18/05/2024 - Edição 540

Poder

Pacificação do país passa por entendimento de Lula com os militares

Continência para o presidente, inelegibilidade para Bolsonaro

Publicado em 17/03/2023 12:58 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Eduardo Maretti (RBA), RBA – Edição Semana On

Divulgação Abr

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Se o ex-presidente Bolsonaro compareceu a todas as solenidades militares que quis, até mesmo a formaturas de cadetes, por que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deveria fazê-lo?

Bolsonaro cultivou os militares movido pelo desejo ardente de se perpetuar no poder, e se não fosse possível, dar lugar a quem prosseguisse sua obra de restauração do regime autoritário de 64.

Por isso empregou mais de 7 mil militares no governo, brindou-os com uma reforma da Previdência Social particular e concedeu-lhes privilégios especiais. Politizou-os o mais que pôde.

A intenção de Lula é justamente oposta. Ele nunca foi uma ameaça à democracia, e não dá sinais de que será. Seu propósito é despolitizar os militares e manter boas relações com eles.

Isso não será possível se Lula e eles permanecerem distantes. Só alimentaria o ódio pela esquerda inoculado por Bolsonaro nos quarteis. De resto, o presidente é o Chefe das Forças Armadas.

A pacificação política do país passa também por um bom entendimento entre o presidente e os militares, seus subordinados. Interessa às duas partes. Não representa perigo ao país.

Continência para Lula, inelegibilidade para Bolsonaro

Deve ter doído fundo no coração dos bolsonaristas, e dos golpistas em particular, a imagem de Lula passando em revista tropas da Marinha e recebendo continência. Em breve, cena igual deverá se repetir em dependências do Exército e da Aeronáutica.

Lula acumula acenos às Forças Armadas que sempre o detestaram, ajudaram Bolsonaro a se eleger em 2018, a governar e a tentar se reeleger no ano passado. Havia até um plano mal costurado para sustentar a extrema-direita no Poder por algo como 20 anos.

Mas Bolsonaro perdeu, embora por uma diferença ínfima de votos, e embora tenha usado o aparelho estatal como jamais o fez um presidente desde o fim da ditadura de 64. Vida que segue, pois. Os militares terão que engolir Lula por 4 anos; talvez mais.

Terão que engolir também o que o destino determinar para Bolsonaro; o destino, não, o Tribunal Superior Eleitoral, do ministro Alexandre de Moraes. As condições estão criadas para tornar Bolsonaro inelegível. E ele parece conformado com isso.

Só não quer ser preso, é natural. Foi o que ele mesmo insinuou diante de uma plateia de empreendedores brasileiros durante um evento, esta semana, nos Estados Unidos: “Infelizmente, em alguns casos no Brasil, você não precisa ter culpa para ser condenado. Então, existe a possibilidade de inelegibilidade, sim. A inelegibilidade é porque o cara que está lá, até pela idade, não vai ter longa vida na política.”.

O “cara” é Lula. Quanto à prisão: “A prisão, só se for uma arbitrariedade. Não participei de quebra-quebra, só respeitei o pessoal em frente aos quartéis porque era direito dele se manifestar publicamente”.

Pedir intervenção militar para anular o resultado de eleições consideradas limpas pela Justiça é crime contra o Estado de Direito Democrático, sujeito a punição. Bolsonaro sabe. Finge ignorar. Ninguém pode governar desconhecendo as leis.

Bolsonaro não seria quem é se perdesse a chance de espalhar mais uma notícia falsa: a de que a tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro foi uma armação do governo Lula. Então, disse: “As informações que temos é que o pessoal de dentro [dos prédios do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal] estava esperando o pessoal chegar com tudo quebrado já”.

“A gente torce muito para que saia essa CPI que a esquerda não quer. Eles não querem porque a verdade, realmente, é o que nós sabemos o que aconteceu”.

Por fim, indiretamente, confessou o que o levou a fugir do país no final de dezembro último: “Se eu tivesse no Brasil… Mas eu vim para cá dia 30 de dezembro. Eu entendo que se eu tivesse no Brasil iria ter problemas. Mas que golpe é esse? Quem é o golpista? Cadê a tropa? Já que eles tomaram os Três Poderes, quem assumiu?”

O destino de Michelle foi decidido pelo marido: “Conheci minha mulher falando o ano passado naquela convenção. Não sabia que ela tinha aquela capacidade. E fala muito bem, foi fantástica. Ajudou na campanha, bastante, tem essa veia política. Mas não é candidata a cargo no Executivo”.

Não seria o caso de deixar Michelle escolher se quer disputar um cargo no Executivo? Ou será na base do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, coisa ensinada na caserna?

Bancada do PT quer papel militar claro na Constituição, sem margem para ‘tutela’ política

A bancada do PT na Câmara dos Deputados trabalha para coletar assinaturas e garantir a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar o artigo 142 do texto constitucional. O dispositivo foi constantemente usado por Bolsonaro e seguidores – até mesmo por leigos sem qualquer noção de leis – para argumentar que as Forças Armadas poderiam exercer um “poder moderador” no país e, em última instância, tutelar os poderes. Era o que queriam o ex-presidente e seu entorno golpista.

Essa possibilidade estava no cerne da tentativa de golpe de 8 de janeiro: provocar o caos para justificar uma GLO, uma operação para garantia da lei e da ordem com base “no 142”, como diziam os bolsonaristas. A PEC é de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) e exclui da Constituição as GLO. Confira o texto da PEC.

O artigo 142 em vigor diz que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. O texto de Zarattini propõe as Forças Armadas “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob o comando supremo do Presidente da República, e destinam-se a assegurar a independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.

Segundo a justificativa do texto, há “nítida extrapolação” na atual previsão do artigo 142 do papel das Forças Armadas como instrumentos da ordem democrática. A constatação, não só de Zarattini, mas de vários atores democratas, é de que a redação da Constituição dá margem a uma interpretação ambígua ou dúbia, e a brecha foi usada pelos golpistas e por Bolsonaro.

Justificativa

O autor do texto, ao justificar a PEC, cita o exemplo de Portugal, país que passou por décadas de ditadura salazarista, que, redemocratizado, como o Brasil, adotou uma nova Constituição. Mas o texto português prevê que “às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República”, e que elas “obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei”.

E, mais, a Carta Magna de Portugal é expressa ao prever que as Forças “estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

“Nada, ali, prevê que possam envolver-se em ações de “garantia da lei e da ordem”, e menos ainda atuarem de forma política”, diz o deputado na Justificativa. Além do fim das operações de GLO, a PEC proíbe que militares da ativa exerçam cargos civis e também exclui a atuação política dos militares.

Proposta de José Múcio

Ao mesmo tempo, como comentou ainda em dezembro de 2022, ao ser nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, entregou ao Palácio do Planalto uma proposta para obrigar militares da ativa a se desvincularem das Forças Armadas, se quiserem participar da vida política.

A RBA entrou em contato com a Assessoria de Comunicação Social (Ascom) do Ministério da Defesa, que disse não ter mais detalhes ou o texto em si, mas confirmou a informação de que o texto foi  “protocolado”.

A proposta prevê que entrarão compulsoriamente para a reserva os militares que disputarem eleições. Se não tiverem cumprido o tempo mínimo para ingressar na reserva, deverão se desligar das Forças Armadas, o que também vale, de acordo com o projeto, para militares que ocuparem ministérios.

Segundo o g1, Lula deu aval à proposta após reunião com Múcio. O texto estaria sendo construído em acordo com os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e será posteriormente enviada ao Congresso Nacional, onde um deputado da base do governo deve assinar como autor. Durante a tramitação, as propostas de Zarattini e de Múcio poderiam até ser fundidas, o que dependeria de muita negociação.

Novo presidente do Superior Tribunal Militar reforça compromisso com a democracia

O Superior Tribunal Militar (STM) tem um novo presidente. O tenente-brigadeiro Francisco Joseli Parente tomou posse do cargo hoje (16). A cerimônia contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também compareceram à Corte Militar a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber; o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. O vice-presidente da Corte, ministro José Coêlho Ferreira, também tomou posse no ato.

Parente assume a Corte Militar sob promessa de defesa de democracia. Sua gestão ocorrerá até o ano de 2025, em um período que sucede agitações golpistas entre membros das Forças Armadas, instigados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O presidente do STM reafirmou compromisso com a democracia.

“O cargo de presidente exige equilíbrio e serenidade, atuação firme e reafirmação de nossa democracia. Uma batalha a ser vencida por todos nós brasileiros. Juntos, venceremos. Vencer, para mim, significa caminhar por caminhos tortuosos e vencer obstáculos”, disse. “Sei o quanto o nosso presidente Lula se empenha para levar a cada brasileiro, principalmente os mais carentes, a certeza de que eles não estarão sozinhos na luta pela própria sobrevivência, educação, pão de cada dia”, completou

Na plateia, estavam presentes nomes como o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro Filho; os ministros do Supremo, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski; o procurador-geral da República, Augusto Aras; e o ex-presidente José Sarney.

Papel da Justiça Militar

Ao lado de Lula, Parente discursou sobre os desafios do cargo. Então, ele fez referência às tarefas de competência de Lula como comandante maior das Forças Armadas e do Executivo nacional. “Tenho convicção, presidente, que seu maior desafio será pacificar o Brasil”, disse. “A Justiça Militar tem cumprido seu papel, agindo nos ditames da lei e se fazendo presente onde quer que atuem nossos militares. Mesmo em momentos traumáticos de nossa história, a Justiça Militar cumpre seu dever como garantidora da disciplina e da hierarquia no seio das Forças Armadas”, completou.

O presidente da Corte também fez questão de reforçar a submissão e a relevância do Poder Judiciário civil, que abre possibilidades ao aperfeiçoamento da Justiça Militar. “O então presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, em 2016, criou uma comissão permanente perante ao órgão. Isso para desenvolvimento de estudos visando o aperfeiçoamento da Justiça Militar nos âmbitos estadual e federal. Foi um verdadeiro divisor de águas”, disse.

É essencial entender que a Justiça Militar não julga crimes de militares, e sim, crimes militares. A Justiça Militar, constitucionalmente, está submetida à supremacia do poder do Estado Democrático de Direito. Ela deve simplesmente servir como burocracia estatal, tão e somente.


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