18/05/2024 - Edição 540

Poder

Políticos no ato pró-Bolsonaro vão apoiar golpismo

Ex-presidente foi intimado pela Polícia Federal a depor sobre o golpe de Estado que quase sofremos

Publicado em 20/02/2024 10:54 - Leonardo Sakamoto (UOL), Pedro Rafael Vilela (Agência Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Marcelo Camargo/ABr

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Mesmo as coisas mais óbvias precisam ser ditas de vez em quando: políticos que estejam presentes no ato do dia 25 de fevereiro, em São Paulo, organizado para defender um ex-presidente investigado por tentativa de golpe de Estado, vão passar para a História como apoiadores de golpe.

O bolsonarismo vende o ato como uma defesa do Estado Democrático de Direito, o que é puro suco de cinismo, uma vez que a micareta surge na esteira da operação da Polícia Federal – que começou a emparedar Jair e aliados por tentar dar um golpe.

Bolsonaro quer uma demonstração de força para encarecer sua ida à cadeia e excitar os seguidores, afinal há eleições em outubro. E quanto mais prefeitos eleitos no bolsonarismo, maior a chance de Jair eleger senadores fiéis a ele em 2026. E, com isso, sonhar em cassar mandatos de ministros do Supremo e barrar indicações.

Poucas coisas foram tão escrachadas na política brasileira quanto a tentativa de golpe bolsonarista, planejada ao longo de seu governo e colocada em prática entre o segundo turno da eleicão presidencial e o 8 de janeiro de 2023.

Militares bolsonaristas conspiraram nos corredores palacianos e em conversas de WhatsApp, políticos bolsonaristas discutiam os rumos do golpe no Congresso, assessores e advogados bolsonaristas redigiam decretos golpistas, bolsonaristas plantaram bomba para explodir o aeroporto de Brasília, grupos de elite bolsonaristas do Exército foram convocados para desestabilizar a República, empresários bolsonaristas financiaram o caos.

No centro de tudo, e beneficiário do golpe, Jair Messias, como vêm apontando as investigações da Polícia Federal.

Políticos são hábeis em ora afirmar que a política pode estar à frente, guiando a Justiça (discurso adotado por governo e oposição no início dos trabalhos da CPMI dos Atos Golpistas), ora que precisa estar atrás – como agora, em que dizem que Bolsonaro não foi condenado. E como ainda não foi condenado, o palanque golpista do dia 25 é, na verdade, apenas um palanque. Sim, um insulto à inteligência.

Há aqueles que são mais bolsonaristas que o próprio, e estarão lá enxugando o suor do “mito” com seu próprio rosto. Sabem que quanto mais próximos dele, maior a chance de se reelegerem com votos daqueles 15% a 20% do eleitorado radical de direita.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que tenta se vender como uma figura moderada de “frente ampla”, sabe de tudo isso, mas deve comparecer ao palanque golpista de Bolsonaro no domingo em busca do apoio do ex-presidente para a sua reeleição – por mais que correligionários e assessores sonhem com uma gripe ou dengue leve para não precisar comparecer.

Se for, corre o risco de aparecer em uma foto sorrindo ao lado de Jair ao fundo, enquanto uma faixa, em primeiro plano, pede o fechamento do STF. Argumentar que a presença é apenas política é uma bobagem, pois a defesa das instituições democráticas, tão espancadas nesta tentativa de golpe, também é.

Quando estourou o escândalo da joias árabes dadas ao Brasil, mas vendidas no exterior por aliados de Bolsonaro, muitos eleitores evangélicos de Jair preferiram o silêncio das redes sociais. Claro que continuavam o apoiando, e votariam nele de novo. Mas não se sentiram à vontade de vir a público defender um político que fez para si um Bezerro com o Ouro alheio.

Vale ficar de olho nos políticos fora da extrema direita que aparecerem no palanque pago por Silas Malafaia na avenida Paulista. E tentar entender qual o Bezerro que cada um tenta garantir para si que valha o risco de ficar com a imagem de passa pano para golpismo.

PF agiu rapidamente

Bolsonaro foi intimado pela Polícia Federal a depor sobre o golpe de Estado que quase sofremos. A informação devolve o nome do ex-presidente às manchetes, onde brilhava há dias por conta das apurações que chegaram ao núcleo duro golpista. Lula bem que “tentou” dar uma ajuda midiática ao adversário, com sua desnecessária declaração sobre o Holocausto, que colocou o petista sob os holofotes, mas a ação da PF mantém Jair na ribalta.

Para além de entregar ao governo genocida de Netanyahu uma oportunidade para ele justificar sua limpeza étnica em Gaza, Lula também ajudou a tirar o foco sobre as investigações contra Bolsonaro aliados sobre o golpe de Estado. Mais do que isso: a dar a ele mais uma desculpa para que ele chame seguidores da extrema direita ao ato do dia 25 de fevereiro em São Paulo.

O presidente brasileiro ignorou um dos principais conselhos para o debate público: não comparar ninguém com Adolf Hitler e nada com o holocausto de seis milhões de judeus. Pode-se discutir o porquê disso, mas a regra é simples e evita a contaminação da discussão, a empoderar o povo do ruído, além de poupar dores de cabeça e muitos veja-bens na ressaca midiática do dia seguinte.

Netanyahu – que na esteira dos odiosos ataques terroristas do Hamas contra a população de Israel em 7 de outubro do ano passado, vem promovendo uma carnificina de civis inocentes na Faixa de Gaza, em um crime contra a humanidade que será lembrado pelas próximas gerações – aproveitou da comparação feita por Lula e sapateou como também fez em situações semelhantes com outros líderes e figuras públicas.

Sabe que, se o conflito terminasse hoje, seria chutado para fora do governo, dada a sua incompetência em prever os ataques apesar de contar com um dos melhores aparatos de inteligência do mundo. Sabe também que seu futuro depende da forma como conduzir a guerra e não a construção que fizer para a paz, então age para transformar cada crítica a seu governo a uma crítica ao povo judeu. Há muito antissemitismo no mundo que precisa ser extirpado, mas também há cara de pau.

O bolsonarismo percebeu a oportunidade e está explorando o caso nas redes sociais, focando principalmente em evangélicos que têm na defesa de Israel um dos seus principais pilares. Lula está sendo vendido, literalmente, como o anticristo por conta da declaração em grupos religiosos no WhatsApp e no Telegram.

Com isso, uma cortina de fumaça acabou sendo involuntariamente jogada pelo petista sobre o escândalo do planejamento de golpe de estado por Bolsonaro e aliados, que vinha tomando boa parte do noticiário. Mas não só.

O bolsonarismo está usando a declaração de Lula para chamar eleitores evangélicos de Bolsonaro para o ato de 25 de fevereiro na avenida Paulista. Como Netanyahu transformou os comentários de Lula em um ataque ao povo judeu, aliados do ex-presidente aproveitaram a deixa e deram ares de guerra santa à manifestação de apoio aos golpistas no próximo domingo.

Há evangélicos que, por mais que mantenham o apoio a Jair, não se sentem confortáveis de irem a um evento que não é uma defesa do Estado Democrático de Direito, como vende cinicamente o ex-presidente, mas uma tentativa de encarecer a sua condenação e prisão. Mas podem se sentir mais à vontade de ir a um evento em que se defenda Israel.

Contudo, aqui entra de novo o roteirista desta chanchada chamada “Brasil”, que tratou de complicar ainda mais a situação, com a intimação de Bolsonaro, hoje, para depor no próximo dia 22.

A informação sobre o depoimento, que seus advogados tentam adiar para depois do ato em apoio a ele, ganhou as redes, devolvendo Jair aos holofotes por algo bastante negativo.

A decisão pelo depoimento, claro, não foi tomada hoje, pois dependeu de aval do sistema de Justiça. Agora, bolsonaristas reclamam que uma cortina de fumaça está dispersando a sua cortina de fumaça. Palmas para o roteirista.

Jair Renan é indiciado por falsidade ideológica e lavagem de dinheiro

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) confirmou, nesta quinta-feira (15), a conclusão do inquérito vinculado à Operação Nexum, deflagrada em agosto do ano passado, para investigar um possível esquema de fraudes, estelionato, falsificação de documentos, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O caso envolve Jair Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o seu instrutor de tiro, Maciel Alves.

De acordo com a PCDF, ao final da investigação, cujos detalhes estão sob sigilo, tanto Jair Renan quanto Maciel Alves foram formalmente acusados pelos crimes de falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro. O relatório final da investigação foi encaminhado ao Poder Judiciário no dia 8 de fevereiro, informou a corporação. Agora, cabe ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) analisar o caso e decidir se oferece denúncia contra ambos para que se instaure um processo penal na Justiça.

Ainda no ano passado, foi realizada uma operação policial de busca e apreensão contra os acusados. O inquérito apontava, de acordo com os investigadores, “para a existência de uma associação criminosa cuja estratégia para obter indevida vantagem econômica passa pela inserção de um terceiro, ‘testa de ferro’ ou ‘laranja’, para se ocultar o verdadeiro proprietário das empresas de fachada ou empresas ‘fantasmas’, utilizadas pelo alvo principal e seus comparsas”. A Operação Nexum foi conduzida pelo Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor) da Polícia Civil do DF.


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