18/05/2024 - Edição 540

Poder

Valentia de Lira se confunde com pavor pela maldição da poltrona

Na política, existe uma fronteira tênue entre a coragem e a estupidez. A valentia, quando é muita, se confunde com o pavor e acaba engolindo o dono

Publicado em 07/02/2024 10:35 - Josias de Souza (UOL), Xico Sá (ICL Notícias), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação

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Nos quatro anos da Presidência de Bolsonaro, Arthur Lira foi um rei sem trono. Aliás, como detentor do poder de fato no Brasil, o trono era o último lugar onde Lira queria ser visto. A Presidência da República seria um rebaixamento para Lira.

Como eminência parda de um governo, ele teve todos os privilégios do poder com a vantagem que nenhum presidente jamais teve: a de ser um poder presumido, que não precisou provar se o seu poderio era ficcional ou verdadeiro.

Bolsonaro pagou para não ver. Não viu, por exemplo, os quase 150 pedidos de impeachment protocolados na Câmara. Sob Lula, insatisfeito com tudo, Lira exigiu um pouco mais.

Lira engordou o bolo das emendas, enfiou prepostos dentro dos cofres da Esplanada e ganhou a Caixa Econômica Federal “de porteira fechada”. O poder de Lira foi virando parte do folclore político de Brasília. Quem vira folclore fica livre de aferições.

De repente, Lula resolveu cutucar o folclore com o pé para ver se ele realmente morde. Vetou R$ 5,6 bilhões em emendas. Uma mixaria perto dos R$ 53 bilhões que os parlamentares beliscaram no orçamento federal de 2024. Lira rosnou. Mas mordeu o coordenador político Alexandre Padilha, não Lula.

No último ano à frente da Câmara, Lira parece acometido pela síndrome do que está por vir. Enxerga no retrovisor o ostracismo de uma penca de antecessores. Marco Maia e Henrique Alves não conseguiram se reeleger deputados. Eduardo Cunha fez escala na cadeia. E rala para anular sua inelegibilidade. Rodrigo Maia achou melhor nem tentar a sorte das urnas.

O receio de virar a próxima vítima da maldição que transforma o assento de presidente da Câmara em cadeira elétrica leva Lira a esquecer de maneirar. Ele cobra a devolução do dinheiro vetado das emendas, o apoio de Lula à sua pretensão de virar senador em 2026 e o suporte do governo para eleger como sucessor na Câmara o deputado Elmar Nascimento, outro devorador de orçamento.

Na política, existe uma fronteira tênue entre a coragem e a estupidez. A valentia, quando é muita, se confunde com o pavor e acaba engolindo o dono. Hoje valentão, amanhã na sepultura.

No modo “cangaço novo”, poder de Lira passa pela Faria Lima

Arthur Lira voltou à tribuna do poder em Brasília no melhor estilo “Cangaço Novo” — só para lembrar a extraordinária série da Prime Vídeo dirigida por Fábio Mendonça e Aly Muritiba.

Depois de escapar do álbum da memória democrática, com sua ausência no ato para lembrar o 8 de janeiro, o líder alagoano reabriu os trabalhos no Congresso com ameaça de derrubar vetos do presidente Lula e um pedido que poderia ser escrito assim em um roteiro de cinema: “Tragam-me a cabeça de Alexandre Padilha”.

Era uma vez no Centro-Oeste…

Ministro das Relações Institucionais, Padilha não estaria cumprindo os acordos por verbas e cargos conforme o apetite dos parlamentares do Centrão, grupo chefiado pelo presidente da Câmara.

E que apetite. Nem Dona Redonda, personagem do gênio Dias Gomes na novela “Saramandaia” (Globo, 1976), tinha tamanha fome. Rebobino a memória para os mais jovens: Dona Redonda explodiu de tanto comer, em uma inesquecível cena de realismo fantástico.

“Não subestimem essa mesa diretora, não subestimem os membros do parlamento e desta legislatura”, bradou Lira, no retorno a Brasília.

Premiê do Orçamento Secreto — mecanismo que o empoderou como um gigante na gestão Bolsonaro —, o parlamentar tem parentes, amigos e parceiros políticos dependurados em toda a árvore pública. Da Codevasf ao comando da Caixa Econômica Federal. Sem esquecer o latifúndio do Centrão em todo o país.

A metáfora do “Cangaço Novo” foi citada pelo jornalista Xico Sá para um experiente político de Alagoas, fonte deste repórter-cronista desde o Collorgate. Discordou com veemência.

Para esta raposa alagoana, a volta de Lira repete os métodos do velho cangaço, não do novíssimo movimento urbano. Conhecedor da história do Nordeste, ele lembra dos bilhetes chantagistas que Lampião mandava aos prefeitos na véspera de atacar uma cidade — sempre com exigência de uma “verba” para evitar maiores estragos.

“Mas isso é só uma metáfora bandoleira”, ironiza. “Longe de mim tomar um processo desse todo-poderoso, aqui a Justiça só pende para o seu lado”.

Velho ou novo, o método do presidente da Câmara tem respaldo, não se esqueça, não apenas nos coronéis da política de norte a sul do país, mas também nos lobos da Faria Lima, o reduto da “modernidade” financeira em São Paulo. Um dos seus interlocutores, com forte poder de influência, é o banqueiro André Esteves, dono do Banco BTG Pactual. E isso é só um mero exemplo.

Sonoplasta, por favor, música para encerrar a coluna. Pode ser a trilha de Ennio Morricone para um faroeste cinemascope. Vale também a música de Sérgio Ricardo em “Deus e o Diabo na terra do sol”. Até o próximo duelo no Centro-Oeste.

O político mais rejeitado pelos brasileiros e quem vem logo depois

Sabe quem é o político mais rejeitado do Brasil, segundo a mais recente pesquisa de opinião pública do instituto Atlas Intel, divulgada ontem, e que entrevistou 7.405 brasileiros entre os últimos dias 28 e 31 de janeiro? A margem de erro da pesquisa é de um ponto percentual para mais ou para menos.

E o segundo político mais rejeitado, sabe quem é? Na véspera do segundo turno da eleição presidencial de 2022, e considerando apenas os votos válidos, descontados os brancos e nulos, a Atlas Intel cravou que Lula derrotaria Bolsonaro por 53,2% a 46,8%. Abertas as urnas, Lula venceu Bolsonaro por apenas 50,9% a 49,1%. Um sufoco.

De volta à nova pesquisa da Atlas Intel que procurou saber um monte de coisas – entre elas, quais são os políticos mais rejeitados. Não se apresse em citar Bolsonaro e Lula. Bolsonaro é o quarto mais rejeitado (51%) numa lista de dezessete, e Lula (45%), o décimo. Depois de Bolsonaro vem Janja (49%), e em seguida Michelle (48%).

Os dois políticos mais rejeitados pelos brasileiros são: em segundo lugar, Artur Lira (62%), presidente da Câmara dos Deputados. E isolado na liderança, três pontos percentuais à frente de Lira, vem… (Pausa para suspense.) Vem Sergio Moro, senador pelo Paraná, o ex-chefão de triste memória da Lava-Jato, que corre o risco de ser cassado.

A imagem negativa de Moro cresceu 20 pontos percentuais desde a pesquisa anterior do instituto, aplicada em novembro do ano passado. Agora, apenas 22% dos entrevistados avaliam Moro positivamente. Uma pena, não é mesmo (conteúdo com ironia)? O político menos rejeitado é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (34%).

(Alô, alô, Tarcísio, comemore, mas não se assanhe. Ouça Gilberto Kassab, presidente do PSD, seu secretário, que conhece o humor dos paulistas melhor do que você, que é carioca e um estranho no ninho. Para os paulistas, o Estado interessa mais do que o país. Candidate-se à reeleição em 2026 e espere chegar 2030. Você tem idade para isso.)

Lira não precisa de conselhos. É, como se diz, uma peça velha e com larga experiência na política. Se acha que deve trombar com o governo federal para fazer seu sucessor na Câmara e eleger-se senador, que trombe, ora. Só não deve esquecer que está trombando com uma peça muito mais velha e experiente, que já viu tudo e passou por tudo.

Não se arrependa depois, porque será tarde. Devagarinho, a popularidade de Lula aumenta, a crer-se na pesquisa Atlas Intel e em outras pesquisas semelhantes. O Congresso nunca foi tão forte como é hoje, e deve muito a Lira por isso. Mas o mandato de Lira de presidente da Câmara acaba daqui a um ano, e o de Lula em 2026.

Lula é um encantador de serpentes quando quer agradar alguém, mas contra adversários arrogantes e metidos a sabichões costuma ser mau que nem um pica-pau. Pica-pau é pouco. Pior é uma jararaca, e Lula já se apresentou como ao ser levado coercitivamente para depor à Polícia Federal em março de 2016.

Em visita ao Rio de Janeiro, Lula ouviu uma declaração de amor do governador bolsonarista Cláudio Castro: “O cara fala que vai fazer o maior investimento da história do meu estado. Não vou aplaudir esse cara?”.


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