04/05/2024 - Edição 540

Poder

Queda na aprovação de Lula na economia acende sinal de alerta para 2026

Bolsonaristas creem que perderam importância com inclusão social

Publicado em 11/03/2024 10:46 - Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Marcelo Camargo - Abr

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A avaliação positiva do governo Lula passou de 40%, em fevereiro de 2023, para 35%, em fevereiro de 2024, enquanto a negativa foi de 20% para 34% no mesmo período. Dois fatores são apontados pela pesquisa Genial/Quaest, divulgada no último dia 6, um crescimento na insatisfação entre os evangélicos e a percepção geral sobre a economia. O segundo ponto deveria acender um sinal de alerta para a comunicação do governo.

O descontentamento de evangélicos com as declarações de Lula sobre Israel por conta do conflito em Gaza são conjunturais e devem perder força em algum momento. Vai ser substituída por outra polêmica, certamente, uma vez que o bolsonarismo usa parte desse grupo demográfico como seu aríete.

Mas se a percepção sobre a economia estivesse melhor entre os evangélicos, principalmente os da classe média baixa, eles próprios estariam menos críticos ao governo.

O IPCA, a inflação ao consumidor, freou, registrando 4,62% no ano passado – ficando abaixo do teto da meta pela primeira vez em dois anos. Em 2022, ela foi de 5,79% e, em 2021, 10,06%. Houve queda significativa em itens como carne – apesar do mimimi bolsonarista, a picanha caiu sim, em média, segundo o IBGE, no ano passado.

Mas, tirando a Faria Lima, ninguém come teto de meta. No geral, os preços se mantiveram em patamares elevados após as altas dos últimos anos. Isso sem contar os aumentos conjunturais devido ao clima horroroso. As perdas para a agricultura trazidas pelo El Niño agravado pelas mudanças climáticas fizeram com que a alimentação em domicílio ficasse mais cara para os brasileiros nos últimos meses.

A carne continua caindo, mas a batata, cenoura e o feijão, por exemplo, cacetaram sem dó o bolso do consumidor. E o preço de alimentos afeta mais a classe trabalhadora, que tem nele um dos principais itens de seu orçamento: se a inflação geral de janeiro ficou em 0,42%, a alta do custo de comer em casa subiu 1,81%, segundo o IPCA.

Enquanto isso, a taxa de desemprego no Brasil foi de 7,6% no trimestre encerrado em janeiro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE. No mesmo trimestre de 2023, a taxa era de 8,4%, e no mesmo período em 2022, 11,2%. Estamos na menor taxa para o período desde janeiro de 2015.

Ao mesmo tempo em que a população ocupada aumentou, a renda média avançou 3,8% no primeiro ano de Lula.

Contudo, inflação menor não significa que preços voltaram a patamares anteriores ao salto inflacionário de 2021 e 2022. Tampouco o aumento na renda compensou a corrosão do poder de compra trazida pela inflação. Ou seja, a economia está melhor e com perspectivas melhores, mas isso não se traduziu, necessariamente, em percepção de melhora pelos trabalhadores.

Novamente, trabalhadores não comem aprovação de Reforma Tributária, nem arcabouço fiscal.

A pesquisa Genial/Quaest mostra que a população sentiu a alta do IPCA de janeiro: questionados sobre os preços dos alimentos no último mês, 73% afirmam que eles subiram. A alta em contas foi sentida por 63% e dos combustíveis por 51%.

O sentimento sobre os problemas de hoje gera uma releitura inclusive sobre os de ontem. Para 38%, a economia piorou nos últimos 12 meses, 34% dizem que ela se manteve estável e 26%, que melhorou. Em agosto de 2023, eram 34% que diziam que ela tinha melhorado, 39% que se mantinha estável e 23% que piorou. A diferença entre os dois momentos era, principalmente, os preços.

A maior parte (46%) ainda se mostra otimista com a melhora da economia nos próximos 12 meses, frente a 31% que acha que vai piorar e 19% que se manterá como está. Mas em dezembro do ano passado, eram 55% os otimistas e 25% os pessimistas.

Lula, se quiser a reeleição, precisa aprender com a situação nos Estados Unidos. Por lá, a inflação caiu, a renda está subindo e o desemprego está bem baixo. Mesmo assim, Joe Biden terá problemas para vencer Donald Trump por conta da corrosão do poder de compra e, portanto, da queda na qualidade de vida. Por mais que esse BO tivesse sido gestado no governo Trump e não no dele.

Isso sem contar que os EUA vivem uma ultrapolarização com cristalização de pontos de vista que são impermeáveis à informação. Se para um naco significativo dos republicanos, Biden perdeu e assumiu ilegalmente a Presidência, a melhora de indicadores econômicos, que é um fato, é mais facilmente tratado por trumpistas como fake news sob argumentos estapafúrdios.

A economia ainda é a chave para a reeleição de Biden, e o partido democrata vai bombar intensamente propagandas mostrando que a vida melhorou sob o atual presidente e piorou sob o anterior. Uma vez que esse ganho não foi estrondoso, a Biden vai ter que mostrar (e convencer) o trabalhador, principalmente os chamados blue collars, os operários, que eles estão melhores com ele.

Se a melhora nos indicadores econômicos, que de fato ocorreu, não se traduzir em um grande salto para a vida da classe média no Brasil, tal como ocorreu nos seus dois primeiros mandatos, o que jogou sua popularidade nas alturas, Lula terá que seguir pelo caminho da campanha de Biden e mostrar que a vida melhorou. Sim, mostrar ao país que a economia melhorou apesar de o bolsonarismo bater bumbo dizendo que não.

Nos EUA, democratas se arrependem, dizendo que isso deveria ter sido feito com força desde 2022, dois anos antes. No Brasil, faltam pouco mais de dois anos para as eleições gerais de 2026.

Eleições mostram que o povão não quer saber quem é o culpado por não conseguir comprar o brinquedo para os filhos, pois culpa sempre o gerente de plantão. A maior parte dos eleitores não deu as costas a Jair pelas acusações de “golpista” e “genocida”, mas pelo Bolsocaro. Isso precisa ser levado em conta pelo gerente de hoje na hora de escolher a prioridade de sua comunicação ao país.

Bolsonaristas creem que perderam importância com inclusão social

Um recorte da nova pesquisa Genial/Quaest, divulgado com exclusividade por esta coluna, revela como grupo sociais enxergam a prioridade no Brasil dada a pessoas como eles e pessoas diferentes deles nos últimos 20 anos. Com isso é possível analisar a força do ressentimento, instrumentalizado por lideranças políticas, na mobilização de seguidores.

Entre os que votaram em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022, 43% acreditam que pessoas como eles passaram a ter menor importância no Brasil nos últimos 20 anos, 42% dizem que nada mudou sobre isso e apenas 9% afirmam que tiveram mais importância.

Enquanto isso, 63% dos que votaram em Lula (PT) avaliam que pessoas como eles passaram a ter mais importância, 23% nem mais, nem menos e apenas 10% creem que tiveram menos importância.

Entre os que não votaram em ninguém (abstenção, brancos e nulos), o resultado se assemelha à distribuição normal de opinião, ou seja, 25% acham que tiveram mais importância, 43% que isso se manteve estável e 23% que passaram a ter menos importância.

Para efeito de comparação, considerando o universo dos entrevistados, ou seja, a sociedade como um todo, 36% acreditam que pessoas como eles passaram a ter mais importância, 34% que sua importância não foi alterada e 24% que passaram a ter menos importância.

Foram realizadas 2 mil entrevistas entre 25 e 27 de fevereiro, o nível de confiança é de 95% e a margem de erro de 2,2 pontos para mais ou para menos.

Pobres, negros e LGBTQ+ se veem como favorecidos

Nas últimas duas décadas, uma série de garantias previstas na Constituição Federal de 1988 saíram do papel (e outras tantas não, claro), o que significou efetivação de direitos para grupos historicamente marginalizados ou invisibilizados, como mulheres, negros, população LGBTQ+.

Isso pode ser percebido pela pesquisa. Entre os que têm apenas o ensino fundamental, 42% afirmam que pessoas como eles passaram a ter mais importância frente a 32% entre os que têm os ensinos médio ou superior.

Entre os que têm renda familiar de até dois salários mínimos, 45% creem que passaram a ter mais importância diante de 30% entre quem ganha de dois a cinco salários mensais e 32% de quem ganha mais de cinco.

Já entre os que se identificam como pretos, 44% dizem que passaram a ter mais importância, taxa que cai para 38% entre pardos e 32% entre brancos.

Mas a quantidade de mulheres que acredita que passou a ter mais importância (35%) está empatada na margem de erro com a de homens (37%) que dizem o mesmo.

“A pesquisa é uma tentativa de entender como esses grupos estão se entendendo porque o Brasil está dividido, cindido. E os grupos que estão se sentindo melhores que os outros são curiosamente eleitores do atual governo, enquanto os que estão se sentindo mal são contra esse governo”, afirmou à coluna Felipe Nunes, diretor-geral da Quaest.

Bolsonaristas creem que população LGBTQ+ foi privilegiada

Questionados sobre quais grupos ganharam mais importância nos últimos 20 anos, 20% dos entrevistados dizem que foram os ricos, 14% os pobres, 9% as mulheres, 7% os LGBTQ+ e 7% os negros, entre outros.

Mas as respostas de eleitores de Lula e de Bolsonaro são bem diferentes entre si.

Para os que votaram no atual presidente, os cinco grupos que ganharam mais importância foram, em ordem, os pobres (20%), os ricos (14%), as mulheres (10%), os negros (7%) e a população LGBTQ+ (4%).

Já os eleitores do ex-presidente afirmam que os mais beneficiados foram os ricos (25%), a população LGBTQ+ (12%), pobres e mulheres (6%) e negros (5%).

Entre os que não votaram em nenhum dos dois, os dados são mais parecidos com a média geral, confirmando que eles são o fiel da balança: ricos (22%), pobres (12%), mulheres (10%), LGBTQ+ (6%) e negros (5%).

De acordo com Pablo Ortelado, professor do curso de Política Pública da Universidade de São Paulo, um dos destaques da pesquisa é a posição que a população LGBTQ+ ocupa para bolsonaristas e lulistas.

“Enquanto apenas 4% dos eleitores de Lula acreditam que a população LGBTQ+ ganhou importância, 12% dos bolsonaristas acham o mesmo. Provavelmente, há um pressuposto invertido entre os dois grupos de eleitores, conhecendo os discursos dominantes nos dois campos”, afirma.

“Eleitores de esquerda provavelmente acreditam no avanço de direitos humanos de grupos marginalizados e eleitores bolsonaristas provavelmente acreditam que esses grupos tem um tratamento privilegiado. Em um caso a leitura é de avanço de direitos, noutro de privilégios”, conclui.

Vale ressaltar que a ascensão de grupos historicamente marginalizados não significou, contudo, que eles se tornassem hegemônicos em termos de poder ou dinheiro. Mesmo assim, essa ascensão incomodou os que perderam um pouco os priviégios, o que pode ser constatado em frases que se tornaram icônicas como “esse aeroporto está parecendo uma rodoviária”.

“O grande tema da pesquisa é o ressentimento. É impressionante perceber que alguns grupos olham para os outros de forma ressentida, pois cresceram mais que ele. E esse tipo de sentimento tem sido estudado no mundo inteiro como um grande gatilho para criação de valores autoritários”, afirmou Felipe Nunes.

“A extrema direita tem se apropriado muito disso”, diz.

Evangélicos crescem, mas acham que perderam importância

Apesar de terem saltado em número de templos e fiéis no Brasil, os evangélicos acreditam que sua importância foi reduzida.

Entre os que fazem parte do grupo, 30% dizem acreditar que perderam nas últimas duas décadas, 37% que se mantiveram igual e 26% que passaram a ter mais importância.

Para efeito de comparação, 41% dos católicos afirmam que passaram a ter mais importância, 31% que nada mudou e 22% que tiveram menos importância.

Isso contrasta com os números. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que, em 1998, os locais de culto evangélicos eram 26,6 mil e, em 2021, 87,5 mil – isso só contando igrejas evangélicas com CNPJ, ou seja, o número real é muito maior.

Considerando apenas as instituições formalizadas, elas representam sete em cada dez estabelecimentos religiosos no Brasil e as católicas eram pouco mais de um em dez.

E com a própria realidade política, uma vez que os evangélicos foram os grupos mais bem organizados politicamente, com uma bancada forte e atuante no Congresso Nacional, e com demonstrações de força em eventos públicos, como marchas e manifestações.

Ricos são apontados como os mais beneficiados

A maioria dos grupos sociais pesquisados apontam que quem passou a ter mais importância foram os ricos, com 20% do total de respostas.

De acordo com relatório Desigualdade S.A., da Oxfam, divulgado em janeiro, no início do Fórum Econômico Mundial, quatro dos cinco brasileiros mais ricos tiveram um aumento de 51% em sua fortuna desde 2020.

E segundo levantamento do Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base nos dados do Imposto de Renda, os 5% mais ricos detinham 36,5% da renda nacional em 2017 passando para 39,9% em 2022.

Sim, nos últimos anos os ricos ficaram mais ricos. Enquanto a maioria da população adulta teve crescimento médio de 33% na renda no período, os mais ricos subiram 51%, 67% e 87% (entre os 5%, 1% e 0,1% mais ricos, respectivamente).

Entre os 15 mil milionários (0,01% mais rico), o crescimento foi de 96%. Detalhe: o período foi impactado pela pandemia


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