20/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Ele não odeia as mulheres, ele as teme

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 02/09/2022 12:05 - Victor Barone

Divulgação

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A pesquisa Datafolha divulgada ontem questionou os eleitores em quem eles não votariam nas eleições de outubro. Bolsonaro segue sendo o candidato mais rejeitado: 52% dos entrevistados responderam que não votariam no atual presidente. Em seguida no índice de rejeição aparecem Lula (39%) e Ciro (24%). O problema maior para Bolsonaro é que sua rejeição pelas mulheres saiu de 53% para 55%. Nos últimos dias o presidente foi acusado de machista no debate e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, apareceu intensamente na propaganda de rádio e TV. Na rejeição do eleitorado feminino, ele registra 20 pontos a mais que seu principal adversário, Lula, que passou de 34% para 35%.

Considerando que Jair protagonizou cenas de machismo explícito contra a jornalista Vera Magalhães (disse que ela “dorme pensando nele” e tem por ele uma “paixão”) e a senadora Simone Tebet (ele reclamou de “vitimismo”) no debate presidencial do último domingo, a estagnação saiu barata para o presidente.

A campanha de Bolsonaro está tentando consertar o estrago reforçando a primeira-dama no horário eleitoral de rádio e TV. Ela, que já vinha sendo escalada para convencer as eleitoras de que o marido “gosta das mulheres”, passou a trabalhar dobrado.

Na quinta, pouco tempos antes do novo levantamento Datafolha ser divulgado, em sua live semanal nas redes sociais, o presidente fez uma piada machista, afirmando que notícia boa para mulher é “beijinho, rosa, presente, férias”, antes de falar da queda da taxa de feminicídio.

Por Leonardo Sakamoto

MUITA GRANA

Há quatro anos, em entrevista à Folha de S. Paulo sobre a evolução do seu patrimônio, Bolsonaro negou que usasse dinheiro vivo em transações. Foi quando disse: “Levar em dinheiro e pagar? Geralmente é DOC. Levar em dinheiro não é o caso. Pode ser roubado. Tira do banco direto e manda para lá. Eu não guardo dinheiro no colchão em casa”.

Aproveitou para ironizar a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que havia declarado na eleição de 2014 possuir R$ 152 mil em espécie: “Eu não guardo dinheiro no colchão em casa. Tem muita gente que declara. Até a Dilma disse que declarava uns cento e pouco mil dentro de casa. Eu nunca declarei isso aí.”

Reportagem do UOL mostra que, desde os anos 1990 até os dias atuais, Bolsonaro, irmãos e filhos compraram 107 imóveis, pelo menos 51 com dinheiro vivo; algo como R$ 13,5 milhões.

E o que ele disse a respeito? Disse: “Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel?

Você se sentiria seguro em guardar tanto dinheiro em casa? Ou em sair com muito dinheiro para ir pagar um imóvel que comprou? Não seria mais seguro fazer uma transferência bancária? Por que guardar tanto dinheiro em espécie se, aplicado em banco, ele poderia render? Só se for para esconder a origem do dinheiro. E por que escondê-la? Não foi dinheiro ganho licitamente? A família rachadinha deveria se explicar. Pagar algo em dinheiro vivo, mesmo que custe caro, não é crime, mas suspeito é.

Por Ricardo Noblat

Quando um político diz que ficou rico pelo trabalho duro, convém perguntar: trabalho de quem? A prosperidade da dinastia Bolsonaro é um desafio à paciência dos contribuintes que suam a camisa para entregar compulsoriamente ao Estado parte do fruto do seu esforço. Em três décadas, o clã presidencial adquiriu 107 imóveis. Em quase metade das transações (51) o pagamento foi feito —total ou parcialmente— em dinheiro vivo. Em valores atualizados, o montante pago em moeda sonante foi de notáveis R$ 22,6 milhões. Repetindo: mais de R$ 20 milhões em grana viva.

No mundo dos negócios convencionais, o pagamento de montantes expressivos costumava ser feito em cheque ou, mais recentemente, por meio de transferência bancária eletrônica. Ninguém sai pelas ruas carregando malas de dinheiro, a menos que esteja envolvido em alguma transação ilícita. Em pelo menos 25 casos, as transações imobiliárias da primeira-família resultaram em investigações do Ministério Público. Entre eles a casa do presidente num condomínio na Barra da Tijuca, no Rio, e a mansão do primogênito Flávio, em Brasília. Não há vestígio de punição.

Dias atrás, falando a um podcast, Bolsonaro declarou que a prática da rachadinha é “meio comum”. Sustentou que, na política, “sobra pouca gente” que não aderiu a essa modalidade de peculato. Perguntou-se ao presidente se ele sobraria. O capitão disse o seguinte: “Não vou falar de mim. Sou suspeito para falar de mim.”

No momento, Bolsonaro percorre a conjuntura pedindo votos para permanecer mais quatro anos na Presidência. Chama Lula, seu principal adversário, de corrupto. Fala com a convicção dos entendidos na matéria. Ninguém deveria construir impunemente um patrimônio como o do clã Bolsonaro. Mas certos políticos amam tanto a pátria que se julgam no direito de morar no déficit público. Fazem isso protegidos por um pacto oligárquico que transformou o saque aos cofres públicos em algo trivial. Alguns ricos deveriam ter vergonha de ser ricos. Mas certos políticos jamais se envergonham de si mesmos, embora não lhes falte matéria-prima.

Por Josias de Souza

ESTELIONATO

Estelionato é o crime de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. É o que diz o famoso artigo 171 do Código Penal. Estelionato eleitoral é um conceito da Ciência Política utilizado para descrever os casos de candidatos eleitos com uma plataforma ideológica que, após a eleição, adotam outra, contrária. Em resumo: prometem fazer uma coisa e fazem outra.

O Auxílio Brasil de 600 reais mensais só será pago até dezembro, como está na lei aprovada pelo Congresso. No próximo ano, voltará a ser de 400 reais. Mas Bolsonaro tem dito e repetido que dará um jeito para continuar pagando 600 reais. Como, se não há dinheiro previsto para isso na proposta de Orçamento para 2023 que o governo enviará, hoje, ao Congresso? Segundo Bolsonaro, o governo venderá empresas estatais para cobrir o buraco. Quais empresas? Quando as venderá? Não sabe.

Por Ricardo Noblat

FOME? QUE FOME?

Bolsonaro revela um certo desapreço pelos brasileiros que carregam um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno. “Fome no Brasil? Fome pra valer? Não existe da forma como é falado”, declarou o presidente ao Ironberg Podcast. Estufando o peito como uma segunda barriga, o capitão falou como se fizesse uma dieta mental. “Se a gente for em qualquer padaria, aqui, não tem ninguém ali pedindo pra você comprar um pão pra ele. Isso não existe!”

Divulgado em junho, o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil revelou que 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome no país. No final de 2020, eram 19,1 milhões. Pesquisa feita pelo Datafolha também em junho revelou que 1 em cada 4 entrevistados disse que a quantidade de comida disponível em casa era inferior ao necessário para alimentar sua família.

O pior tipo de cego é o presidente que não consegue ouvir as lamúrias da fila do osso, os queixumes à beira das caçambas de lixo dos supermercados e restaurantes. Há uma desconexão entre os objetivos de Bolsonaro e a meta dos famintos.

Em campanha, o presidente esgrime o Auxílio Brasil para tentar demonstrar que tem coração. Os famélicos não sabem o que é coração. Para eles, o corpo humano é 100% feito de vísceras. O plano de Bolsonaro é obter a reeleição. O projeto de quem passa fome arranjar comida.

Bolsonaro quer mais quatro anos de Poder. O mundo do faminto cabe no intervalo entre uma refeição e outra. O relógio do estômago vazio só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar… O pragmatismo estomacal é implacável.

Bolsonaro diz que cumpre na Presidência uma missão divina. Vivaldino, não pede a Deus que seja feita a Sua vontade. Exige que o Todo-Poderoso aprove a sua vontade de permanecer no Planalto. O brasileiro faminto sonha com a morte. Pede a Deus que coloque no seu céu uma cozinha como a do Alvorada. Deseja uma fome de presidente, do tipo que pode ser saciada abrindo a geladeira. Há na alma de Bolsonaro uma inusitada mistura de ignorância pessoal com inanição mental. Essa combinação produziu o negacionismo da fome. Algo que magnifica a insaciável subnutrição mental do presidente da República.

Por Josias de Souza

MACHÃO DESMATADOR

Os ânimos nos bastidores do debate presidencial na Band, realizado na noite Do último dia 28, esquentaram. O ex-ministro bolsonarista do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por suspeitas de participação num esquema de contrabando de madeira, teve um chilique na antessala onde estão os convidados dos partidos. De dedo em riste, o seguidor radical de Bolsonaro (PL) partiu para cima do deputado André Janones, assessor responsável pelo comando das redes sociais da campanha de Lula (PT). Tresloucado e fora de si, Salles gritava “seu bosta” para Janones, tentando ir para cima do parlamentar da cúpula da candidatura do ex-presidente.

BOLSONARO.COM.BR

Responsável por transformar o site bolsonaro.com.br em uma “galeria” para expor o fascismo de Jair Bolsonaro (PL) e de seu clã – em um vacilo do “estrategista de redes” Carlos Bolsonaro (PL-RJ) – Gabriel Baggio Thomaz conta, em entrevista à Veja, que encontrou o domínio disponível em 2021 durante uma pesquisa no site registro.br, plataforma que gerencia páginas com o endereço .br. “Eu nem acreditei, mas estava lá”, disse, antes de revelar que adquiriu o domínio em um leilão feito pelo site de registros, com lance inicial de R$ 40.

Thomaz afirma ainda que viu informações na Folha de S.Paulo de que o domínio pertencia anteriormente a uma empresa do Distrito Federal e era usado pelo falecido capitão do Exército Jorge Francisco, ex-assessor de Bolsonaro na Câmara e pai de Jorge Oliveira, que foi alçado pelo presidente ao Tribunal de Contas da União (TCU). Thomaz disse que teve interesse no domínio por ver um “potencial de comunicação grande”, entrou o leilão realizado em janeiro e tentou um lance, acreditando que seria muito baixo diante das cerca de 20 pessoas que participaram.

No entanto, o filósofo, de 29 anos, foi contemplado após o primeiro lance não pagar o valor ofertado em tempo hábil – ele não revela quanto ofereceu e pagou para ficar com o site. Ele conta que, desde então, não foi procurado por nenhum político e muito menos pelo clã Bolsonaro – para quem garante que não venderia o domínio.

Em agosto, resolveu ativar o site como “uma galeria de arte digital e acervo jornalístico relacionado à família Bolsonaro”, com críticas a política fascista de Jair Bolsonaro.

Alvo de processo e diante de eventual investigação da Polícia Federal, Thomaz garante, no entanto, que não faz nada de ilegal.  “Eu estou exercendo a minha liberdade de expressão e fazendo uso da minha propriedade privada”, afirmou, repetindo o mantra bolsonarista.

Sem revelar a posição política, o filósofo diz que tem problema de delimitar a própria ideologia, mas sabe que é anti-Bolsonaro. E que pretende deixar o site no ar durante as eleições com um propósito.

“Eles têm essa estratégia do medo, mas é importante a sociedade civil se manifestar. Não podemos tolerar nenhum tipo de golpismo. A mensagem era muito importante, tinha de ser dita. A gente não pode ficar quieto”.

FRASES DA SEMANA

“Bolsonaro enviou ao Congresso o orçamento de 2023 sem o auxílio de 600 reais a partir de janeiro. Mas garantiu 19 bilhões para as emendas secretas, quase 40% do que seria necessário para manter o auxílio aos mais pobres. É o governo da mentira”. (Geraldo Alckmin, vice de Lula)

“Eu sou o único cara condenado por ser inocente. É proibido eu ser inocente. Porque, com todas as decisões favoráveis a mim, ainda tem gente que fala “mas você não foi inocentado”. Então, eu sou um cara condenado por ser inocente.” (Lula)

“Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel?” (Bolsonaro, cuja família, parte dela investigada por rachadinha, comprou 51 imóveis de 1990 para cá sempre pagando com dinheiro em espécie)

“A senhora diz que não viu esse país que eu falei acontecer. Seu motorista viu, seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu. O pobre no país vai voltar a ser respeitado”. (Lula, em resposta à senadora Soraya Thronicke, União Brasil, no debate da Band)

“Não vi o presidente da República pegar a moto dele e ir a um hospital dar um abraço em uma mãe que perdeu um filho na pandemia.” (Simone Tebet, MDB)

“Passamos momentos difíceis com a pandemia e com a guerra, mas o Brasil emergiu. Hoje, os números da nossa economia são os melhores do mundo. E o mundo olha cada vez mais para nós. O mundo sem o Brasil passa fome”. (Bolsonaro, que não explica por que há brasileiros com fome)

“O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do Triplex e anulou também outras ações por ter considerado a vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”. (William Bonner)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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