09/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Ela é joia…

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 06/03/2023 11:16 - Victor Barone

Divulgação

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A Polícia Federal e o Ministério Público Federal iniciam nesta segunda-feira investigações sobre o escândalo das joias sauditas. A nova encrenca é estrelada por Michelle e Jair Bolsonaro. Os diamantes realçaram o brilho radioativo da dupla. O caso cintila num instante em que o ex-primeiro casal se reposiciona no palco. Bolsonaro diz na Flórida que sua “missão” não está encerrada. Michelle se equipa para percorrer o país como missionária do PL Mulher. Eles acham que merecem a atenção do país. Agentes da PF e procuradores avaliam que merecem interrogatório. Ambos devem ser chamados a depor no curso do inquérito.

Do ponto de vista político, o estrago já é notável. A imagem imaculada que Michelle tenta construir tornou-se uma pose com pés de barro. Ficou ainda mais difícil ouvir Bolsonaro falar em Deus, pátria e família sem reprimir um sorriso interior. Tudo cheira mal. Presentes valiosos oferecidos por países amigos ao presidente brasileiro são registrados em formulários com muitas vias, entram no Brasil como bens da União isentos de impostos e são incorporados ao acervo da Presidência.

Os mimos milionários que a Arábia Saudita enviou para o casal Bolsonaro percorreram os atalhos da informalidade. Desembarcaram no Brasil sem registros formais, camuflados na bagagem de assessores do então ministro Bento Albuquerque. Na alfândega, tomaram a fila dos que não têm “nada a declarar” ao Fisco. Os presentes de Bolsonaro .—relógio, caneta, abotoadura, anel e terço islâmico— escaparam ao controle. O pacote destinado a Michelle, com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, foi retido pos fiscais da Receita.

Pilhados pelo aparelho de raio-x, intermediários e autoridades comportaram-se como moleques que brincam na lama depois do banho. Despejaram conversa mole em comunicados oficiais como se jogassem barro nas paredes. Se colasse, as joias teriam virado patrimônio privado dos Bolsonaro. Como não colou, os presentes viraram caso de polícia. Mais um. Bolsonaro e seus operadores conseguiram dar aos presentes sauditas uma aparência de suborno.

Por Josias de Souza

ESCRAVOS

O Brasil pode redigir a Constituição e as leis que quiser. Por mais liberais e igualitárias que elas sejam, sempre haverá pessoas que arranjarão maneiras de escravizar outras pessoas. Na penúltima irrupção escravocrata exposta nas manchetes, o país ficou sabendo que 207 brasileiros foram explorados como servos por três vinícolas gaúchas —Aurora, Garibaldi e Salton— que contrataram mão de obra terceirizada para a colheita e o manuseio das uvas.

No ano passado, mesmo submetidos à má vontade do governo Bolsonaro, os fiscais do trabalho libertaram 2.575 pessoas exploradas como escravos. Atingiu-se, então, a marca constrangedora de 60.251 trabalhadores resgatados desde que Fernando Henrique instituiu os grupos de fiscalização.

SUL MARAVILHA

O vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul (RS), relativizou o escândalo dos mais de 200 trabalhadores – a maioria da Bahia – resgatados em situação análoga à escravidão em uma empresa terceirizada que oferecia mão de obra para as vinícolas Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi, em Bento Gonçalves (RS), e afirmou que os nordestinos, a quem ele se referiu como os “lá de cima”, seriam “sujos”, sugerindo que as empresas gaúchas do ramo contratem apenas argentinos.

Sob eminente rico de ser cassado e até mesmo preso, Fantinel foi às redes sociais para tentar se desculpar pela declaração. O bolsonarista chegou até mesmo a chorar e dizer que sua esposa está pensando em deixá-lo, numa tentativa de tentar comover a opinião pública.

A Câmara de Caixas do Sul (RS) contou com uma manifestação histórica liderada pelo movimento negro em solidariedade ao povo baiano e em protesto contra o vereador. A casa legislativa foi tomada por manifestantes pouco antes da sessão que aprovou, por unanimidade, pedidos de cassação do bolsonarista por conta da fala xenófoba contra trabalhadores vítimas do trabalho análogo à escravidão.

CALVO DO CAMPARI

O “coach” Thiago Schutz não gostou da sátira feita pela atriz Lívia La Gatto de um vídeo viralizado nas redes sociais no qual ele criticava uma mulher que teria oferecido uma cerveja enquanto ele bebia Campari.

Schutz ainda tentou consertar a fala misógina que virou piada:

A atriz fez uma sátira que deixou o coach nervoso:

Ao ver a sátira de La Gatto, o coach fez ameaças à integridade física dela. A atriz divulgou um print da mensagem que Schutz a enviou nos stories de seu perfil no Instagram.

Schutz exigiu que a atriz e roteirista apague o vídeo em que o ironiza: “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso processo ou bala. Você escolhe”, disse em mensagem privada pelas redes sociais da atriz.

Depois das ameaças, La Gatto registrou boletim de ocorrência e bloqueou Schutz no Instagram. A história que tem rendido bastante entre os internautas teve até uma reviravolta e apareceu um vídeo da mulher que teria oferecido cerveja para o “coach”:

Outra mulher que também criticou Schutz foi a cantora Bruna Volpi. Ela conta em um vídeo que o coach a procurou pelas redes sociais.

La Gatto não foi a única a zoar do “coach”:

As polêmicas não acabam por aí. Graças aos discursos misóginos do “calvo do Campari”, os detetives da internet fuçaram a vida do moço para descobrir o motivo de tanta raiva das mulheres. Eis que descobriram que ele levou um toco de uma pretendente no reality O Crush Perfeito, da Netflix, de 2020. No programa, seis pessoas mostram como elas agem durante um encontro às cegas.

Quando o reality foi lançado, Thiago, que no programa usou o sobrenome Schoba, foi acusado de “roubar” um livro escrito por uma jovem. “Quando eu tinha 15 anos fui roubada por esse cara, que é dono dessa editora (Nova Editorial). Ele publicou meu livro, e além de não me mandar o lucro, não enviou a obra para as pessoas que compraram. Agora, ele tá em uma série da Netflix”, dizia o post.

Quem é Thiago Schutz: Autodenominado escritor, palestrante e apresentador, o coach ganhou notoriedade por discursos machistas e chega a cobrar até R$ 2.500 por uma consultoria. Ele integra o grupo “red pill”, formado por homens misóginos que deturpam o conceito do filme Matrix (1999). Hoje, pílulas vermelhas e azuis, da trilogia Matrix, fazem parte do vocabulário da direita e da extrema-direita em todo o mundo. “Red pill” é termo onipresente em grupos masculinistas. No filme, o protagonista Neo (vivido por Keanu Reeves) ganha duas pílulas e tem de escolher qual tomar: a azul, que permite seguir  em um mundo de ilusões; ou a vermelha, para ganhar consciência sobre a realidade que o cerca. No vocabulário masculinista, os “red pills” seriam homens que se opõem ao “sistema que favorece as mulheres”, por terem alcançado um conhecimento privilegiado sobre isso. Já os “blue pills” continuariam vivendo em ilusão e, portanto, seriam usados pelas mulheres. Entre pílulas de várias cores, um detalhe irônico: as duas diretoras de “Matrix”, as irmãs Wachowski, são mulheres trans. Uma delas, Lilly, chegou a confrontar figuras públicas como Ivanka Trump, Elon Musk e até Abraham Weintraub pelo uso do termo “red pill” em apologia à extrema-direita.

O Grupo Campari, de origem italiana e que tem mais de 160 anos de existência, um dos maiores fabricantes de bebidas do mundo, emitiu uma nota oficial para se posicionar após um influenciador masculinista.

“O Grupo Campari, em razão dos últimos acontecimentos envolvendo o nome da companhia, vem a público informar que não tem, e nem nunca teve, nenhum tipo de relação, vínculo ou contato com Thiago Schutz. Campari se solidariza com todas as mulheres que foram envolvidas nesse caso de misoginia e ameaças, e rechaça veementemente toda atitude preconceituosa e violenta manifestada por este influenciador”, diz a nota da empresa multinacional.

FASCISTAS EM NOME DE DEUS

Foram três violações numa única entrevista. Falando à Folha, o deputado Eli Borges (PL-TO), novo líder da bancada evangélica, estuprou a Constituição, a lógica e a paciência alheia. Tudo em nome de Deus, da pátria e da família.

O estupro ao texto constitucional ocorreu no trecho da conversa em que o deputado disse não ter enxergado “nada de errado” no “clamor” bolsonarista por uma intervenção dos militares contra a eleição de Lula. Afinal, disse ele, “está muito claro” na Constituição que “as Forças Armadas exercem um papel de atender ao clamor popular”. Engano. As forças foram armadas para defender a democracia, não o contrário.

A violação à Carta Magna foi acrescida de um atentado à lógica no pedaço da conversa em que, após defender o “direito constitucional” dos golpistas de clamar por uma virada de mesa, o deputado enxergou “cristofobia” no enredo da escola de samba Gaviões da Fiel: “Em nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos”. Para ele, a escola confundiu liberdade de expressão com “libertinagem”. Subiu o tom: “Queremos respeito ao nosso culto”.

É como se o deputado enxergasse a respeitabilidade como uma espécie de leão-de-chácara espiritual. Na tabuleta do inciso 6º do artigo 5º da Constituição está escrito que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”. Mas Eli Borges acha que só as suas crenças têm direito de participar da celebração.

Identificado no perfil da Câmara como agropecuarista e pastor, o novo líder dos evangélicos abusou da paciência alheia ao defender que o Congresso modifique a legislação para proibir todas as formas de interrupção da gravidez. Hoje, o aborto é permitido no Brasil em três hipóteses, quando a gravidez é resultante de um estupro, quando há risco de morte para a mulher ou quando o feto for anencéfalo.

O deputado avalia que nem mesmo nos casos de estupro o aborto é aceitável. A certa altura, o pastor soou como porta-voz dos fetos: “Será que ela [a criança] também deveria falar no processo, dizendo: ‘Olha, não tenho culpa de nada, sou uma vida, tenho direito de nascer’? É importante pensarmos que tem essa figurinha lá, que a mãe emprestou sua barriga para que ela nasça.”

O que falta ao líder dos evangélicos é um encontro com alguém como a diarista aposentada Josefina Júlia dos Santos. Em 1997, Josefina ergueu a voz contra o então ministro da Saúde do governo FHC, Carlos Albuquerque. O doutor queria impedir que hospitais do SUS realizassem abortos. Josefina discordou. E expõe suas razões numa entrevista publicada na mesma Folha que abriu espaço para o deputado evangélico. Carlos Albuquerque conhecia o estupro de ouvir dizer. Josefina já havia encarado o flagelo de frente. Sua filha, deficiente mental, fora violentada em 1991. Grávida, teve de abortar num hospital do SUS. Josefina disse que a proibição defendida pelo ministro traria prejuízos apenas às mulheres pobres. “As que têm condições vão lá e fazem [o aborto] quietinhas”.

Espírita, Carlos engrossava o coro entoado por pastores como Eli Borges e bispos católicos. O ministro dizia que todo aborto é um assassinato. Católica, Josefina formulou indagações singelas: “Será que já teve um episódio desses com alguém da família deles? Será que alguém já viveu isso na pele? Eu vivi e sei como é. É muito difícil”.

Está cada vez mais difícil ouvir falar em Deus, pátria e família sem reprimir um sorriso interior. Sempre que alguém esbraveja a tríade predileta do fascismo e do bolsonarismo, uma voz no fundo da consciência avisa: “Farsante!” Tudo está tão impregnado de oportunismo que o Todo-Poderoso, debruçado sobre um parapeito de nuvens, deve recorrer de vez em quando ao célebre epíteto do Evangelho: “Raça de víboras!”.

Por Josias de Souza

BUNDÃO

Em live transmitida nas redes sociais direto dos EUA, Jair Bolsonaro (PL) repetiu o meme de uma foto feita por Bráulio Bessa que viralizou nas redes ao mostrar um homem com um cigarro na mão e uma garrafa de cachaça na mesa chorando ao som de uma dupla sertaneja. Na live, que inundou grupos bolsonaristas, Bolsonaro chora ao escutar o cantor sertanejo Rick – da dupla com Renner – cantar a música “Não Perca tua Fé”, que fala das agruras de um homem que teve uma “batalha perdida” e que é instigado: “não perca a tua fé”.

MASCATE

Eduardo Bolsonaro (PL-SP) surtou após o mais novo empreendimento privado do clã, uma loja online para vender produtos da família virar piada nas redes. O lançamento da “Bolsonaro Store” foi feito em um vídeo publicado pelo filho de Jair Bolsonaro (PL) nas redes e virou motivo de chacota por cobrar R$ 49,90 em um calendário de mesa com fotos de Bolsonaro. Detalhe: o produto está em oferta especial. Além do calendário, a lojinha online do clã cobra R$ 109,90 por uma tábua de madeira de 28 cm x 38 cm e R$ 69,90 por uma caneca de chopp, que pode ser parcelada em até 12 vezes no cartão de crédito.

Diante da repercussão, Eduardo Bolsonaro se revoltou e chamou os potenciais clientes de “idiotas úteis”.

04 NA MIRA

A Secretaria de Esportes e Lazer do Distrito Federal não recorreu de uma decisão judicial que derrubou o sigilo imposto a reuniões que a pasta manteve com Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 de Jair Bolsonaro, e o conteúdo dos encontros será divulgado.

MAMATA BOA

O brasileiro que ainda desfruta do privilégio de manter um emprego com carteira assinada costuma ralar pelo menos cinco dias e meio por semana. Os que estão na informalidade nem sempre podem se dar ao luxo de folgar no sábado à tarde e no domingo. Nesse cenário, a jornada de trabalho que os senadores acabam de se autoconceder transforma o Senado em algo muito parecido com o Éden.

FRASES DA SEMANA

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.” (Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, 1988)

“Por que que esse cidadão [Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central], que não foi eleito para nada, acha que tem poder de decidir as coisas? Não, ele só tem que pensar em como reduzir a taxa de juros para que a economia volte a funcionar; é isso que tem que fazer”. (Lula)

“Esse tal mercado tem que ter compreensão de que a bucha herdada não é pequena. Vamos recuperar o orçamento público do ponto de vista da despesa e da receita, e, segundo critérios do BC, reduzir a taxa de juros e retomar o crescimento”. (Fernando Haddad, ministro da Fazenda)

“O que ele fez? Saiu do Brasil, não entregou a faixa, foi covarde, não voltou até agora, não falou com ninguém e, quando falou, foi uma decepção”. (Roberto Justos, empresário bolsonarista de carteirinha, inconformado com seu antigo ídolo)

“Quem está no governo, infelizmente, tem se aproximado de ditaduras na América do Sul e fora também. Agora, vai fazer uma turnê pela África. Devemos sempre buscar, não desprezando os mais humildes, mas buscar países que possam nos oferecer alguma coisa.” (Bolsonaro)

“As Forças Armadas precisam ter claro que o seu papel é o de defesa do território nacional e da soberania, e não o de promover ações de repressão internas”. (Carlos Zarattini, deputado federal, PT-SP)

“Eu sempre digo que não existem duas agriculturas. Todos os homens e mulheres que têm vocação devem ter o direito a um pedaço de terra. É preciso cumprir um papel importante: acabar com o preconceito que existe neste país contra o MST”. (Carlos Fávaro, ministro da Agricultura)

“Deus não precisa ser defendido por ninguém. E não quer que seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas. Peço a todos que parem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego.” (Papa Francisco)

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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