09/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Médicos e monstros: o que dizer de profissionais de saúde capazes de debochar de um paciente?

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 08/05/2023 2:05 - Victor Barone

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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“Temos uma defasagem entre uma construção de um SUS que aponta que a ética do cuidado é a garantia de uma saúde qualificada e a universidade, num processo atrasado, com cursos de formação absolutamente voltados a um mercado perverso. Nossas universidades públicas e privadas são do mesmo padrão ético. Soltamos milhares de profissionais das mais variadas áreas todos os anos, todos sedentos pelo mercado, sem nenhum tipo de obrigação por terem sido formados por um fundo público. Não sentem obrigação nenhuma em devolver à sociedade parte do investimento que ela fez nele”.

A reflexão acima, do médico sanitarista Emerson Merhy, foi feita em 2014, em entrevista à Semana On. Reflete o abismo entre as necessidades de um sistema público de saúde voltado para a valorização da vida e para o cuidado e a formação inadequada da mão de obra em saúde, focada no mercado e nas necessidades individuais dos profissionais da área.

As profissões da saúde são sacerdócios. Nelas, o amor ao próximo deve – ou deveria – estar acima de tudo. Por isso, ações como as protagonizadas por médicos do Acre nesta semana causam tanto horror devido a perversidade e ausência de ética profissional.

Os três debocharam do quadro de saúde da ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, que é acreana e está internada desde a madrugada de sábado (6) com Covid-19 e sinusite. O trio postou mensagens que beiram a psicopatia em um grupo chamado “Médicos Unidos”.

A sequência de postagens de mau gosto foi iniciada por Jorge Lucas da Fonseca, que na conta privada que mantém no Instagram, se descreve como “Médico, Casado, Cristão e Pai”. Ele compartilhou o print de uma notícia sobre a saúde da ministra na qual grifa um questionamento: “UÉ NÃO ERA VACINADA?”. Em seguida, pergunta: “Será que ela não tomou a vacina?”.

A médica Grace Monica Alvim Coelho, ex-secretária de Saúde do Acre, declaradamente bolsonarista, se apresenta no perfil no Instagram como “Médica, ginecologista e obstetra com foco em cirurgias ginecológicas e em especial, cirurgia íntima”. Na troca de mensagens no grupo, ela ironizou: “Coisas da vida… E da vacinação!”.

Para completar o trio o médico Nilton Torrez Chavez, que diz no perfil de uma rede social ser cirurgião geral e torácico e ultrassonografista”, deu até gargalhada no comentário. “Kkkk tomara que os vírus da covid estejam bem”. O colega que iniciou a conversa também gargalha e complementa: “Kkkkkk num é”.

Quem é esta gente capaz de escarnecer da saúde de uma pessoa com base em ódio político? Do que são capazes no trato com pacientes?

O presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Acre (Sindmed-AC), Guilherme Pulici, se disse incomodado com a postura dos colegas. Por isso, resolveu entrar em contato com o marido da ministra, Fábio Vaz, para mostrar que a postura não é compartilhada pela classe médica do estado de origem de Marina Silva.

“Fiquei incomodado sim, claro, pois não se deve nem brincar com a saúde de ninguém! Apesar de não conhecer o marido da ministra pessoalmente, achei pertinente mostrar que não se trata da postura de toda a classe médica do nosso estado. Só não enviei diretamente a ela pois não tinha seu contato e achei que, em meio a um problema de saúde, pudesse incomodá-la.”

Pulici encaminhou a nota de esclarecimento veiculada neste domingo pelo (Sindmed-AC) para comentar o fato.

“A Diretoria do Sindicato dos Médicos do Estado do Acre (Sindmed-AC) informa que o grupo “Médicos Unidos” não é administrado pela entidade. O único grupo oficial é chamado de “Filiados”, existindo regras claras que proíbem a manifestação política, permitindo apenas assuntos médicos, debates trabalhistas, sindicais e a divulgação de informações do sindicato.”

A nota informa ainda que os membros do Sindicato “também prestam solidariedade à ministra do Meio Ambiente Marina Silva e desejam boa recuperação”.

A vacina contra o coronavírus não impede a infecção pelo vírus, sua principal função é evitar o agravamento da doença. No caso da ministra, que já enfrentou diversos problemas de saúde, isso é especialmente relevante. Nascida em um seringal no Acre, Marina teve hepatite, malária, contaminação por mercúrio e leishmaniose. Segundo a assessoria do ministério, ela se vacinou com as quatro doses disponíveis contra a covid.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, fez um pronunciamento oficial para reforçar a importância de o País continuar a imunização contra o coronavírus, mesmo depois de a Organização Mundial da Saúde ter declarado na última sexta-feira, 5, o fim da emergência internacional de saúde pela doença.

ENTREGA DE CABEÇAS

Está aberta a temporada de entrega de cabeças para que Jair Bolsonaro salve a sua. Se quiserem escapar à degola, o tenente-coronel Mauro Cid, conselheiro e ajudante de ordem do ex-presidente, e Ailton Barros, ex-major do Exército, que se virem sozinhos. Os dois estão presos. Barros era tratado por Bolsonaro como “irmão”. Há mensagens de Barros para Mauro Cid que os ligam à tentativa de golpe do 8 de janeiro. Virem-se sozinhos, pois.

A excentricidade da crise do bolsonarismo é a transgressão acéfala, a máfia sem “capo”, a quadrilha sem chefe. Estão na cadeia Daniel Silveira, Anderson Torres e Mauro Cid. Na aparência, são seres diferentes. Mas igualaram-se nas bolsonarices. Os três são ex-alguma coisa —ex-deputado, ex-ministro, ex-ajudante de ordens. Encrencaram-se por seguir orientações ou obedecer ordens de Bolsonaro. Presos, passaram a ser ignorados pelo líder e ex-chefe.

Por Ricardo Noblat

A derrubada do perdão de Jair Bolsonaro a Daniel “Surra de Gato Morto” Silveira pela maioria dos ministros do STF coloca o ex-deputado federal no caminho de uma delação premiada. Amargando uma cana em Bangu desde o começo do ano, o antigo “mártir do bolsonarismo” está abatido, acreditando que foi abandonado pelos aliados.

Visivelmente abatido, o ex-presidente Jair Bolsonaro concedeu uma entrevista à Jovem Pan para falar sobre a operação de busca e apreensão que a Polícia Federal (PF) realizou em sua casa, em Brasília, na manhã do último dia 3. Com os olhos marejados e quase chorando, Bolsonaro negou que tenha fraudado dados da carteira de vacinação. Em determinado momento, Bolsonaro confirma relatos de que, ao notar a PF em sua casa, entrou em desespero e pediu autorização para telefonar para advogados e apoiadores.

O senador Flávio Bolsonaro usou o plenário do Senado para defender o papai e atacar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.  Para justificar a fraude nos dados de vacinação no ConectaSUS, Flávio apresentou uma tese inacreditável: durante um mutirão de vacinação contra a Covid em Duque de Caxias, funcionários do SUS teriam usado por engano a senha do ex-presidente.

https://youtu.be/DiYEred85eQ

CARLUXO EM CANA?

Na família Bolsonaro, quem sai aos seus não endireita. O Ministério Público do Rio de Janeiro colecionou evidências capazes de transformar em denúncia formal a suspeita de que o gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal é mais uma filial —com trocadilho— do conglomerado familiar da rachadinha. O diminutivo não atenua a gravidade do crime. É peculato.

FASCISMO DIGITAL

A votação do projeto que levaria o Código Penal para dentro das redes sociais foi adiada por falta de votos. Estimou-se que o tema retornará à pauta em duas semanas. É lorota. Tão cedo essa proposta não será submetida novamente ao plenário. Nem o sangue escorrendo nas escolas foi capaz de impulsionar o projeto que criminaliza a mentira, remunera a notícia e obriga os conglomerados digitais a remover o crime da internet. É como se os legisladores aguardassem pelo próximo cadáver na sala de aula para interromper a política da gaveta.

Na verdade, os interesses econômicos das big techs se aliaram às conveniências políticas do bolsonarismo para torpedear o chamado PL das Fake News. Essa aliança tácita já aleijou o projeto. O texto ainda impõe obrigações às plataformas de redes sociais, mas já não informa quem vigiará e imporá sanções aos violadores da lei. Tenta-se agora sepultar de vez a proposta ou apressar o velório, adiando a votação prevista para esta terça-feira.

O empresário e youtuber Felipe Neto, um dos maiores influenciadores digitais do mundo, explicou através do Twitter porquê o deputado federal Sergio Moro (UB-PR) é “limitado” quando o assunto é o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.  Moro foi às redes sociais para atacar o PL que visa, entre outros pontos, combater crime e desinformação no ambiente digital. O ex-juiz também saiu em defesa do Google, que mais cedo, em uma atitude abusiva, fixou um texto pregando contra a proposta legislativa em sua página inicial de buscas, acessada por milhões de pessoas diariamente.

CABEÇA DINOSSAURO

Os Titãs resolveram fazer uma “homenagem” ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o líder de extrema direita que tentou dar um golpe de Estado no Brasil, mas que acabou sendo impedido pela força das urnas. A banda, que após 30 anos volta a uma turnê com sua formação clássica, se apresentou em Belo Horizonte (MG) e para surpresa do público acrescentou o nome do político bufão ultrarreacionário na lista de assassinos e ditadores de “Nome aos Bois”, canção de 1987, lançada no LP “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”.

BRANCO, CONSERVADOR, ARMAMENTISTA

“Sou branco, conservador, armamentista. Pela família, pela propriedade privada, pela disciplina, pelo respeito ao próximo, pela humildade, por colocar o homem no seu lugar e a mulher também.” A declaração faz parte do vídeo de apoio que Thiago Brennand gravou para Jair Bolsonaro na eleição do ano passado. Como estava em Abu Dhabi após fugir da Justiça brasileira por acusações como estupro, cárcere privado e tortura, talvez quisesse angariar votos da parcela dos homens que normaliza a violência contra mulheres – o que, infelizmente, não é pouca gente por aqui. Mas, convenhamos, o vídeo foi feito para ele reforçar a sua própria imagem, uma vez que esse eleitorado já era de Jair.

Por Leonardo Sakamoto

MAIS DINO

A primeira parte de audiência na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara, no último dia 3, ficou marcada pelo embate entre o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Falando rápido, o parlamentar e ex-procurador emendou 12 perguntas em três minutos, algumas fora dos temas que motivaram a reunião. Dino respondeu todas, a começar da questão sobre o combate à corrupção.

GENTE DE BEM

Os aplicativos 99 e Uber afirmaram que excluíram o motorista Christopher Rodrigues, de 27 anos, de suas bases de colaboradores. Ele atropelou, matou e debochou de um suspeito de furtar um celular na região central de São Paulo, na última terça-feira (25/4).

https://www.youtube.com/watch?v=_rQ-s6e5AAU&pp=ygUUdWJlciBhdHJvcGVsb3UgbWF0b3U%3D

Uma mulher acompanhada da sogra e de suas filhas disse ter sido impedida de entrar em um carro de aplicativo por estarem vestidas com trajes religiosos. O caso aconteceu no centro de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

BALEIRO

O cantor Zeca Baleiro parou um show na FliPenedo (Festa Literária de Penedo), em Alagoas, no sábado (6), após um homem fazer menção à Lei Rouanet. Na hora do ocorrido, a maior parte do público cantava em coro apoio ao presidente Lula (PT) “Olê, olê, olê olá, Lula Lula”. Baleiro aproveitou para falar sobre a importância de se manifestar politicamente, inclusive os artistas, e admitiu que mesmo com críticas à esquerda brasileira e ao PT, ele votou no presidente Lula nas eleições de 2022. Na plateia, um bolsonarista provocou “e a Lei Rouanet?”. Nesse momento, o cantor convidou o espectador para subir ao palco e explicar aos presentes o que significa essa lei, mas o homem não aceitou.

FRASES DA SEMANA

“Em momento algum as Forças Armadas têm participado de política. Temos tido uma atuação conjunta, dedicada e permanente, com o Estado Maior e os três comandantes, para que nossas atividades sejam voltadas para dentro das Forças”. (José Múcio Monteiro Filho, ministro da Defesa)

“As big techs ultrapassaram todos os limites da prudência. Se é possível comparar, é como se tivessem impedido o funcionamento de um Poder.” (Arthur Lira, presidente da Câmara, sobre a votação do projeto de lei contra as fakes news, adiada por pressão das plataformas digitais)

“A regulação [das plataformas digitais] é inevitável, o que precisamos acertar é a dose do remédio. Há um subproduto grave: a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio, das teorias conspiratórias, da destruição de reputações”. (Luís Roberto Barroso, ministro do STF)

“A questão da misoginia, do machismo e do patriarcado não é um problema de direita, é da sociedade. O machismo e a misoginia estão colocados em todas as esferas que nós vivemos”. (Cida Gonçalves, ministra das Mulheres).

“Não tem outro responsável pela invasão do Palácio do Planalto [em 8 de janeiro], ela é só do presidente Lula, que não soube escolher quem pôr no comando do Gabinete de Segurança Institucional”. (Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro)

“É cansativo demais ser mulher preta no Brasil. A primeira recomendação da companhia quando você embarca é não despachar eletrônicos na bagagem, e agora justificam a atitude racista justamente com isso? Absurdo! Queremos desculpas públicas à Samantha Barbosa!” (Ludmilla)

“Digo sempre que o político precisa aprender a se defender. Porque é normal criar a imagem de que todo político é ladrão. […] Agora, veja, que engraçado: eu às vezes acho que, se tem uma profissão honesta, é a do político. Ele pode virar ladrão porque ele é ladrão”. (Lula)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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