16/05/2024 - Edição 540

Poder

Políticos brasileiros vão aos EUA para criação de frente mundial pela democracia

Direita golpista está sendo normalizada como ‘frente ampla’ no Brasil e no mundo

Publicado em 29/04/2024 9:04 - Chico Alves (ICL Notícias), Jamil Chade (UOL), João Filho (Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação

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Dois senadores e quatro deputados federais brasileiros desembarcam hoje nos Estados Unidos para encontros com políticos americanos em articulação para criar uma frente internacional em defesa da democracia. O objetivo é se contrapor ao avanço mundial da extrema direita.

Na agenda, estão previstas reuniões com vários parlamentares americanos — incluindo Jamie Raskin, deputado democrata que preside a CPI que investiga a invasão do Capitólio — integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OEA, representantes dos movimentos sociais e com o senador Bernie Sanders.

Estão no grupo a senadora Eliziane Gama (PSD/MA) — que presidiu a CPMI do 8/1 –, o senador Humberto Costa (PT/PE) e os deputados — Rogerio Correa (PT/MG), Rafael Brito (MDB/AL), Jandira Feghali (PCdoB/RJ) Pastor Henrique Vieira (PSOL/ RJ).

“Esta viagem tem por objetivo iniciar uma articulação mais orgânica entre forças e representações políticas que concordam em fazer o contraponto à articulação da extrema direita em nome dos valores democráticos”, explicou a deputada Jandira Feghali, em entrevista ao ICL Notícias.

“Nos Estados Unidos e no Brasil houve duas CPIs para apurar as tentativas de golpe tanto no Capitólio em 06 de janeiro, que nos convida, quanto a que investigou o 8 de janeiro. Vamos começar por este encontro”.

Segundo a deputada, a ideia é reforçar a democracia e o respeito aos direitos democráticos. “Isto inclui a regulação das redes”, destaca ela. “Obviamente que esta articulação enfrentará o movimento que a extrema direita tem feito. A ideia é expandir para países de outros continentes, a começar pela Europa”.

No contato com esses políticos americanos, os parlamentares brasileiros pretendem tratar sobre a importância do Brasil como laboratório do extremismo de direita internacional. A agenda de encontros vai se estender até o dia 2 de maio.

CPI nos EUA

Junto com outros 38 parlamentares da base do governo dos Estados Unidos no Congresso, o deputado Jamie Raskin ajudou a articular em meados de 2022 a carta ao presidente Joe Biden que pediu que ele deixasse “inequivocamente claro” para Jair Bolsonaro que o Brasil ficará “isolado dos EUA e da comunidade internacional” em caso de “tentativas de subverter o processo eleitoral do país”. Além disso, ele sugeriu que os EUA revissem a proximidade do Brasil com a Otan e a entrada na OCDE se isso ocorresse.

Na CPI do Capitólio, Raskin investigou ligação entre Bolsonaro, Trump, Putin e Orbán, lideranças da extrema direita internacional.

Na semana passada foi aberta na Hungria a Conferência de Ação Política Conservadora, na verdade o encontro de representantes da extrema direita de vários países.

No sábado (27), ao lado do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) voltou a afirmar que a democracia brasileira está sob ataque e que seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e os seus apoiadores estão sofrendo censura, em referência à tentativa de golpe do 8 de janeiro. Na ocasião, o parlamentar também elogiou o dono do X, Elon Musk, que tem feito campanha contra o Suoremo Tribunal Federal do Brasil e o governo Lula.

Articulação internacional da extrema direita

Em uma das agressões dessa onda de ataques, que comprova a articulação internacional dos reacionários, o dono do “X” (antigo Twitter) chamou Moraes de “ditador brutal” e disse que o ministro tem o presidente Lula “na coleira”.

Musk atacou Moraes pela primeira vez no dia 6 de abril e ameaçou reativar os perfis de usuários bloqueados pela Justiça. O bilionário, queridinho da extrema-direita, acusa o ministro de censura e de ameaçar prender funcionários da rede social no Brasil.

Depois, Musk respondeu a publicações feitas pelos deputados federais Marcel van Hattem (Novo–RS) e Nikolas Ferreira (PL–MG). Ao interagir com o parlamentar gaúcho, o bilionário questionou o motivo de o Congresso manter Moraes como ministro.

“Por que é que o parlamento permite a Alexandre o poder de um ditador brutal? Eles foram eleitos, ele não. Jogue-o fora”, escreveu.

Na semana passada, em Budapeste e com a presença de alguns dos principais nomes do movimento ultraconservador no mundo, o deputado Eduardo Bolsonaro saiu em defesa das pessoas detidas por conta do envolvimento com os ataques de 8 de Janeiro, defendeu Mauro Cid, auxiliar de ordens de seu pai Jair Bolsonaro, denunciou supostas “torturas” com aliados bolsonaristas e teceu elogios a Elon Musk.

O discurso construído para dar uma impressão de que uma repressão e “censura” estaria ocorrendo no Brasil e que a democracia estaria em risco foi feito no CPAC 9 (Conferência de Ação Política Conservadora), a principal conferência ultraconservadora mundial, desta vez transformada em um palco para articular posições para eleições estratégicas que vão ocorrer em 2024.

A tática de disseminação desta narrativa repete o que Eduardo Bolsonaro e outros parlamentares fizeram nos EUA em março e numa sala praticamente vazia do Parlamento Europeu em abril. Eles ainda foram ao Tribunal Penal Internacional para apresentar uma queixa, ainda que não existam evidências de que tenham sido recebidos pelo procurador-geral.

No público em Budapeste, ouviam Eduardo Bolsonaro os herdeiros do franquismo na Espanha, aliados de Donald Trump, membros da equipe de Javier Milei e alguns dos partidos mais xenófobos da Holanda, Itália, Eslovênia, Polônia, França, Alemanha e Áustria.

Antes de Eduardo Bolsonaro, os demais discursos fizeram ataques explícitos contra o movimento LGBTQI+, ONGs, intelectuais, judiciário, imprensa e imigrantes.

2024: ano decisivo

Sob som de rock, o tom foi dado pelo apresentador do evento ao chamar cada um dos oradores ao palco: “Sabemos que os liberais são todos comunistas”.

O discurso mais aguardado era o do primeiro-ministro do país europeu, Viktor Orbán, aliado e referência do bolsonarismo. “Vamos ter eleições pelo mundo e elas terão de ser vencidas”, conclamou o anfitrião húngaro.

Os discursos formais são apenas a face pública do encontro. O foco da articulação envolve principalmente as eleições em junho para o Parlamento Europeu, onde a extrema direita chega com posição de destaque em quatro dos seis países fundadores da UE (União Europeia). Outro objetivo central é a eleição americana e o retorno de Donald Trump para a Casa Branca.

Segundo Orbán, essas votações ocorrem num momento em que o mundo vive uma mudança geopolítica importante. “Temos de sair vencedor”, insistiu. A narrativa usada por vários dos palestrantes era a mesma: aqueles no poder estão “instrumentalizando” a Justiça para “reprimir” os partidos de extrema direita.

A direita golpista está sendo normalizada como ‘frente ampla’

Na semana passada, o jornalista Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, revelou detalhes sobre uma das frentes de ação dos golpistas em 8 de janeiro. Na noite do dia em que houve a invasão aos prédios dos Três Poderes, golpistas derrubaram três torres de transmissão de energia, em um intervalo de três horas e em estados diferentes.

Todas essas ações fizeram parte de um mesmo plano coordenado pelo golpismo bolsonarista para desestabilizar o país e criar as condições materiais para a tão desejada decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que deixaria Lula de mãos atadas e colocaria o Exército no poder.

Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) obtido pelo jornalista através da Lei de Acesso à Informação não deixa dúvidas de que tudo foi orquestrado. O documento fala em ‘sabotagem’, ‘ações criminosas’ e completa: ‘não foram registradas condições climáticas adversas que pudessem ter causado a queda das torres’.

Depois de derrubarem três torres de energia na noite de 8 de janeiro, os golpistas danificaram outras 21 até o fim do mês, em seis estados diferentes.

O laudo de todas define como sabotagem e aponta uma repetição sistemática de um conjunto de ações: parafusos da base das torres e os cabos de sustentação foram retirados, ‘ficando a torre sem sustentação e possibilitando a queda’.

O modus operandi é claro. A ação foi complexa e exigiu organização, planejamento e equipes de pessoas treinadas em diferentes estados do país para derrubar torres de energia.

Como aponta a reportagem, a operação de sabotagem tem gosto, cheiro e aparência de ser coisa dos ‘kids pretos‘ — o grupo clandestino do Exército treinado para ações de sabotagem e que sempre foi muito próximo de Jair Bolsonaro. Só eles teriam a expertise e o treinamento necessários para coordenar essa ação criminosa de tamanha complexidade.

A reportagem de Lúcio de Castro deveria estar sendo amplamente repercutida, com destaque nas páginas principais portais e nos jornais televisivos e alvo da indignação dos colunistões mais prestigiados da imprensa corporativa. Mas nada disso aconteceu.

A reportagem que revela a gravidade e a complexidade das operações golpistas, deflagradas no primeiro mês do governo Lula, caiu em completo esquecimento.

Esse silêncio faz parte de um processo de naturalização do golpismo que vem acontecendo no debate político. Passado pouco mais de um ano de uma tentativa de golpe de Estado, parece que o assunto perdeu a gravidade, e vemos golpistas sendo tratados como se fossem democratas, merecedores de ser ouvidos.

Nenhum golpista se sente constrangido pelo fato de ser golpista. Tudo bem, alguns deles têm mandatos concedidos pelo povo e devem ser respeitados por isso, mas não é razoável que nós, democratas, criemos um ambiente tranquilo e sem constrangimentos para os golpistas.

Por que jornalistas não estão agora questionando políticos bolsonaristas que apoiaram o golpe sobre a megaoperação que tentou deixar o país sem luz?

Se os caminhos pragmáticos da política tentam nos levar ao esquecimento do golpismo, é papel da imprensa lembrar todos os dias de que o bolsonarismo tentou solapar a democracia no país.

Mas o que vemos são golpistas sendo tratados com a maior naturalidade no jogo democrático. Não passam pelo constrangimento nem de serem chamados de golpistas.

Em São Paulo, por exemplo, a candidatura apoiada pelos golpistas para a prefeitura da capital vem sendo chamada de ‘frente ampla’ com a maior naturalidade. Nunes reuniu políticos de diversos partidos e ideologias, inclusive alguns que integram a base de apoio do governo Lula.

Na realidade, trata-se de uma união de políticos de direita com Aldo Rebelo e Paulinho da Força — dois nomes que já foram identificados com a esquerda, mas que hoje topam qualquer negócio. Paulinho é um clássico fisiologista enquanto que Rebelo se encontra hoje aninhado com a extrema direita.

Entre eles temos também golpistas como Tarcísio de Freitas e Valdemar da Costa Neto, que estiveram na última manifestação da Av Paulista convocada por Bolsonaro para intimidar o STF. Tarcísio foi um dos principais ministros do governo golpista e se calou diante da escalada golpista.

Já Valdemar, um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, mobilizou o seu partido, o PL, para financiar ações que acusavam falsamente fraude nas urnas eletrônicas. É absurdo e ridículo que a turma golpista se enxergue como parte integrante de uma ‘frente ampla’, mas a expressão está sendo adotada até mesmo pela imprensa corporativa.

Foi assim que o jornal O Globo anunciou a união dos políticos de direita: ‘Nunes consolida frente ampla em jantar com caciques e vai adiar decisão sobre vice na prefeitura’. O resto do noticiário abraçou a expressão e o absurdo foi normalizado.

Uma ‘frente ampla’ pressupõe a união entre políticos que se opõe contra um mal maior. Trata-se de uma tática para reunir o maior número de pessoas contra um ator político que ameaça a democracia.

Foi assim quando Jango, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda em 1966 decidiram formar uma frente ampla contra o regime militar. Ou quando Lula, Alckmin, Tebet e outros se uniram contra a candidatura fascistoide e golpista de Jair Bolsonaro.

Contra o que exatamente a frente ampla formada por golpistas está se mobilizando? Contra Boulos, um político que em nenhum momento representou uma ameaça ao jogo democrático? Ora, tratar isso como ‘frente ampla’ é um acinte à história da democracia. É isso o que a grande imprensa faz quando compra docilmente a narrativa do golpismo bolsonarista.

É com essa aura de movimento democrático que a imprensa está tratando um movimento de direita que inclui políticos francamente golpistas. Ontem os golpistas derrubavam torres de energia para tomar o poder, hoje estão participando de ‘frentes amplas’.

Diferente da reportagem que revelou uma sofisticada operação golpista para deixar o país sem energia, a ‘frente ampla’ formada por golpistas ganhou grande repercussão na imprensa. ‘Tudo está normal. Nada está acontecendo’, como diria a charge clássica de André Dahmer.


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