09/05/2024 - Edição 540

Agromundo

Como Brasil quer impulsionar a agricultura com o Plano Safra

Banco Central proíbe empréstimos para fazendas com embargo no Cerrado

Publicado em 05/07/2023 10:12 - Fábio Corrêa (DW), Gil Alessi (Repórter Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Gov MS

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O governo federal anunciou, no último dia 28 de junho, o Plano Safra para o período 2023/2024. Com um aumento substancial dos recursos disponibilizados no ano passado, o programa deste ano também beneficiará produtores que adotarem práticas sustentáveis, além de prever linhas de crédito específicas para o investimento em armazenagem das colheitas – um dos gargalos da produção brasileira. Por outro lado, especialistas ouvidos pela DW citam a falta de atenção ao seguro agrícola como uma das falhas do Plano Safra atual.

O programa anual de incentivos à agropecuária brasileira por meio de linhas de crédito a juros menores que os praticados pelo mercado terá, nesta edição, uma oferta total de R$ 435,8 bilhões, 27% a mais que no período 2022/2023. Desse valor, R$ 364,2 bilhões são destinados à agropecuária empresarial – também 27% a mais que os R$ 287,15 bilhões do ano passado – e R$ 71,6 bilhões para a agricultura familiar, um aumento de 34% nos recursos disponibilizados.

Para a agricultura familiar, são juros de 3% ao ano para produção de orgânicos, 4% para a produção de alimentos e 5% para investimento em máquinas e equipamentos. Já a agricultura empresarial terá linhas de crédito para custeio, comercialização e investimentos que variam de 7% a 12,5% ao ano, dependendo do programa e da dimensão da produção.

Dos R$ 435,8 bilhões, o governo subsidiará R$ 13,6 bilhões de todo o crédito do Plano Safra 2023/2024, utilizando R$ 8,5 bilhões para equalizar as taxas aos agricultores familiares e R$ 5,1 bilhões para o setor empresarial. O crédito é disponibilizado por diversas instituições financeiras, com a principal delas sendo o Banco do Brasil, que financiará praticamente a metade do valor total do programa. Cooperativas de crédito, bancos regionais, a Caixa Econômica e o BNDES também anunciaram recursos.

Para Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV-EESP, embaixador especial da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) e ex-ministro da Agricultura no primeiro mandato de Lula, o montante disponibilizado no Plano Safra 2023/2024 é positivo, mas há gargalos.

“O setor cresceu muito, é muito grande hoje em dia, e é praticamente impossível colocar à disposição dele toda a demanda de recursos que ele tem. Dito isso, eu considero um bom valor. Não acreditava em um valor 27% maior que no ano passado, acho que é uma conquista do ministro [Carlos Fávaro]”, afirma Rodrigues, que, no entanto, vê os juros ainda como altos para a prática da agricultura.

“Tem uma vantagem, que não são mais altos que no ano passado, mas é uma atividade que tem dificuldade para juros acima de 4% ou 5%. É um setor que não tem essa margem”, explica ele, citando os médios produtores, que também se enquadram nos juros oferecidos à agricultura empresarial.

Estoques e armazenagem

O ex-ministro da Agricultura também vê como avanço o aumento nos recursos disponibilizados para a armazenagem de grãos, ponto reforçado pela economista Cristina Helena de Mello, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

“Parte dos silos e armazéns não são de agricultores nacionais, são de corporações internacionais. Oferecer recursos para que os fazendeiros possam construí-los internaliza um ganho que antes estava indo para fora, permite que essa agricultura faça uma gestão melhor de preços, ficando menos exposta à precificação”, explica Mello.

De acordo com dados da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, a cadeia produtiva brasileira perderá cerca de R$ 30,5 bilhões com a desvalorização de milho e soja por causa da falta de silos. Sem armazenagem, os grãos precisam ser vendidos, o que aumenta a oferta, reduzindo os preços e causando perdas aos produtores. O problema é ainda mais grave diante da previsão de safra recorde em 2023, com alta de 13,3%, segundo o IBGE.

Para 2023/2024, o Plano Safra terá um aumento de 81% para construção de armazéns de até 6 mil toneladas e de 61% para silos de maior capacidade. O valor total disponibilizado será de R$ 6,6 bilhões. “Nossa agricultura tem uma estratégia de comercialização da produção diferente de outros países, porque aqui a taxa de juros é muito alta e construindo silos de armazenagem o agricultor ganha tempo”, diz a professora da ESPM.

Para Cristina Helena de Mello, o Plano Safra é coerente com a atividade econômica. “Potencializa o crescimento, a geração de emprego, melhora o acesso a preços, a renda real. Vejo associado a isso uma possibilidade de esses recursos também terem impacto na indústria de máquinas e equipamentos, na indústria verde que apoie a tecnologia. Acho que está muito bem desenhado e endereçado”, resume.

Capacidade de impactar nos preços

Segundo o economista Lucílio Alves, pesquisador do centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea-Esalq) da USP, os recursos do Plano Safra voltados para a agricultura familiar mostram que o governo está dando opções para que características diferentes de produtores possam ter a capacidade de investir – desde o assentado, passando por recursos direcionados para a mulher que comanda o campo, e também para produtos orgânicos, agroecológicos e assim por diante.

Alves lembra que há iniciativas federais, como compras governamentais e aquisição de alimentos da agricultura familiar para cesta básica e refeições nas escolas que são importantes para evitar perdas no setor. No entanto, ele não vê um papel de regulação do governo como algo necessário – e até possível – por meio de mecanismos como os estoques de grãos.

“Não é papel do governo, o que tem que regular os preços internacionais são oferta e demanda internacional. Os preços no Brasil devem ser parâmetro. Se o preço internacional estiver melhor que o preço no Brasil, que se favoreça a exportação. Por outro lado, se está mais barato no Brasil, que os agentes possam ir lá e comprar”, diz. “Em momento de preço alto, é importante uma ajuda do governo para esses agentes, senão vão sofrer na mão de intermediários. Mas são questões pontuais”, afirma o economista da USP.

Ele lembra que o Plano Safra vem no sentido de possibilitar ao produtor condições de adotar tecnologias disponíveis e produzir ao menor custo possível. “Mas é importante que se tenha opções de gerenciamento de risco, para lidar com questões climáticas. No caso dos pequenos produtores, já há possibilidades. Mas para os médios e grandes é importante a opção do seguro, para variações climáticas adversas e variações de renda. É muito mais barato para o governo investir nesse tipo de ação que fazer alguma intervenção específica”, diz Alves, pontuando que há um cenário de incertezas, com secas no hemisfério norte que podem impactar nos preços e nos estoques.

Em abril, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) anunciou a liberação de R$ 1 bilhão para o seguro rural. Para Roberto Rodrigues, da FGV, esse valor ainda é insuficiente, e deveria ser três vezes maior. “É um defeito [do Plano Safra] que é preciso sanar, a inexistência de recursos de bom tamanho para o seguro rural”, conclui.

Banco Central proíbe empréstimos para fazendas com embargo no Cerrado

O Banco Central do Brasil publicou na última quinta-feira (29) uma resolução que veda a concessão de crédito rural para fazendas que possuem embargos ambientais em qualquer bioma. Na prática, a decisão amplia todos os ecossistemas brasileiros, uma medida que já era prevista para empreendimentos agrícolas localizados na Amazônia Legal.

O impacto mais celebrado por ambientalistas, entretanto, deve ser no Cerrado, onde o desmatamento do cresceu 25,29% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – e parte dessa destruição ocorre em fazendas cuja produção é financiada por bancos que se aproveitavam dessa brecha legal, como mostrou no ano passado a Repórter Brasil.

“É um passo importantíssimo para apertar os desmatadores onde dói mais: no bolso. Deve inibir infratores de invadir terra pública e pegar empréstimo em banco depois”, afirma Suely Araújo, especialista-sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. Mas ela destaca que para ser eficaz, a medida precisa ser combinada “com ações de incentivo a quem produz dentro da lei”.

O desmatamento do Cerrado em 2022 foi o maior registrado nos últimos seis anos, mas ao contrário do que acontece com a Amazônia, não reduziu com a mudança de governo e o fortalecimento de políticas de combate aos crimes ambientais. Apenas no primeiro trimestre deste ano, o desmatamento do bioma cresceu 35%, de acordo com informações do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado.

Além de ser a savana mais biodiversa do planeta e lar de animais em risco de extinção, como o lobo guará e o tamanduá bandeira, o Cerrado é conhecido como “o berço das águas” por abrigar as nascentes de importantes bacias hidrográficas brasileiras, tais como a Amazônica, a do rio São Francisco e a do Parnaíba.

A proteção do Cerrado e dos demais biomas brasileiros não é a única novidade da resolução. “A exclusão de imóveis sobrepostos a florestas públicas do crédito rural é fundamental. Era uma proposta antiga de especialistas, que enxergavam nesse processo a combinação de dois crimes: a grilagem e o desmatamento”, diz Beto Mesquita, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Mas existe um ponto da resolução que inspira preocupação: “Ela veda a concessão de crédito para imóveis que tenham sobreposição com terras indígenas, mas apenas as homologadas, que já passaram por todo o processo de titulação. E nós entendemos que as áreas que estão nas fases iniciais de demarcação também deveriam ter uma atenção maior”, diz Mesquita. “Esperamos que esse ponto avance nas próximas resoluções”.

Brechas no sistema

Em dezembro de 2022, a Repórter Brasil mostrou que três fazendeiros com embargos ambientais no cerrado haviam recebido R$ 8,7 milhões em financiamentos do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Estes produtores rurais desmataram milhares de hectares de mata nativa. Os produtos destas fazendas terminaram, inclusive, na cadeia produtiva de grandes traders do setor agropecuário.

À época, o BNDES afirmou que as instituições financeiras parceiras, que na prática operacionalizam o empréstimo, são as responsáveis pela análise e acompanhamento do uso do recurso até o fim do contrato – e em caso de descumprimento, elas podem ser penalizadas.

Mas mesmo a regra antiga – que vedava empréstimos a produtores que desmataram a Amazônia – não era cumprida totalmente, como revelado pela Repórter Brasil, que apontou financiamento de R$ 29 milhões do BNDES para desmatadores comprarem tratores.

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