20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Golpistas em polvorosa

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 09/10/2022 9:28 - Victor Barone

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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O golpe que Bolsonaro planeja aplicar na democracia não passa mais pela recusa em aceitar os resultados das eleições do dia 30 caso seja derrotado. Não haveria apoio político para tal nem dos militares, nem do Congresso. O golpe passa por sua reeleição.

Em 2018, enquanto Bolsonaro convalescia da facada levada em Juiz de Fora, seu candidato a vice, o general Hamilton Mourão, apressou-se a ocupar o espaço parcialmente vazio deixado por ele à frente da campanha. Era desnecessário, mas o fez.

O espaço não estava vazio. Nunca se falou tanto de Bolsonaro como naqueles dias. Nem sempre um candidato é vítima de atentado às vésperas das eleições. Bolsonaro, como se veria mais tarde, fora dispensado de fazer qualquer coisa para se eleger.

Estava certo quando previu ao recobrar a consciência poucas horas depois da operação que o salvou: “Agora, é só administrar que já ganhamos”. Mas o general Mourão não sabia disso quando no dia seguinte à facada foi entrevistado pela GloboNews.

E, ali, cercado por jornalistas, sentindo-se à vontade, Mourão admitiu com naturalidade que, em situação hipotética de anarquia, poderia haver um “autogolpe” a ser dado pelo presidente eleito com o respaldo das Forças Armadas.

Eis parte do diálogo travado por ele com os jornalistas Heraldo Pereira e Míriam Leitão:

Heraldo: Mas não está na Constituição, a letra da Constituição não estabelece essa possibilidade, isso é uma possibilidade fora…

Mourão: Heraldo, toda missão tem que haver uma interpretação. O comandante, o item 1 do estudo de situação do comandante é interpretar a missão. E não é fácil.

Heraldo: Não existe interpretação, general, porque a letra, vamos tratar na literalidade da Constituição e o guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal (STF), que a interpreta.

Mourão: Só que a garantia dos poderes constitucionais não é por iniciativa de qualquer um dos poderes. A da lei e da ordem, sim.

Miriam: O senhor disse ontem em Porto Alegre que a democracia é o nosso bem maior. Eu quero entender melhor exatamente em que situação esse bem maior pode ser sacrificado na opinião do senhor.

Mourão: Exatamente, Miriam, quando há anarquia. Quando o país está em anarquia…

O general falastrão, sem a menor sutileza, expôs o que era para permanecer oculto. Sua intervenção desastrosa no processo eleitoral rendeu muita discussão, mas não foi capaz de abrir os olhos dos que não queriam enxergar o que estava por vir. E o que veio foi um presidente que, com apenas seis meses no cargo, defendeu o armamento dos brasileiros para que “jamais fossem escravos de ninguém”; e que em abril do ano seguinte, em comício à porta do QG do Exército em Brasília, diria: “Não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil. Chega da velha política! Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo país de vocês”. Foi delirantemente aplaudido por seus seguidores que exibiam faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura militar de 64, e gritavam palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Já pensou se Lula, em campanha, dissesse em qualquer parte o que disse Bolsonaro à porta do QG do Exército? “Povo no poder” era o grito da esquerda contra a ditadura. “Povo unido jamais será vencido” era o que a esquerda clamava em passeatas reprimidas.

O vice de Bolsonaro é agora o general Braga Neto, tão linha dura quanto Mourão, que nos últimos anos bancou o sensato e sonhou em suceder o ex-capitão expulso do Exército por indisciplina. Mourão elegeu-se senador pelo Rio Grande do Sul. E outra vez em entrevista à GloboNews, revelou o plano da extrema direita para subjugar o STF. Faz parte do roteiro aumentar o número de ministros, encurtar seus mandatos e restringir o alcance das decisões do tribunal. Manietá-lo, enfim.

Em entrevista à revista Veja desta semana, ninguém menos do que Bolsonaro avalizou a fala de Mourão: “Já chegou essa proposta para mim e eu falei que só discuto depois das eleições”. A ideia não é original. Em 1965, um ano depois do golpe militar que cancelou a democracia por 21 anos a pretexto de protegê-la do comunismo, o governo do general Castelo Branco aumentou o número de ministros do STF de 11 para 16.

De uma só vez, o general nomeou cinco ministros alinhados com o regime autoritário. Quatro anos depois, a ditadura cassou três ministros considerados independentes: Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima. O STF foi capturado. Os tanques fumacentos da Marinha não precisam desfilar na Praça dos Três Poderes se o governo de extrema direita de Bolsonaro ganhar mais quatro anos. O Congresso renovado no último domingo é o mais reacionário desde a redemocratização do país. Tudo se fará dentro das quatro linhas da Constituição como diz Bolsonaro, mas contra a Constituição em vigor. Não custa repetir: é por isso que essas eleições são sobre a democracia. O resto, com boa vontade, acabará se ajeitando.

Por Ricardo Noblat

INDIGNADO

Bolsonaro incorporou o “Jair Indignado”, na sexta (7), e, aos berros, acusando o ministro Alexandre de Moraes de interferir na eleição e atacando Lula e o PT. Já em uma live, na quarta (5), agiu como “Jair Preconceituoso” ao vincular os votos de Lula no Nordeste ao analfabetismo. No domingo (2), após o resultado das urnas, adotou um ‘Jair Paz e Amor’ ao dizer que entendia votos contrários a ele por conta da inflação.

Desde o início do seu governo, Bolsonaro tem apresentado diferentes narrativas dependendo do momento, do interlocutor e da plataforma, o que dá a impressão de que o presidente sofre com um transtorno de múltiplas personalidades. Mas o que parece consequência de psicopatia, na verdade, é resultado de método.

Diante dos seus fãs mais radicais, por exemplo, ele entrega o que querem ouvir, com teorias da conspiração e preconceitos. Na transmissão que realizou na quarta, levou à loucura um naco preconceituoso deles que culpa os nordestinos pobres pelos problemas do país. Tanto que, posteriormente, levaram o discurso de Jair às redes.

Ou seja, a suposta moderação de domingo já tinha ido para o vinagre naquele momento uma vez que a agressividade de alguém não tem relação necessariamente com o seu tom de voz, mas com o conteúdo do que é defendido. E não é moderado um presidente que fomenta discriminação contra moradores de uma região.

Quando o objetivo é atingir o público feminino, ele se cerca de mulheres e evita falar palavrões e fazer comentários misóginos. Quando está fazendo comícios dentro de templos, não costuma defender a compra de armas de fogo e munições, pois sabe que essa pauta é repudiada pelos religiosos. Quando busca voto de centro, repete frases feitas sobre economia e a importância de proteger a família, mas evita dizer que é “imbroxável”.

Agora, encenando o “Jair Indignado” em uma coletiva à imprensa, ele criou um factóide e ganhou espaço gratuito na mídia, o que vale ouro neste segundo turno.Aproveitou para tentar convencer o Nordeste de que é ele e não Lula o responsável pelos programas de distribuição de renda e pela transposição das águas do São Francisco. E, nessa linha, tentou aumentar a rejeição do adversário, a quem chamou de “pinguço”, dizendo que ele é contra religiosos, militares, policiais e a família brasileira.

BOLSONARO USA O MESMO MÉTODO HÁ ANOS – É ATÉ CANSATIVO

A tática de diferentes discursos para cada público e ocasião foi largamente usada por Jair Bolsonaro durante a eleição de 2018 e, depois, empregada na pandemia de covid-19. Ele guardava, por exemplo, as maiores aberrações sobre a doença e o uso de remédios sem eficácia para suas lives, as conversas com o cercadinho de seguidores na porta do Palácio do Alvoradas e os comícios em locais onde é popular. Ele não diria em um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, quando era mais sutil, o que falou em um comício em São Simão (GO), em 4 de março de 2021. Diante das mortes pelo coronavírus, afirmou: “Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.

Há uma parcela da elite brasileira que ainda acredita ser capaz de domesticar Jair Bolsonaro, apesar de ele já ter provado que não tem apreço pelas instituições e que não vai abandonar um jogo perigoso de aproximações sucessivas, com ataques e recuos à democracia. Essa fé de domesticação move montanhas se for para derrotar Lula. Nos ataques, essa parcela fica indignada e surpresa. Nos recuos, celebra a “mudança de opinião”, confiante que o capitão foi contido, torcendo publicamente para que ele continue “moderado”.

A ficção decorre de uma antiga crença de uma parcela dos liberais que apostavam, desde as eleições de 2018, que seria possível colocar uma focinheira em Jair Bolsonaro. Ou seja, que o “Posto Ipiranga”, o “czar da economia”, o “todo-poderoso das contas públicas”, Paulo Guedes, domaria o capitão. Com o tempo, quem terminou como poodle do presidente foi Guedes.

A verdade é que uma parte do mercado financeiro, bem como da elite brasileira, nunca esteve preocupada com a proteção da democracia, mas com a liberdade para poder ganhar mais e mais rápido, inclusive passando por cima de regulações que preservam direitos sociais, trabalhistas e ambientais. Acreditavam realmente que seria possível reeditar algo como o período Augusto Pinochet, no Chile, com o neoliberalismo andando de mãos dadas com um governo autoritário. Nesse sentido, se Jair matasse ou desmatasse, tudo bem, desde que não atrapalhasse os negócios.

Em 7 de setembro de 2021, ele atacou ministros do Supremo Tribunal Federal, mas contou até com a ajuda de Michel Temer para escrever uma cartinha que mostrasse que havia mudado. Novamente, houve quem celebrou a falsa moderação. Essa tática tem limites, claro. Afinal, segundo o Datafolha, 46% nunca confiam no que diz o presidente e 28% confiam sempre nele – o que não é pouco, mas não gera vitória eleitoral. Mas seria saudável pararmos de falar do “Jair Moderado”, uma abstração tão grande quanto o ET de Varginha e o Lobisomem de Joanópolis. O padrão bolsonarista é a virulência que vimos nesta sexta, na coletiva à imprensa. É a situação em que ele está mais soltinho e feliz.

Por Leonardo Sakamoto

MAIS PRECONCEITO

Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra um jovem negro não identificado algemado e levado por um policial militar na cidade do Novo Gama (GO), que fica no Entorno do Distrito Federal. No vídeo, enquanto o jovem é levado pelo agente de segurança, ouve-se: “Vai gritar Lula lá na África agora”. Não é possível identificar quem fez a afirmação. O responsável pela gravação ainda comenta: “Foi preso o molequinho. Olha como é aí, o bagulho aqui é doido”.

Nas imagens, também é possível ver integrantes da Guarda Civil Municipal (GCM) do Novo Gama acompanhando a ocorrência. De acordo com a própria Polícia Militar de Goiás (PMGO), o caso teria ocorrido no último dia 2 de outubro, dia do primeiro turno das eleições, mas as imagens só repercutiram mesmo nesta quinta-feira (6).

Em nota, a PM-GO informou que, assim que tomou conhecimento do fato, determinou a abertura de um procedimento administrativo para apurar a circunstância do caso. Além disso, informou que afastou o policial militar das suas atividades operacionais até o final das apurações. “A Polícia Militar de Goiás reitera que não compactua com nenhum tipo de conduta contrária aos preceitos das leis“, destacou a corporação. A PM-GO, no entanto, não informou se o jovem chegou a ser preso ou foi liberado.

VOZ DO POVO

O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi recebido com vaias na noite de terça-feira (4), por profissionais de saúde do Hospital das Clínicas, na capital paulista. Desde o fim da tarde, manifestantes aguardavam a chegada do presidente em frente ao Instituto Central do HC, na Zona Oeste. Eles fizeram críticas pelo fato de Bolsonaro não ter feito visitas a pacientes com Covid-19 durante as piores fases da pandemia, nem valorizado a atuação dos trabalhadores da saúde no período. Com cartazes que citam a condução do governo na pandemia, os profissionais da saúde gritavam: “Olha a covardia, por que não veio na pandemia?”, “Bolsonaro, pode esperar, a sua hora na cadeia vai chegar” e “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”.

MACHONARIA

Assunto dos mais comentados na semana, um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro aparece em uma loja da maçonaria trouxe indignação aos bolsonaristas religiosos, especialmente evangélicos. Mais preocupados com a religião e costumes do que com problemas concretos e objetivos do país, como a fome, o desemprego, a crise econômica e a má gestão da pandemia de covid-19, que em números oficiais matou perto de 690 mil brasileiros, bolsonaristas foram às redes associar o presidente e a maçonaria ao satanismo. E alguns até demonstraram arrependimento pelo apoio ao candidato à reeleição pelo PL.

FASCISTAS ASSANHADOS

Em conversa realizada em grupo de WhatsApp de conselheiros da OAB-MG obtida pela coluna de Malu Gaspar, no jornal O Globo, o conselheiro federal Eliseu Marques defende chamou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “bandido” e defendeu o fuzilamento do petista e de “outros que deveriam ter o mesmo fim”. “Este bandido tinha que ser fuzilado a exemplo de outros que deveriam ter o mesmo fim”, escreveu o conselheiro no grupo que tem cerca de 160 membros, todos integrantes da OAB. O administrador do grupo, segundo a coluna, seria Sérgio Leonardo, presidente seccional da OAB mineira.

A declaração teria sido motivada pela afirmação de um outro participante do grupo sobre o Brasil “virar Cuba” após uma vitória petista nas eleições. A troca de mensagens teria sido recebida com estranheza pelos demais membros do grupo. Outro membro teria recomendado que ao invés de falar ao seleto grupo, os conselheiros bolsonaristas gravassem um vídeo nas redes sociais mostrando-se publicamente na defesa das ideias em questão. A fala faz alusão a postagem da vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB em Uberlândia (MG), em que atacou nordestinos pelo voto em Lula. Ela pediu licença do cargo após a repercussão do episódio. A crítica não caiu bem no grupo e, com o caos instalado, o administrador bloqueou o envio de mensagens por tempo indeterminado.

FRASES DA SEMANA

“Houve muito menosprezo. Até hoje o Bolsonaro não me segue no Instagram. O Carlos, o Eduardo, os filhos dele, também não me seguem. O Arthur Lira, o Rodrigo Pacheco, também não. São sinais. Quase nenhum ministro me segue”. (Cláudio Castro, governador do Rio, reeleito)

“Ninguém é dono do voto de ninguém. O eleitor pode votar numa pessoa no primeiro turno e no segundo mudar o voto. O voto não é mercadoria”. (Bolsonaro, em um raro momento de lucidez)

“[Se Bolsonaro] perder pode afirmar que ganhou e instar seus partidários a saírem às ruas. Um segundo mandato para um homem assim seria ruim para o Brasil e para o mundo. Somente Lula pode evitá-lo”. (Editorial da revista inglesa The Economist, a bíblia do capitalismo mundial)

“Minha posição é Lula. Evidente que o partido tem que discutir alguns pontos com a equipe dele, mas o que está em jogo para nós é a democracia e a democracia acima disso tudo.” (Tasso Jereissati, senador, ex-presidente nacional do PSDB)

“O Lula com 76 anos é uma ilha cercada num oceano de extrema direita, direita e conservadorismo. Tira o Lula para combater o Bolsonaro e o que sobra?” (Octavio Guedes, jornalista)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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