08/05/2024 - Edição 540

Eles em Nós

A limpeza étnica da Palestina

Quem são os palestinos? São seres humanos

Publicado em 18/10/2023 2:06 - Idelber Avelar

Divulgação Reprodução

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Para quem acompanha o tema há algum tempo–e o meu envolvimento com ele, intermitente, mas intenso durante anos, data dos massacres de Sabra e Chatila, em 1982–, algumas coisas se repetem periodicamente com macabra previsibilidade.

Dentro do previsível ciclo de horror, vez por outra um acontecimento também terrorífico, mas agora genuinamente imprevisível, tem lugar. A chacina de um milhar de israelenses civis pelo Hamas, dentro do próprio território de Israel, no sábado passado, certamente foi um deles. Ninguém antecipou, nem os propalados serviços de inteligência de Israel. Averiguações posteriores do próprio estado israelense e de seus aliados, os EUA, confirmaram que também o Irã não sabia, ou pelo menos não teve qualquer participação na preparação do ataque.

Do lado palestino, existe enorme ressentimento pela falta de publicidade e de reconhecimento das centenas de vítimas palestinas anuais de ações violentas de Israel — e são literalmente centenas todos os anos, mesmo em época de “paz”. Para boa parte da sociedade civil israelense, é claro que se abriu esta semana outro ciclo de medo, mas para os palestinos, a história das atrocidades não começou sábado passado: ela tem capítulos essenciais em 1948 (expulsão), em 1967 (ocupação), em 1993 (o último suspiro de algum “acordo de paz”) e 2006 (o intenso bombardeio a Gaza), entre outras datas que qualquer criança palestina sabe de cor.

Sem o menor intuito de promover “debate” nenhum (caso você queira debater, eu o convidaria a compartilhar o post e fazê-lo no seu espaço– já aviso que neste tema, extraordinariamente, a minha política de apagamento de comentários é ampla e arbitrária), deixo com vocês em jpeg as páginas 105-125 do livro que publiquei em 2015 com a Editora Azogue, intitulado “Crônicas do estado de exceção”.

Como se trata de apenas 5% de um livro já antigo, confio que os amigos da editora não irão se importar. Caso você prefira lê-lo em PDF, deixo nos comentários o link ao meu Google Docs.

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Essas páginas que lhes deixo são um capítulo sobre a Palestina histórica. Elas pressupõem algo que deveria ser óbvio, mas que neste tema é de difícil absorção nestas horas. Qualquer ponto de vista sobre a matéria deveria tentar estar alicerçado em algum conhecimento da história da região e de como têm vivido nas últimas décadas e séculos os povos que lá habitam.

Deixo essa leitura na esperança de que a pesquisa histórica tenha ajudado a compreender algo da situação catastrófica de hoje. Deixo-as dedicadas especialmente aos que estão em luto, sejam judeus que perderam amigos ou familiares na chacina de sábado, sejam palestinos que estão perdendo amigos e família nos bombardeios a Gaza e na repressão que já inicia na Cisjordânia.

QUEM SÃO OS PALESTINOS?

Cada vez que isso acontece–e eu já vi “isso” acontecer das mais variadas formas, com graus crescentes de crueldade–, não custa fazer a pergunta sobre quem são suas vítimas, os palestinos.

Quem são os palestinos?

A primeira resposta da qual seria legal não se esquecer é: os palestinos são seres humanos como eu e você. Eles se enraivecem aos serem pisoteados pelas botas de uma força ocupante, eles se revoltam contra injustiças, e a sua população inclui mães que reagem como leoas em defesa de suas crias quando atacadas.

São, em suma, humanos como todo mundo. Não são uma massa indiferenciada de suspeitos de serem simpatizantes do Hamas. São seres humanos.

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A romancista palestina Susan Abulhawa escreveu um romance precioso, fino, que segue um personagem na vasta nação palestina: um garoto arrancado de sua casa em 1948, um dos aproximadamente 750.000 palestinos que foram expulsos de seus lares para que se fundasse o estado de Israel.

Com os descendentes desses expulsos, ainda hoje, e às vezes incrivelmente com eles mesmos, já octogenários, permanecem as chaves dos lares que eles já não têm–na esperança de que um dia sejam recuperados.

Hoje, 1,7 milhão de palestinos vivem como cidadãos de segunda classe em Israel, em regime de Apartheid que os impede de uma série de coisas. Mas, sim, é fato que a vida deles provavelmente é menos miserável que a vida dos 2,1 milhões de palestinos que vivem enjaulados na Faixa de Gaza, ou que a vida de parte dos 3,2 milhões que vivem na Cisjordânia, sem liberdade de movimentos, picotados por centenas de checkpoints e ameaçados por meio milhão de colonos fortemente armados que atuam em constante parceria com o exército de ocupação.

Ainda há, claro, toda a população expulsa: 7 milhões de palestinos vivem na diáspora, esparramados, uns 6,2 milhões deles em países árabes. A maioria, 3,2 milhões, vive na Jordânia. Incríveis 500.000 vivem no Chile.

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A literatura pode não servir para muita coisa mas, nestas horas, ela pode dar a dimensão de humanidade do outro e fazer, assim, alguma diferença. Eu o convido a que procure o romance de Susan, lançado no Brasil pela Editora Record como “A cicatriz de David”. Para quem me lê nos EUA, aqui o romance se chama “Mornings in Jenin”.

A Susan, e a todos amigos palestinos, deixo a minha solidariedade. Aos compatriotas, o convite a que tentem se aproximar de gente comum palestina e ouvir o que eles têm a dizer sobre o que passaram nestas últimas décadas.

SILÊNCIO

É impressionante o muro de silêncio que existe sobre o genocídio palestino na universidade dos EUA. Confesso que tenho certo prazer em olhar os colegas com aquela cara: “e aí covarde, não vai dizer nada? O medo é tanto?”

IMAGENS

Impressionantes imagens de Gaza antes e depois dos bombardeios israelenses. Vale a pena lembrar que as bonitas imagens da direita já representam uma reconstrução de Gaza, depois de bombardeios anteriores.

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Idelber Avelar


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