08/05/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Comentário sobre o futebol e a vida

Ou sobre o que o futebol ensina sobre a vida

Publicado em 27/02/2023 10:53 - Idelber Avelar

Divulgação

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Nas últimas semanas, vi jogos incríveis, mas o que mais me fez pensar não foi um dos bons. Foi uma partida apenas razoável, marcada pela ampla superioridade de um time sobre o outro: Paris Saint Germain 0 x 1 Bayern de Munique. Em Paris. Em um jogo em que fiquei, sem parar, pensando em Neymar.

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Pensem nesse cabra.

Qualquer pessoa que saiba a diferença entre um tiro de meta e um escanteio sabe que ele foi, tem sido, e é um grande craque. Isso não está em questão. Ele está entre os maiores jogadores brasileiros das últimas décadas. Com a exceção da Copa da Mundo, ele foi campeão de tudo: do Brasil, da Europa, da América do Sul, da Espanha, da França. Ele tem tanto dinheiro que já nem sabe o que fazer com ele.

No entanto, você vê o sujeito em campo e trata-se de um ser humano derrotado, que já não joga por nada. O que ele queria mesmo (a Copa do Mundo) ele não vai ter. O outro troféu desejado (a Champions League pelo Paris Saint-Germain) é de quase impossível conquista, por motivos táticos que muita gente sabe (no futebol de hoje, você não vai conquistar um troféu de alto nível com três jogadores que não marcam, o que é o caso do PSG). O outro troféu disponível, o campeonato francês, não vale nada para ele, porque é obrigação do PSG ganhar.

No caso do Neymar, há um salto bem nítido de 2018 para 2022. Na Copa de 2022, ele jogou dedicado, pilhado, ficando em pé, sem jamais simular falta. Atuou bem e atacou a linha de defesa adversária. Ele sabia que tinha deixado uma impressão ruim em 2018, quando virou meme na internet, de tanto rolar no chão. Em 2022, ele jogou sério, e o Brasil não caiu por culpa dele. Mas caiu.

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E agora a gente vê esse moço de 31 anos, que recebeu da natureza, de seu trabalho, e/ou de Deus, como vocês queiram chamar, um talento absurdo, que o coloca entre os 10 maiores do mundo naquilo que faz, e ele, que conquistou tanta coisa, conquistou QUASE TUDO o que é possível conquistar no que faz, e que ainda é tão jovem, hoje já zanza pelo campo como um velho derrotado.

É mais um amargo comentário do futebol sobre a vida.

FUTEBOL E ECONOMIA

Para quem não acompanha futebol, mas gosta de economia e de política, quero dar um exemplo de como fazemos as coisas de forma a sistematicamente matar a galinha dos ovos de ouro. O exemplo é sobre um evento de hoje.

Preâmbulo para entender o evento: do começo de janeiro, reapresentação dos jogadores de suas férias, até o final de março/ começo de abril, desperdiçam-se umas 14 semanas em competições estaduais deficitárias, mal organizadas, que não geram interesse para os grandes clubes e nem conseguem representar desafogo financeiro para os pequenos clubes e que, em casos como RS, PR, MG, CE e BA, têm interesse por causa de um único jogo, o clássico estadual.

É consenso que os pequenos clubes devem ter o direito de jogar e sobreviver, mas em vez de se montar um sistema escalonado que os ocupe o ano todo e os mantenha viáveis financeiramente, eles têm garantidas apenas essas 14 semanas, depois das quais podem ter tido a sorte de se classificar para a Copa do Brasil e aí gerar alguma receita, ou mergulham no buraco financeiro da falta de futebol competitivo.

Enquanto isso, os grandes clubes, que têm as grandes torcidas, e que portanto são os geradores de receita, se arrastam no tédio daquela competição como em um briga com bêbado–aquela em que se você se bater demais, você é covarde; se você perder, você passou vergonha.

Para piorar a situação, os três principais estados agora não têm 4, 4 e 2 clubes brigando em igualdade de expectativas, mas 1 único clube em cada estado (Fla, Palmeiras, Galo) que dominou a situação ao ponto de ser o único não-bêbado na briga.

Trata-se de uma coleção de dezenas de jogos deficitários, ruins, tediosos, com 3 ou 4 mil gatos pingados de público em média, sem direitos claros de transmissão pela internet e que no final, no caso de Minas, resumem-se à pergunta sobre se o Cruzeiro terá ou não terá condições de tirar o esperado título do Galo.

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Disso se segue que o único jogo que importa na fase classificatória, o único em que a torcida mineira se empolga um pouco, pelo menos, é Galo x Cruzeiro.

O clássico mineiro, este ano, acontecerá …HOJE! Sim, uma segunda-feira, às … 20 HORAS! no … maior estádio da cidade, o Mineirão? Não! No Independência, em que só cabem 20 mil almas, e que fica no meio de uma região residencial bastante central da cidade.

Daí, qualquer pessoa razoável perguntaria: por que raios o jogo entre Galo x Cruzeiro não acontece em um domingo à tarde, no Mineirão, com 60.000 pessoas, vendendo direitos de transmissão para alguma plataforma grande, gerando $$$$ para os clubes e o estado?

Bem, este ano não acontece porque o Cruzeiro, que agora é SAF e tem que render contas do dinheiro ao seu investidor, se deu conta tardiamente de que seu acordo com a Minas Arena (o consórcio público-privado que administra o Mineirão) era péssimo, horroroso, como já lhes dizíamos oito anos atrás uma série de pessoas (acadêmicos, jornalistas, advogados etc.) que fomos ignoradas porque, como já disse aqui, a característica do clubista burro é achar que todo mundo é clubista burro como ele. Como o Ronaldo não é burro nem clubista, ele rompeu o acordo (ainda devendo uma grana à Minas Arena, diga-se).

Só que o Cruzeiro apenas se deu conta disso quando a tabela do campeonato já estava pronta, e por isso teremos esse espetáculo anti-climático, o do clássico mineiro jogado na segunda à noite no Independência.

É nessa bagunça, sem inteligência econômica e sem segurança jurídica, que a gente vive no futebol de janeiro a abril. Em maio, com as competições nacionais e internacionais, melhora um pouco.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Idelber Avelar


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Uma resposta para “Comentário sobre o futebol e a vida”

  1. Wilson disse:

    Não sei como tem gente que é contra o uso da tecnologia para melhorar a arbitragem! Não tem explicação, como vc vai duvidar das imagens ,vistas de vários ângulos diferentes, com o recurso de câmera lenta,trasar linhas de impedimento! Só tem uma explicação, mau caratismo

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