20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Evangélicos à beira de um ataque de nervos

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 14/10/2022 4:20 - Victor Barone

Divulgação

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Não é que Damares Alves tenha mentido sobre as monstruosidades que disse ter constatado na ilha do Marajó, no Pará. A ex-ministra da Mulher, senadora eleita pelo Distrito Federal e pastora apenas colocou em circulação um tipo peculiar de fato. Ela pronunciou verdades meio pastosas e inteiramente desdentadas. Nada poderia ter soado mais falso. Pregando num culto evangélico, em Goiânia, Damares relatou um suposto caso de tráfico de criancinhas brasileiras de até quatro anos para o exterior.

Na quinta-feira (13), numa entrevista concedida à rádio Bandeirantes, Damares foi convidada a esclarecer as denúncias. Modulou a prosa: “Isso tudo é falado nas ruas do Marajó”. Antes dizia dispor de “imagens” dos crimes. Súbito, as supostas provas viraram um grande tititi. “Essa coisa de que as crianças quando saem, saem dopadas, e seus dentinhos são arrancados onde elas chegam, a gente ouve nas ruas, na fronteira.”

O relato anterior de Damares, feito em timbre escatológico, a descrição foi gravado. Alheia à presença de menores no templo, a pastora disse que as crianças traficadas “comem comida pastosa para o intestino ficar livre na hora do sexo anal“.

Mais: “Quando cruzam as fronteiras, sequestradas, têm os seus dentinhos arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”. Pior: segundo a nova senadora, houve uma explosão de estupros de recém-nascidos. “Nós temos imagens, lá no ministério, de crianças de oito dias sendo estupradas”, disse ela.

O arquipélago paraense do Marajó é habitado por brasileiros muito pobres. A exemplo do que ocorre em outros pedaços desassistidos do mapa do país, há exploração sexual nos municípios da região, inclusive de menores. Mas nenhum órgão estatal havia recebido denúncias como as relatadas por Damares. Nada no Ministério Público estadual ou federal. Nem sinal nas polícias civil e federal. Requisitaram-se informações ao ministério. Necas…

Damares mente a serviço do comitê da reeleição. Tornou-se mascate espiritual da campanha de Bolsonaro. Vai de igreja em igreja com a primeira-dama Michelle a tiracolo. No final de semana, fará companhia ao próprio Bolsonaro, numa viagem à Bahia. No culto goiano da escatologia, Damares deu a entender que Bolsonaro estava ciente das perversões do Marajó. Disse ter ouvido do presidente o compromisso de buscar as criancinhas desdentadas onde elas estivessem.

Adicionando um crime eleitoral à sua denúncia vazia, Damares exortou os fieis a pedirem votos para Bolsonaro. “Irmãos, pelas crianças, precisamos nos levantar. Vocês têm que sair daqui hoje, pegar o WhatsApp… Goiás já deu uma votação expressiva a Bolsonaro, mas o papel de vocês não se limita a Goiás. Falem com os parentes fora de Goiás, falem com todo mundo. Orem. É guerra”, ela declarou. Como ocorre em qualquer guerra, na cruzada político-religiosa de 2022 a verdade é a primeira vítima. A conversão de templos em trincheiras políticas sacrifica também a espiritualidade e a democracia.

Por Josias de Souza

ÓDIO NÃO COMBINA COM RELIGIÃO

O presidente Bolsonaro (PL) demonstrou na quarta-feira (12) que é uma figura que usa a religião para fins eleitorais e que mente ao dizer que respeita as diferenças ou de que está arrependido de algo violento que tenha dito no passado. Prova disso é que, durante a sua passagem por Aparecida (SP), cidade que nesta quarta-feira recebe fiéis do país inteiro por conta do dia da Nossa Senhora Aparecida, ao conversar com a imprensa defendeu a família heterossexual e atacou a comunidade LGBT ao promover ódio contra transexuais e travestis.

Após dizer que respeita todas as religiões e “aqueles que não têm religião nenhuma”, Bolsonaro defendeu a família e atacou as LGBT. “Certas posições não são admitidas. Para nós, a família é um presente de Deus e nós devemos preservá-la”, disse. Em seguida, o presidente desferiu ódio contra travestis e transexuais. “Vocês sabem que o maior patrimônio para nós não são nossos bens materiais, são os nossos filhos. Nós não queremos uma filha nossa indo no mesmo banheiro da escola onde o moleque, homem, frequenta”, disse Bolsonaro ao claro ataque às políticas de promoção à identidade de gênero.

ATAQUES A JORNALISTAS

Um grupo de apoiadores que estava em Aparecida agrediu jornalistas da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, que estavam no local fazendo a cobertura.  A cena só não terminou em uma tragédia porque jornalistas da TV Aparecida, emissora oficial da Igreja Católica, protegeram os colegas.  Os momentos em que bolsonaristas tentam agredir um cinegrafista da TV Vanguarda foram captados ao vivo pela CNN Brasil, que no momento da confusão fazia link com um de seus repórteres que estava in loco para acompanhar a passagem do presidente Bolsonaro pela cidade paulista.  A confusão se alastrou pela cidade e parte dos trabalhos de homenagem à Nossa Senhora Aparecida, a padroeira que dá nome à cidade, tiveram que ser paralisados e os jornalistas resgatados e colocados em local com segurança – assista ao vídeo.

FANÁTICOS RELIGIOSOS

Um vídeo divulgado no Facebook pelo jornal O Vale, de São José dos Campos, mostra um grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) invadindo a sacristia da antiga basílica de Aparecida (SP) para promover achaques ao padre Camilo Júnior, que disse em homilia que o Dia de Nossa Senhora Aparecida é “um dia para se pedir benção e não votos”.  Em outro vídeo divulgado pelo jornal, apoiadoras acusam o Santuário de Aparecida de “censurar” a participação de Bolsonaro e atacam os padres.

CRISTÃOS DE VERDADE

O Arcebispo de Aparecida (SP), Dom Orlando Brandes, abriu a principal celebração alusiva ao Dia de Nossa Senhora Aparecida, no Santuário Nacional, na manhã de quarta-feira (12), com um novo sermão de tom político. Na homilia do ano passado, o líder religioso mandou indireta para Jair Bolsonaro (PL) ao criticar o que chamou de “pátria armada”. Já na missa deste ano, celebrou o direito ao voto e falou e “vencer dragões do ódio e da mentira”.

“Maria venceu o dragão, temos muitos dragões que ela vai vencer. O dragão que o tentador, o dragão que já foi vencido, a pandemia. Mas temos o dragão do ódio, que faz tanto mal, e o dragão da mentira e a mentira não é de Deus, é do maligno. E o dragão do desemprego, da fome, da incredulidade. Ah, com Maria, vamos vencer o mal e dar prioridade ao bem, à verdade e à Justiça porque o povo merece e ama Nossa Senhora Aparecida”, declarou.

Em outro trecho de seu discurso, Orlando Brandes se referenciou na passagem bíblica sobre o fato de Maria e José terem se alistado no recenseamento do Império Romano para incentivar o voto.

“Inscrever-se no Império, dar cidadania a Jesus. A sagrada família vivendo a cidadania, que nós vamos vivendo também votando, que é necessário exercer esse direito e poder do povo”, pontuou, dizendo ainda que “está faltando pão, faltando fraternidade”. “Esse é o vinho que precisamos nos dias de hoje”, sentenciou o arcebispo.

Bispo emérito residente da Diocese de Luz, dom Mauro Morelli afirmou nas redes sociais que Jair “Bolsonaro (PL) em Aparecida comportou-se como Agente de Satanás”, criticando o uso eleitoreiro do presidente e as agressões e balbúrdia promovida por apoiadores no Santuário de Aparecida nesta quarta-feira, 12 de outubro, durante as celebrações do Dia de Nossa Senhora Aparecida.

Aos 87 anos, dom Mauro reside em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, onde quer um centro inter-religioso de discussão sobre o meio ambiente e uma área dedicada à agricultura familiar. O religioso é um grande expoente na luta contra fome e a desnutrição materno-infantil no Brasil, tendo sido responsável por projeto como o Fome Zero e da Ação da Cidadania contra a Fome junto com Hebert de Souza, o Betinho. Dom Mauro foi membro do Comitê Permanente de Nutrição da ONU. Sua renúncia ao Governo Diocesano foi aceita em 30 de março de 2005, pelo Papa São João Paulo II, tornando-se bispo emérito.

EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

Se entre os evangélicos, o presidente lidera por 62% a 31% neste segundo turno (votos totais), junto aos católicos, Lula está à frente, com 55% a 38%, de acordo com o último Datafolha. O atraso no Censo dificulta saber qual a proporção exata de cada grupo na sociedade, mas o instituto trabalha com 53% do eleitorado sendo católico e 27%, evangélico. Apesar de minoria, o segundo grupo consegue se engajar mais fortemente que o primeiro.

Claro que católicos ultraconservadores sempre estiveram na base do bolsonarismo-raiz da mesma forma que há evangélicos que repudiam a hiperpolitização de púlpitos e a instrumentalização de Deus em prol das necessidades políticas do presidente da República. Mas, de uma maneira geral, Bolsonaro se esforçou para convencer que governava para os evangélicos, que – não sem razão – sentem-se esquecidos por governantes. E deu atenção a pautas de comportamento e costumes, importantes para parte desse eleitorado.

Contudo, evangélicos também comem – e a inflação insistente que jogou o preço dos alimentos nas alturas levou carestia para 33 milhões de evangélicos, católicos, espíritas, praticantes de religiões de matriz africana, ateus. Sim, a fome é laica. E isso repercute no voto. Afinal, para muita gente, mais importante que um presidente que seja ombudsman de bloco de carnaval é um que garanta comida na mesa.

Em nota divulgada na terça (11), a CNBB lamentou “a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno”. E criticou o sequestro de eventos religiosos para esse fim, dizendo que “não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições”.

A nota pede “um país mais justo, fraterno e solidário”. Para traduzir o que isso significa, nada como uma citação atribuída a um gigante, Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que também lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres – opção preferencial da Igreja Católica posta pelo Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João 23. “Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista”, disse Câmara. Notam alguma semelhança com o que vivemos hoje?

Ele e o também já falecido Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), ensinaram que ser solidário não é praticar uma forma distorcida de caridade, como uma política de distribuição de sobras – o que consola mais a alma dos ricos do que o corpo dos pobres.

Mas que solidariedade passa por reconhecer no outro e na outra seus semelhantes e caminhar junto a eles. Ou seja, não é doar migalhas, mas compartilhar o pão, produzido com diálogo e respeito. “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”, assumiu Pedro como lema de vida.”Nada matar.” Tão simples e tão poderoso é o sexto mandamento presente em Êxodo, capítulo 20, versículo 13. O presidente precisou ir a Aparecida para mostrar que se importa. Bastaria, na verdade, ter abraçado a vida em seu governo. Mas essa conversão já seria um milagre.

Por Leonardo Sakamoto

MAIS ATAQUES AO SUPREMO

Bolsonaro testa suas teses controversas mais ou menos como quem joga barro na parede. Se colar, colou. Quando pega muito mal, como no caso da elevação da composição do plenário do Supremo Tribunal Federal, faz um recuo tático. De passagem pela cidade gaúcha de Pelotas, disse não ter dito o que todos sabem que declarou. “Vocês que inventaram isso”, desconversou, ao ser abordado por repórteres. Na verdade, Bolsonaro sonha em obter maioria na Suprema Corte desde a campanha passada.

DESCONTROLADO

O descontrole do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante entrevista no último dia 7, no Palácio da Alvorada, berrando ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e ao ministro Alexandre de Moraes, deixando de lado o estilo “paz e amor”, teve um motivo. De acordo com integrantes da campanha e aliados, o presidente ficou enfurecido com os ataques sofridos nas redes sociais pela militância petista nas redes. Uma das principais razões foi a reedição da entrevista que ele deu ao The New York Times em 2016, na qual ele diz que “comeria um índio sem problema nenhum”.

TIA CÁSSIA

Em vídeo divulgado pelo Centro Dom Bosco, instituto de leigos ligados a setores ultraconservadores do catolicismo, a atriz Cássia Kis, vestida à lá Handmade’s Tale, pede oração contra a “ameaça comunista”.

GENTE DE BEM

Durante os jogos do Intermed RJ-ES, que reúne turmas de medicina do Rio de Janeiro e do Espírito Santo em competições diversas, alunos da UNIG (Universidade Iguaçu) foram filmados cantando para a equipe adversária: “Ei, eu sou playboy, não tenho culpa se seu pai é motoboy”. Além deste canto, os estudantes também gritavam: “meu dinheiro não acaba”, em provocação aos adversários.

Após a repercussão negativa, a prefeitura de Vassouras (RJ), onde o evento foi realizado, afirmou que baniu os estudantes da Unig (Universidade Iguaçu) e multou a instituição de ensino do campus de Itaperuna (RJ). A informação foi dada pelo prefeito Severino Dias (DEM) em publicação nas redes sociais. O valor da multa não foi detalhado, mas o mandatário informou que o dinheiro será revertido na compra de uma moto, que será sorteada entre os motoboys de Vassouras.

FRASES DA SEMANA

“Posso nem sempre usar palavras certas, mas o que eu desejo é o mesmo que você: viver com dignidade, andar na rua sem medo, garantir o sustento das nossas famílias. Se as minhas palavras estão te impedindo de fazer a escolha certa, eu, humildemente, te peço perdão”. (Bolsonaro)

“Bolsonaro usa o nome de Deus em vão. Essa semana foi escorraçado no Círio de Nazaré porque queria fazer campanha. E hoje [ontem] seus apoiadores arrumaram briga em Aparecida do Norte, porque foram tirar proveito da religião.”. (Lula)

“Quem conhece Bolsonaro como eu vota em Lula. Minha mulher diz que preciso subir a escada da Penha 50 vezes. Como não tenho disposição, acho que não é mais o momento de voto nulo ou branco. Meu lado agora é Lula”. (Paulo Marinho, empresário, suplente do senador Flávio Bolsonaro)

“Tem um cidadão que promete aumentar o número de membros da Suprema Corte na perspectiva de torná-la favorável a ele. Eu tive a sorte de indicar 6 ministros da Suprema Corte e nenhum era meu amigo. […] Tenho orgulho de ter indicado 6 e nunca ter pedido um favor”. (Lula)

“Ao entrar no governo, a primeira coisa que fiz foi reduzir a dívida pública de 60,5% do PIB para 37%. Trouxe a inflação de 12% para 4,5%, o centro da meta. Geramos, em 13 anos, 22 milhões de empregos formais. Pagamos a dívida com o FMI e lhe emprestamos 15 bilhões”. (Lula)

“Diante de ataques à democracia, do ódio estimulado entre as pessoas, tenho absoluto desprezo pelo governo que está aí. […] Então me sinto moralmente obrigado a me manifestar”. (Jorge Chastalo Filho, agente federal e ex-carcereiro de Lula, que declarou seu voto nele)

“Esse país não pode votar em quem não derramou uma lágrima pelas 680 mil pessoas que morreram da Covid, por uma mãe ou um avô que morreu. Ele poderia ter salvado 400 mil vidas, mas resolveu brincar com a pandemia. Temos que tirá-lo de lá e pôr alguém que goste do povo”. (Lula)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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