08/05/2024 - Edição 540

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Novembro Azul deve incluir mulheres trans, defendem urologistas

Brasil é réu na Corte Interamericana por negar cirurgia a mulher trans

Publicado em 13/11/2023 2:59 - Alana Gandra e Daniella Longuinho (Agência Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Fernando Frazão - Abr

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Voltada para a prevenção e conscientização sobre o câncer de próstata, a campanha Novembro Azul deve alcançar a todas as pessoas que podem ser acometidas por essa doença, o que inclui as mulheres transexuais e travestis. O alerta é de urologistas ouvidos pela Agência Brasil, como o médico Ubirajara Barroso Jr., chefe da Divisão de Cirurgia Urológica Reconstrutora do hospital da Universidade Federal da Bahia (SFBA). Barroso foi responsável pela primeira cirurgia de transição de gênero pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Bahia.

Realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a campanha agora é mais abrangente, chamando a atenção do homem para a necessidade de se consultar com um urologista desde a adolescência. Além de enfatizar que é preciso avaliar a saúde do homem desde a idade mais tenra, com a campanha Vem pra Uro!, a iniciativa volta-se para as pessoas que são designadas como sexo masculino ao nascer, mas passam a se identificar com o sexo feminino, que é o caso das mulheres trans, afirma o urologista.

Ubirajara Barroso Jr. ressalta que não é só a mulher trans precisa ser incluída nos cuidados com a saúde. “Não esqueçamos que muitos homens trans que, inicialmente, podem necessitar de cuidado ginecológico, porque persistem com vagina, útero, trompa e ovários, acabam submetendo-se à correção cirúrgica, com reconstrução de um falo, seja com o próprio clitóris ou com retalhos, e passam a penetrar, ficando sujeitos a riscos de alterações urinárias pela reconstrução da uretra e, também, de infecções sexualmente transmissíveis.”

Glândula

No caso da mulher trans, apesar de o sexo designado ao nascer ser o masculino, duas coisas podem acontecer durante ou após transição hormonal ou cirurgias. “Primeiro, todas as mulheres trans mantêm a glândula prostática, que não é abordada no procedimento cirúrgico. E quem não foi submetido a cirurgia ainda tem pênis”. Por isso, Barroso diz que não é raro constatar, entre aquelas que evitam ir ao Sistema Único de Saúde (SUS) por medo de preconceitos, casos de má higiene da genitália e laceração da pele por amarrarem o pênis para escondê-lo, provocando irritações, que são um fator de risco para o câncer.

O médico destaca que, embora seja feita a transição de gênero, muitas pessoas esquecem que ali existe uma próstata. “A própria mulher trans não tem consciência disso. Muitas vezes, no cuidado com a saúde, isso não é abordado”. Há ainda a crença de que o uso de hormônios femininos pode proteger completamente a mulher trans do câncer de próstata. “Mas é possível, mesmo usando hormônios femininos, a mulher trans ser afetada pelo câncer de próstata”. Outro equívoco é achar que a cirurgia engloba a retirada da próstata. “A próstata fatalmente estará lá, a não ser que haja uma doença que exija sua retirada.”

Barroso diz que a mulher trans com próstata precisará do urologista à medida que for envelhecendo, tanto quanto o homem cis. Por outro lado, lembra o médico, o câncer de próstata é 100% curável se for detectado precocemente. Quanto mais tardia for transição, pela própria presença de mais hormônios masculinos, maior será a chance de câncer de próstata. “E há relatos de cânceres que já vêm com metástase, por conta também do mau acesso à saúde, da desinformação”, acrescenta.

Preconceito

Embora muitas pessoas transgênero deixem de procurar o SUS com receio de ouvir agressões ou ser discriminadas, ofendidas ou mal recebidas, o especialista lembra que o sistema é para todos, é universal. “Ter acesso à saúde, ao respeito, à dignidade é um direito da população trans. Isso é constitucional”, destaca Barroso. Segundo ele, a SBU tem um departamento que trata dos cuidados urológicos na população trans.

“Portanto, é muito importante que o Novembro Azul seja, de fato, mais abrangente e mais inclusivo, não focando somente na prevenção do câncer de próstata, mas também na conscientização, tanto dos homens cis quanto dos homens trans e das mulheres trans, da necessidade de procurar o urologista”. O tema é sempre abordado nas sessões de educação continuada da entidade, diz Barroso Jr., reiterando que o Novembro Azul passou a ser o mês de conscientização da saúde do homem e, agora, também de todas as pessoas que precisam de um urologista.

De acordo com o urologista e oncologista Carlos Carvalhal, membro da SBU e médico do Hospital São Francisco na Providência de Deus, independentemente da escolha de como a pessoa vai se relacionar com o mundo, os profissionais da saúde têm que fazer o mesmo trabalho com todos. O mais importante é garantir que as pessoas trans sejam acolhidas da mesma forma que qualquer outro paciente, por todos os profissionais da área. Ele diz que preconceito não deveria existir e defende a realização de um trabalho social grande para tornar mais fácil o acesso desses indivíduos tanto no SUS quanto no setor privado.

Assim como Barroso Jr., Carlos Carvalhal enfatiza que ainda não existe protocolo para retirada da próstata em cirurgias de redesignação de sexo. “A retirada da próstata traz malefícios anatômicos que podem gerar complicações Por isso, as mulheres trans ficam com a próstata e devem fazer a mesma avaliação que o público masculino”. Carvalhal ressalta que, como a parte da genitália era do sexo masculino, essas pessoas vão ter problemas comuns aos homens. Algumas medicações podem diminuir a prevalência de câncer, mas não evitam a doença e, “às vezes, até dificultam o diagnóstico”, afirma.

Com a detecção precoce, a chance de cura do câncer de próstata é muito maior, confirma Carvalhal. Segundo ele, os homens têm pouco costume de procurar o urologista. “As mulheres se cuidam muito mais. O homem, não.”

Campanhas plurais

A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, diz que campanhas como o Novembro Azul deveriam ser feitas o ano todo, para incentivar a avaliação frequente da próstata. “Precisamos ter, cada vez mais, campanhas orientando as pessoas a cuidarem da saúde durante todo o ano”. Para Keila, campanhas específicas como o Outubro Rosa, contra o câncer de mama, e o Novembro Azul, contra o câncer de próstata, podem ser entendidas como restritivas a mulheres e homens, respectivamente. E isso acaba levando as mulheres trans, por exemplo, a não se sentirem incluídas. “Elas não vão ter atenção com essas campanhas. Com a informação que não as está atingindo, de fato, elas não vão ligar”.

Para Keila, o movimento social tem muito a contribuir para o debate sobre binaridade de gênero. “E que as pessoas que não se identificam com o gênero a elas atribuído no nascimento possam se sentir incluídas, principalmente em relação à saúde, que se sintam parte do processo”

Keila destaca ainda a necessidade de os profissionais do SUS se atualizarem e se reciclarem para atender às mulheres trans da mesma forma que homens e mulheres cis são atendidos. “Por isso, muitas resistem em procurar consultórios médicos que estão inteiramente binarizados. “E, aí, os preconceitos e as discriminações acontecem. O que se espera é que um espaço que vai cuidar da saúde não tenha preconceitos. E não acabe estabelecendo situações que fazem desse exame tão importante um tipo de comédia para estigmatizar um processo de cuidado da saúde.”

Uma das ações sugeridas por Keila é a criação de espaços, principalmente públicos, que não sejam separados para homens e mulheres, que sejam espaços comuns, em que toda a população, incluindo mulheres trans, possam estar. “Que sejam neutros. Homens e mulheres no mesmo espaço, e cada especialidade atendendo os seus pacientes”. A partir daí, seria possível evitar um pouco desse constrangimento, enfatiza.

Brasil é réu na Corte Interamericana por negar cirurgia a mulher trans

O Brasil vai responder como réu na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por recusar cirurgia de afirmação de gênero a uma mulher trans de Campinas, interior de São Paulo.

Entre 1997 e 2001, a cabeleireira Luiza Melinho tentou, sem êxito, realizar o procedimento de redesignação sexual no Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas, ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ao buscar assistência médica na unidade de saúde, ela foi diagnosticada com depressão e ‘transtorno de identidade sexual’. O sofrimento também motivou uma tentativa de suicídio. Com um ano de acompanhamento, em 1998, ela foi submetida a uma intervenção inicial, com a expectativa de completar os procedimentos. No entanto, mesmo após passar pelo programa de adequação sexual, em 2001, a cirurgia foi cancelada de última hora, o que agravou o estado de depressão da cabeleireira.

“Eu estava me tratando em todas as especialidades, endócrino, psiquiatria, gineco, psicologia, otorrino. Então houve essa negação, o que para mim foi devastador. Eu vi o mundo desabando”, relata Luiza.

Entre os anos de 2002 e 2008, com a ajuda do advogado Thiago Cremasco, o caso foi parar na Justiça, mas o tratamento foi negado por, pelo menos, três vezes. Diante da impossibilidade de cuidado adequado, Luiza fez um empréstimo e pagou a cirurgia por conta própria, em 2005.

Eduardo Baker, advogado e coordenador de justiça internacional da Organização Justiça Global, entidade que também passou a defender Luiza Melinho, explica que o Brasil é signatário de vários tratados internacionais de direitos humanos com obrigações que incluem o direito à saúde.

“Especificamente em relação às pessoas trans, esse direito a saúde também inclui a cirurgia de afirmação de gênero, eventuais procedimentos envolvidos. Todo esse processo de transição será contemplado no direito a saúde”, explica o advogado.

O caso Luiza Melinho passou a tramitar no Sistema Interamericano de Direitos Humanos em 2009. Em decisão recente, a Comissão Interamericana concluiu que o Estado Brasileiro não garantiu acesso à saúde a Melinho ao impor obstáculos para acessar a cirurgia solicitada. O advogado da Justiça Global explica as possíveis sanções ao Brasil em caso de condenação.

“A gente espera que essa reparação inclua também uma reformulação da politica de saúde em relação a pessoas trans para que essa cirurgia, não só a cirurgia, mas todo complexo de procedimentos médicos, esteja contemplado de uma maneira célere, previsível, transparente. Que esse protocolo esteja acessível a todo mundo, que uma pessoa que entre nessa fila tenha noção de quando vai poder passar por determinado procedimento”, defende Baker.

Para Luiza Melinho, após mais de duas décadas desde o início das tentativas de reafirmação de gênero pelo SUS, ainda é difícil lidar com a exposição da sua história, a primeira relacionada aos direitos de pessoas trans contra o Brasil em uma corte internacional.

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania reconhece que a cirurgia de Luiza era a única forma de assegurar o seu direito à vida e sua integridade física. A pasta afirmou que vai cumprir as diretrizes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

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Equipe Semana On

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Uma resposta para “Novembro Azul deve incluir mulheres trans, defendem urologistas”

  1. Observador disse:

    Tem que haver é o mero exame de toque ser substituído por completo pelo da área sexual: pênis, testículos e massagem prostática (que limpam os dutos da glândula dos resquícios do gozo/orgasmo havidos)! E o médico amadurecido na própria sexualidade! Presumo que apenas a avaliação do volume da próstata, evita o médico que possa ser bi ou homo, assistir o gozo fisiológico que ocorre no exame em tais órgãos! Como busquei ter relação fluida com “apenas” um homem, ele me pediu apenas controlar a testosterona, deixando o hormonio feminino no patamar que chegou, na Andropausa que como que iniciou com esse contexto! O urologista comentou que mesmo você sendo cisgenero, com hormonio biológico predominante ao gênero no ideal mínimo, haveria problema de agradar o namorado? Disse a ele que melhorou muito o ser penetrado, também! Ele disse que procura oferecer qualidade de vida ampla ao paciente homossexual e que procura sugerir o que é salutar a penetracao vaginal e anal! Que eu deveria ter uma alimentação com menos gordura e evitando gases; que frutas ajudam a diminuir flatulência e elevando sem alardear, o hormonio feminino! Maroto perguntei se ele queria feminilizar meu anus!? Riu e disse que me admirou: orgasmo perfeito na próstata, ejaculação semelhante ao vasectomiado (bem pouco semem) e esfincter de leve segurando o dedo dele! Ele assistindo e lembrando considerar fisiológico e se emocionou!!!

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