20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

NÃO PASSARÃO! Pano…

Publicado em 24/11/2021 12:00 - Victor Barone

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Votar em Lula em 2022, caso seja ele a opção para derrotar o fascismo bolsonarista, é uma obrigação de qualquer democrata. Mas, este voto não pode e não deve ser acrítico. Afinal, não somos gado. Não é aceitável que o ex-presidente – sobre os ombros de quem repousa a chance de dar um basta no ciclo doentio a que estamos submergidos – se dê ao luxo de passar pano para ditaduras. Pior é observar parte da esquerda fazendo exatamente isso ao melhor estilo "E o PT?”, traçando comparativos do gênero: “O Lula disse isso, mas e o governo fascista do Bolsonaro?”, etc, etc. Ao se equiparar ao fascismo, o campo da esquerda perde legitimidade para combate-lo.

Dito isso, vamos analisar a entrevista de Lula ao El País, feita na semana passada. Respondendo à uma indagação da jornalista Lucía Abellan sobre as eleições nicaraguenses, que não foram reconhecidas por grande parte dos países democráticos da comunidade internacional, Lula usou uma comparação capenga entre Daniel Ortega e líderes de democracias europeias.

Lula disse que todo político que se acha insubstituível transforma-se num pequeno ditador. Por isso, o líder petista defende a alternância no poder. Emendou afirmando o princípio da não interferência na política interna de outros países. Muito bem.

O problema veio na emenda: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que Margaret Thatcher pode ficar 12 anos no poder e Chávez não? Por que Felipe González pôde ficar 14 anos no poder? Qual é a lógica?”. A jornalista Pepa Bueno, explicou: “Sim, mas Angela Merkel governou por 16 anos e Felipe González por 13 na Espanha e nenhum dos dois colocou seus opositores na prisão”.

Lula ficou desconcertado. Tanto que imediatamente afirmou que não pode julgar o que aconteceu na Nicarágua, pois não saberia o que as pessoas fizeram para ser presas. Acrescentou que no Brasil foi preso injustamente, tornando possível a eleição de Bolsonaro. E finalizou: “Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição, como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado”.

Não é crível que um ser político sofisticado, experiente e bem informado como Lula desconheça o contexto da prisão dos opositores de Ortega na Nicarágua. E foram sete candidatos presidenciais de oposição mandados para a cadeia. Quando admite que o presidente nicaraguense possa estar errado, caso tenha feito isso para ser eleito sem opositores competitivos, ele afirma o princípio, mas simula não saber do fato. E ele sabe.

A referência à prisão injusta dele próprio, produzida pelo conluio lavajatista, distrai a atenção do problema que lhe havia sido posto pela jornalista. O fato evidente de sua prisão ter sido não somente abusiva, mas politicamente motivada (como o demonstraram cabalmente as revelações da Vaza Jato e da Spoofing), não elimina outro fato evidente: o de que Daniel Ortega prendeu opositores para poder ganhar as eleições sem correr quaisquer riscos de derrota.

A trapaça das eleições brasileiras de 2018, com a prisão de Lula, é gravíssima e fere a democracia. Contudo, ela não decorre de uma característica estrutural do regime político brasileiro. O Brasil, apesar do ocorrido (assim como apesar do impeachment fabricado de Dilma), manteve-se democrático – embora com uma democracia em nítido declínio.

Na Nicarágua, a prisão dos opositores é mais do que um gravíssimo fato que fere a democracia: ela decorre de características estruturais do regime político nicaraguense – autoritário –, tal qual forjado pela permanência prolongada de Ortega na presidência, possível apenas por seguidas alterações das regras eleitorais. Ou seja, Ortega não permaneceu no poder porque as regras do jogo lhe permitiam isso, mas porque ele e seus aliados (inclusive no Judiciário) adulteraram tais regras, de modo a transformar em ditadura um regime antes democrático.

O estapafúrdio da comparação com os casos europeus, feita por Lula na entrevista ao El País, não é apenas que nenhum dos líderes europeus mencionados pelo ex-presidente tenham mandado prender seus opositores. O absurdo desse paralelo está também no fato de que nenhum dos países cujas lideranças permaneceram por um longo período no governo tem um regime político que lhes permita tornar impossível a opositores vencer eleições. Essa incerteza estrutural quanto aos resultados da disputa política é uma característica das democracias, como já apontou o cientista político Adam Przeworski. Ademais, em regimes parlamentaristas a qualquer momento o parlamento pode aprovar um voto de desconfiança e, assim, remover o primeiro-ministro – mas isto nem é o mais importante aqui.

Mas por que Lula tergiversou em relação à Nicarágua – e, na mesma entrevista, também em relação a Cuba -, não reconhecendo o caráter autoritário dos regimes de ambos os países? Alguns, mais críticos a Lula e ao PT, rapidamente apontaram que isso desnudaria o caráter autoritário de ambos. Contudo, essa é uma afirmação insustentável diante de evidências. Veja-se o que foram os 13 anos em que o PT esteve no governo brasileiro. Nesse período, a democracia brasileira não regrediu; pelo contrário, como apontam os vários indicadores internacionais acerca do tema, como, por exemplo, o Democracy Index da The Economist Intelligence Unit. No ranking, a democracia brasileira manteve-se estável num patamar bastante bom entre 2006 e 2014, passando a declinar a partir de 2015, justamente quando se encerrava o ciclo petista no governo. E, para não ficarmos apenas no índice da revista britânica, consideremos também o do projeto Varieties of Democracy (V-Dem), que mostra um cenário muito similar. Segundo essa outra apreciação, o Brasil melhora justamente após a pos

O cenário, portanto, está muito distante da “ameaça bolivariana” ou “comunista” apregoada por detratores do PT e de Lula. Isso apenas torna ainda mais intrigante a questão: por que, afinal, há tanta resistência em reconhecer o caráter explicitamente autoritário de regimes como os de Cuba, Nicarágua e Venezuela, reconhecido por esses mesmos índices que apontam a natureza democrática dos governos petistas? A razão está numa dificuldade que não é exclusiva de Lula ou do PT, mas compartilhada por grande parte da esquerda democrática (ou socialdemocrata) mundo afora: os regimes autoritários de esquerda são fetiches. Isto é, como um membro querido da família, seus defeitos são minimizados e suas qualidades enaltecidas.

As críticas feitas a eles são percebidas como ataques feitos a si próprios, ofensas. A solidariedade para com eles é percebida como uma obrigação política e moral. Isso ganha ainda mais força diante do “imperialismo”, do “neoliberalismo”, do embargo americano ou dos inimigos – verdadeiros ou imaginários – que possam ser apontados ou, no mais das vezes, invocados como justificativas racionalizadoras do apoio a regimes que, se tivessem sinal ideológico invertido, ou vigorassem por aqui, seriam denunciados como ditaduras cruéis.

Para quem está no campo da esquerda, denunciar a natureza autoritária desses regimes é custoso: sua honestidade é posta em dúvida, suas intenções se tornam suspeitas e seus argumentos são desqualificados com base em sofismas. Exemplo até ameno desse tipo de sofisma foi aquele ao qual recorreu Lula, invocando a injustiça de sua prisão como forma de relativizar a injustiça da prisão dos opositores de Ortega. Ora, o abuso da prisão de Lula numa democracia em deterioração como a brasileira de forma alguma torna aceitável o abuso da prisão de opositores num autoritarismo em pleno funcionamento como o nicaraguense – ou o cubano, ou o venezuelano.

Portanto, a defesa persistente que Lula e outros da esquerda fazem dos autoritarismos de seu lado do espectro ideológico não é indicador de um perigo autoritário que eles próprios representem, mas de uma brutal incoerência, decorrente menos de equívocos racionais do que de motivações afetivas e identitárias e, em decorrência disso, dos custos políticos e morais de posicionar-se de outra maneira, como aponta Claudia Hilb em relação a Cuba. E, claro, todos os que desejam apontar o “perigo vermelho” do PT como uma ameaça ditatorial, aproveitam a oportunidade – ainda mais durante a disputa eleitoral.

Por Ricardo Noblat

BRIGA NA LIXEIRA

O general Augusto Heleno, pelo visto, não gostou nem um pouco das declarações de Sara “Winter” Geromini à revista Época. Por meio de suas redes, ele acusou a imprensa de dar espaços para mentiras.

GENGIVÃO BOCA MOLE

O extremista Allan dos Santos, que está escondido nos Estados Unidos, chamou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) como ‘psicopata’ e ‘tirano’. Em entrevista transmitida pelo canal de TV Jovem Pan News, o blogueiro tratou do seu pedido de extradição, assinado por Moraes e que aguarda decisão da justiça dos Estados Unidos para ser cumprido. Allan acusou a imprensa de ser “assessora de imprensa de um psicopata”, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes. “As ações do Alexandre de Moraes configuram as ações de um psicopata, e um tirano”, concluiu. Um dos fundadores, e principal garoto-propaganda, do site Terça Livre, Allan dos Santos é uma das figuras centrais dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, abertos pelo STF e que investigam o núcleo de apoio ao governo de Jair Bolsonaro. Ao ser questionado se o presidente o havia abandonado, Allan contemporizou: “O presidente não precisa apoiar nem abandonar. Ele precisa ser presidente e seguir a lei, e isso ele está fazendo.”

No dia 22 de outubro, o blogueiro Italo Lorenzon, sócio de Allan dos Santos,  anunciou o fim do canal da extrema-direita e acusado de disseminação de fake news “Terça Livre” na noite Do último ia 22. Bolsonarista, Lorenzon atuava junto com Allan que teve o mandato de prisão expedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no dia 21 de outubro. Os canais do Youtube do site já foram retirados do ar por determinação da corte.

FRASES DA SEMANA

“Por mim, não teria carnaval”. (Bolsonaro, antigo sócio da Covid, que empurrou com a barriga a compra de vacinas, foi contra medidas de isolamento social, e que em ano de eleição teme ser alvo de críticas de blocos carnavalescos)

“Se aqui entrarmos em crise [não disse qual] e se um de nós fizer algo errado [não falou o quê], o caos pode se instalar. Alguns querem que eu tome certas decisões [não revelou quais]. Pensando no ‘after day’ [não falou do quê], você tem de saber fazer uso da caneta”. (Bolsonaro)

“Não há esforço para se aproximar dos militares, quebrar a resistência. Essa não é uma preocupação de Lula. Os militares têm que ficar fora da política e isso é o natural, não é desvalorizá-los”. (Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores, conselheiro de Lula)

“A Globo tem um encontro comigo no ano que vem. Encontro com a verdade. Não vou perseguir ninguém. Mas tem que estar com as certidões negativas em dia, igual a parada matinal: tem que estar arrumadinho”. (Bolsonaro, sobre a renovação da concessão da Rede Globo de Televisão)

“O Brasil não sobreviverá a mais quatro anos de Jair Bolsonaro, nem a democracia, nem a soberania, nem o patrimônio público e nem os direitos sociais e civis. Estamos falando de uma coisa muito séria. Um projeto que já é autoritário sendo reeleito.” (Fernando Haddad, PT)

“Eu não me arrependo [de ter integrado o governo]. Em 2018, tínhamos um momento de muita expectativa. O presidente eleito, a gente sabe que era uma pessoa controvertida, mas havia muita gente que pensava que poderia dar certo”. (Sérgio Moro, ex-juiz)

“O Bolsonaro foi por 28 anos um deputado do Centrão, de partidos do Centrão e votando com o Centrão. Ele está voltando de onde, no fundo, só saiu para criar um personagem que disputou a última eleição presidencial”. (Marcelo Ramos, PL-AM, vice-presidente da Câmara dos Deputados)

“Os países ricos investiram 2 trilhões de dólares para salvar os bancos em 2008. Os Estados Unidos gastaram 8 trilhões de dólares nas suas guerras no Oriente Médio. Não há a mesma generosidade quando se trata de salvar o planeta do aquecimento global e eliminar a miséria”. (Lula)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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