMPURRA

Há duas palavras que resolvem todos os problemas na Procuradoria-Geral da República na gestão de Augusto Aras: puxe e empurre. Puxe a gaveta para guardar os problemas. Empurre a gaveta para esquecer os problemas. A notícia de que mensagens de Aras foram encontradas em celulares apreendidos pela Polícia Federal com empresários bolsonaristas que debatiam o golpe no WhapsApp revela os riscos que uma gaveta aberta pode representar para certas autoridades

Há no grupo varejado pela Polícia Federal um amigo do procurador-geral. Chama-se Meyer Nigri, da construtora Tecnisa. Assessores de Aras informaram que ele tem mesmo amigos no meio empresarial. A conversa com um dos empresários sob investigação não conteria nada além de mensagens “superficiais”. Aras e sua equipe, suaram paletós e blusas no ano passado para convencer o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes a arquivar o inquérito sobre atos antidemocráticos. O caso desceu ao arquivo. Mas Moraes abriu, à revelia do procurador-geral, um outro inquérito análogo. Nele, investiga-se a atuação das chamadas milícias digitais.

Foi no âmbito desse inquérito sobre milicianos eletrônicos que Moraes autorizou a PF a realizar batida policial nos endereços onde foram recolhidos os celulares dos empresários. Quebraram-se os sigilos bancário e telemático dos investigados. Ainda não se sabe se os golpistas jogavam conversa fora no Whatsapp ou se financiavam alguma aventura.

Se tiver juízo, Aras agora brigará para manter abertas todas as gavetas deste caso. Eventuais más companhias não fazem um homem mau. Ao contrário. As más companhias e, sobretudo, as péssimas companhias fazem o sujeito parecer melhor do que é. Convém, entretanto, calibrar os riscos. Em Brasília, a distância é crítica. Mas a proximidade costuma ser conivente. A conjuntura jogou Aras numa de suas gavetas.

Por Josias de Souza

CONTAGEM REGRESSIVA PARA O FASCISMO

Ao encostar a Polícia Federal no grupo de WhatsApp em que empresários bolsonaristas trocavam mernsagens vadias sobre golpe de estado, Alexandre de Moraes deflagrou uma contagem regressiva no comitê da reeleição. Bolsonaro está novamente à beira de um ataque de nervos. O staff da campanha tenta evitar que o capitão exploda. Não houve nem tempo para celebrar a moderação cenográfica exibida na bancada do Jornal Nacional na noite de segunda-feira.

O presidente esperneou discretamente num encontro com empresários, em São Paulo. Sem mencionar o nome de Moraes, perguntou aos interlocutores se consideravam “proporcional” e “razoável” tanto barulho por causa de uma troca de mensagens privadas no aconchego do WhatsApp. Além da operação de busca e apreensão, Moraes determinou o bloqueio das contas dos empresários nas redes sociais e a quebra dos sigilos bancário e telemático.

Trancado em seus rancores, Bolsonaro terceiriza a reação aos filhos. O deputado Eduardo Bolsonaro, aquele que dissera que bastariam “um jipe e um soldado” para fechar o Supremo Tribunal Federal, chamou o lote de providências de Moraes de “ataque à democracia”. Flávio Bolsonaro, aquele que foi presenteado pela Segunda Turma do Supremo com a asfixia do processo sobre a rachadinha, tachou de “insano” o despacho do magistrado.

Convencidos de que a irritação de Bolsonaro não rende votos fora do cercadinho, estrategistas da campanha monitoram o candidato como se vigiassem um bebê. O que o presidente comeu ontem? O capitão dormiu bem? A caca de Bolsonaro está dura ou mole? O Brasil precisa ser controlado para não irritar o presidente. Tudo o aborrece ou abate. A imprensa o aborrece. As pesquisas o abatem. O Moraes… Ah, o Moraes!

Ministros como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações) intermediaram o armistício que levou Bolsonaro à posse de Alexandre de Moraes na presidência do TSE. Agora, eles se esvaem na expectativa de manter o cessar-fogo.

Na entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro classificou como “página virada” a “perseguição” que alegava sofrer de Moraes. Na manhã seguinte, enxergou na ação contra os amigos empresários o rompimento de um acordo que não celebrado. Brasília olha para o Planalto com enorme curiosidade. Quanto tempo ainda vai durar a calma de Bolsonaro? O 7 de setembro voltou a ganhar contornos de ameaça.

Por Josias de Souza

BOI BRAVO

Após ser confrontado pelo candidato a deputado estadual do PSOL, Guilherme Cortez, em Franca, interior de São Paulo, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, avisou em sua conta do Twitter que “daqui pra frente, vai ser tolerância zero! Vão tomar porrada!” No momento, no entanto, Salles se limitou a ouvir uma série de verdade de Cortez sem reagir. Durante todo o “esculacho”, Salles tentava interromper o jovem, sempre com a velha e já conhecida cantilena de atacar Lula, o PT e os demais chavões batidos da extrema-direita bolsonarista.

O MÚSCULO

Cedido por empréstimo de Portugal, desembarcou no Brasil o coração de Dom Pedro I. O músculo foi extraído do tórax do imperador seguindo orientação deixada por ele em seu testamento. Mergulhado em formol, num recipiente de vidro, estava guardado a cinco chaves na Igreja da Lapa, na cidade portuguesa do Porto. É a primeira vez em 188 anos que o coração deixa o refúgio idealizado pelo dono. A ossada de Dom Pedro, enterrada sob o Monumento da Independência, em São Paulo, se revira na cripta.

Os ossos do imperador foram trazidos de Portugal em 1972, sob os auspícios do general Garrastazu Médici. Ornamentaram a pajelança dos 150 anos da Independência do Brasil. Antes do sepultamento em São Paulo, percorreram as capitais do país. Foram exibidos em cerimônias ufanistas da ditadura. Decorridos 50 anos, o capitão Bolsonaro, chefe do governo civil mais militar da história, repete a patriotada numa hipotética celebração do Bicentenário da Independência.

Em 1822, o ano da Independência, o Brasil olhava para o futuro. Com a alma insuflada pelo conselheiro José Bonifácio, Dom Pedro lançou as bases do que viria a ser uma nação. Hoje, o país flerta com um passado pré-caravelas. Polícia Federal pede para indicar Bolsonaro num inquérito em que o presidente é acusado de ligar a imunização contra Covid à Aids. Cinco anos antes da Independência, crianças já eram vacinadas no Rio. Para deter a varíola, Dom João VI, o pai de Dom Pedro, criou a Junta Vacínica.

O coração de Dom Pedro foi recepcionado no Planalto com honras de chefe de Estado. Está combinado que permanecerá em exposição no Palácio do Itamaraty, na Esplanada dos Ministérios, até o dia 8 de setembro. Convém vigiar o coração do imperador. Sob pena de o recipiente de vidro surgir na garupa de Bolsonaro, durante a motociata programada para o 7 de Setembro, na orla de Copacabana. Se suspeitasse das trapaças do destino, Dom Pedro teria sido mais cuidadoso em seu testamento, proibindo o coração de viajar.

FRASES DA SEMANA

“Com o objetivo de derrotar o monstro genocida que destruiu o Brasil nesses 4 anos. Pelo fim do medo, da fome, do negacionismo, da incompetência.  Declaro meu voto em Lula 13 no primeiro turno das eleições para a presidência do Brasil”. (Felipe Neto, youtuber)

“Acho o fim da picada haver pessoas assinando a carta se dizendo defensores da democracia no Brasil, mas defendendo ditadura na Nicarágua, na Venezuela (…), não faz o menor sentido”. (Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura, candidato de Bolsonaro ao governo de SP)

“Quando alguém mentirosamente diz que, se o presidente Lula ganhar as eleições, ele vai fechar as igrejas, isso é uma forma mentirosa que desabona a própria fé. Lula esteve no governo por dois mandatos, nunca fez isso”. (Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente)

 “É fake news que eu xingo ministro.” (Bolsonaro, em entrevista ao Jornal Nacional. Xingou mais de uma vez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do STF, chamou de ‘canalha’ o ministro Alexandre de Moraes e disse que não mais respeitaria suas ordens)

“Estamos nos 45 minutos do segundo tempo. Existem duas saídas: Bolsonaro ou o Aeroporto Internacional de São Paulo”. (Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, em um grupo de WhatsApp de empresários defensores do golpe e da ditadura)

“A gente está buscando a reeleição. Caso contrário, a gente respeita. Mas a nossa democracia, nossa liberdade acima de tudo”. (Bolsonaro, depois de Lula ter dito: “‘Ah, se eu perder não vou entregar a faixa’. Vai entregar, sim. Porque é o povo que vai colocar a faixa em nós”)

“Não tem como convencer quem gosta de armas que livros são melhores, quem acha que o desmatamento da Amazônia tanto faz que a mudança climática é efeito do desmatamento. Tem quem ache que vacina faz mal à saúde.” (Fernando Haddad, PT, candidato ao governo de São Paulo)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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