04/05/2024 - Edição 540

Brasil

Burnout e suicídio assombram igrejas

A dor silenciosa de padres e pastores

Publicado em 23/04/2024 10:03 - Ranieri Costa – UOL

Divulgação Imagem: Unplash

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Casos de depressão, burnout e suicídio entre padres e pastores na última década têm preocupado a comunidade religiosa. O tema também levanta questionamentos sobre a necessidade de um trabalho de prevenção e acolhimento para esses líderes, apesar da dificuldade de abordagem sobre saúde mental no meio.

Em 2021, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou que a cada 100 mortes no mundo, uma era por suicídio. A OMS não traz um recorte específico para líderes religiosos. Estudiosos do tema, no entanto, têm notado o aumento dos casos dentro dessa esfera.

‘Onda de suicídios’

A Sepal, organização missionária internacional, estabelecida no Brasil a partir de 1963 com o objetivo de servir pastores e líderes, desde 2016 alerta para o que chamou de “onda de suicídios”.

De acordo com a Sepal, “nos últimos anos, vários pastores americanos tiraram suas vidas e, assim como no Brasil, o fato passa a ter certa frequência”.

Carência de pesquisas

O psicólogo Daniel Guanaes, que também é pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio, no Rio, aponta que no Brasil há uma carência de pesquisas voltadas para essa realidade, mas que “mesmo com essa dificuldade de notificação, o aumento do número é, de fato, real”.

Daniel que lidera o trabalho “Pastores Pela Vida” da Visão Mundial, em que busca estabelecer ações de cuidado com a saúde emocional de lideranças religiosas, acredita que a causa desse cenário “se deve a um somatório de fatores como pressão [do trabalho], sobrecarga, negligência de autocuidado e solidão”.

Solidão e cobrança excessiva

Em artigo publicado pelo Vatican News no ano passado, o padre Lício de Araújo Vale, que tem pesquisado sobre a temática, pontua que, de forma semelhante aos pastores, os principais fatores de risco para os padres são “o estresse, a solidão e a cobrança excessiva”.

Ainda de acordo com a pesquisa realizada pelo sacerdote, de agosto de 2016 a junho de 2023, 40 padres morreram por suicídio no Brasil.

“Em muitos casos, a imagem teológica do sacerdote se contrapõe à imagem sociológica que lhe é atribuída na sociedade dita pós-moderna. A imagem teológica é aquela que o sacerdote projeta quando celebra os sacramentos e quando se relaciona com seus colaboradores mais próximos. Por outro lado, a imagem sociológica é aquela que o presbítero recebe da sociedade, muitas vezes diferente daquela que ele tem de si próprio, o que pode causar estresse, solidão e abatimento”, diz o padre Lício de Araújo Vale, em artigo no Vatican News.

Ao UOL, o padre Lício afirma que o estresse ocupacional, gerado pelo trabalho do sacerdote, muitas vezes tem evoluído para a síndrome de burnout. Ele aponta como causas “a solidão e a cobrança excessiva tanto a nível pessoal, quanto da sociedade e da própria igreja”.

No caso dos líderes religiosos, há uma série de desafios específicos que podem contribuir para o aumento do risco de suicídio. Estes incluem o estresse do papel de liderança, expectativas elevadas da comunidade, conflitos interpessoais na igreja, solidão pastoral e o fardo emocional de lidar com as lutas e problemas das pessoas que lideram.

Além disso, o estigma em torno da saúde mental em algumas comunidades religiosas pode dificultar que os pastores busquem ajuda quando estão enfrentando dificuldades emocionais.

Como as igrejas podem ajudar?

Desmistificar a busca por ajuda psicológica pode contribuir para que líderes religiosos encontrem tratamento para suas doenças emocionais a tempo de serem acompanhados e não terem seus quadros agravados. É importante oferecer apoio emocional e recursos de saúde mental tanto para os fiéis das igrejas quanto para os líderes religiosos

“Criar ambientes de escuta e discussões de temas que falam de cuidado da saúde integral das pessoas, humanizando a figura pastoral, naturalizando o enfrentamento das doenças de ordem psíquica, em vez de demonizá-las, e acolhendo os líderes nas suas vulnerabilidades”, afirma Daniel Guanaes.

Padre Lício enxerga que “as igrejas podem ajudar elaborando programas de cuidado da saúde mental de seus líderes” e explica que a temática está sendo discutida com frequência na Assembleia dos Bispos.

“Uma estratégia importante é a conscientização, por meio de cursos e palestras, para encorajar as lideranças religiosas a buscar ajuda profissional em casos de sofrimento mental ou psíquico”, reforça Lício.

Procure ajuda

Se você ou alguém que você conhece precisa de apoio emocional, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188. A ligação é gratuita. Além disso, o site Mapa da Saúde Mental pode ser utilizado para encontrar um serviço mais próximo, trazendo informações sobre acolhimentos gratuitos ou de baixo custo.

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece também a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que fazem o acolhimento para quem precisar.


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