18/05/2024 - Edição 540

Poder

Novas condenações diminuirão chances de Bolsonaro reverter inelegibilidade

Em delação, Cid diz que ex-presidente ordenou fraudes em certificados de vacina

Publicado em 24/10/2023 11:32 - Fábio Corrêa (DW), Aguirre Talento (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta, nesta terça-feira (24/10), mais um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre possíveis irregularidades cometidas durante as eleições gerais de 2022. Desta vez, a corte eleitoral vai analisar o caso envolvendo as comemorações do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro do ano passado.

Bolsonaro é acusado de cometer abuso de poder político por supostamente ter utilizado as cerimônias para fazer campanha eleitoral. O questionamento é feito por meio de três ações de investigação judicial eleitoral (Aijes), de autoria do PDT e da ex-candidata à Presidência Soraya Thronicke (União Brasil).

Na semana passada, o ex-presidente foi absolvido no TSE em três ações que questionavam a utilização dos palácios do Planalto e da Alvorada em transmissões ao vivo nas redes sociais com objetivos eleitorais. Neste caso, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) se manifestou a favor de uma absolvição. O órgão, porém, pediu a condenação de Bolsonaro nas ações referentes a Sete de Setembro.

Menos de um ano depois de deixar a presidência, o ex-capitão do Exército, que governou o país entre 2019 e 2022, se encontra cercado por imbróglios jurídicos.

Em junho, ele foi condenado pelo TSE, que o tornou inelegível até 2030 por ter utilizado uma reunião com embaixadores para questionar o sistema eleitoral que o elegeu.

Novas condenações?

Contando com as Aijes que serão julgadas a partir desta terça, a principal figura da direita brasileira tem ainda pela frente nada menos que uma dúzia de ações na corte eleitoral do país. Os processos questionam, entre outros, os ataques ao sistema eleitoral após a divulgação do resultado; o uso da máquina pública para a promoção da candidatura por meio de programas sociais; e até mesmo um tratamento privilegiado à emissora Jovem Pan.

Isso sem falar das investigações na esfera criminal, como o caso das joias sauditas ou o inquérito sobre os atos golpistas promovidos por bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro deste ano. Além disso, na semana passada, a Polícia Federal colocou na rua uma operação para investigar se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estaria espionando adversários de Bolsonaro durante a gestão do ex-presidente.

De acordo com especialistas ouvidos pela DW, mesmo que não seja possível aumentar o período de inelegibilidade – a pena é de oito anos, não cumulativa –, possíveis novas condenações tornariam a vida de Bolsonaro mais complicada por diminuírem as chances de outros recursos reverterem essas decisões.

“Objetivamente falando, a pena nesses casos nunca vai poder mais que os oito anos para os quais ele já foi condenado”, explica a jurista Silvana Batini, procuradora regional da República e professora da FGV Direito Rio. “O que pode acontecer nessas situações é ele também receber uma multa. Além disso, a decisão que já decretou a inelegibilidade ainda não transitou em julgado – ou seja, ainda cabe recurso. Ele ter sido condenado não retira a necessidade de julgamento de outras ações”, explica.

De acordo com Batini, no entanto, para além da condenação do próprio Bolsonaro, essas ações também podem assumir um caráter preventivo, protegendo as instituições de outros candidatos que possam se valer de abusos e crimes eleitorais semelhantes.

“A doutrina do abuso nas eleições é antiga no direito brasileiro, com conceitos e valores muito consolidados para evitar que se beneficie quem está com a máquina pública nas mãos. Mas o que não tínhamos ainda era uma jurisprudência forte nesse sentido, formada numa eleição presidencial. Ter uma jurisprudência formada por atos dessa natureza na eleição fortalece o sistema de justiça eleitoral e a própria democracia, porque a eleição não pode ser um vale-tudo”, complementa a jurista.

Futuro político de Bolsonaro

Dentro da bolha bolsonarista, houve pouca repercussão sobre o arquivamento das ações que tentavam enquadrar as lives do ex-presidente como abuso de poder. “No clã Bolsonaro, só o Eduardo fez uma postagem miúda no Twitter. São ações vistas como irrelevantes para aguçar o eleitorado”, comenta Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) e doutoranda em ciência política na USP.

Barreto pontua que agora, no caso do Bicentenário da Independência, é possível que a ação resulte numa condenação – mas que os efeitos sobre a base ainda são incertos. “Não acho que essas ações vão ter mais impacto que já tiveram, porque não tem como ter mais inelegibilidade. Mas, por outro lado, há uma PF que agora investiga servidores da Abin que monitoravam adversários, e isso preocupa muito mais a família Bolsonaro que o julgamento que está para acontecer. Tem Mauro Cid, tem outras frentes de apuração no cenário político que certamente vão ter muito mais impacto”, acrescenta.

A pesquisadora, que também é uma das autoras do livro O Caminho da Autocracia, diz que a responsabilização é um passo necessário depois que um líder de perfil autoritário não é reeleito, como foi o caso de Bolsonaro em 2022. “A democracia continua e as instituições devem responder aos ataques. Durante o governo dele, STF, TSE e o front capilar de exercício burocrático sofreram ataques impressionantes. Nada é mais esperado do que elas saírem desse modo de autodefesa, sinalizando para a população, não só para os candidatos, que essas ações não são aceitáveis no campo democrático”, afirma Barreto.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Paulo Henrique Cassemiro vê o Judiciário operando no sentido de não dar espaço para o bolsonarismo, após a não reeleição do ex-presidente. “O Judiciário tem que fazer isso como estratégia de sobrevivência. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, iria destravar projetos para se perpetuar no poder, seja com golpe, seja inviabilizando a competição eleitoral para se eleger”, diz.

Cassemiro não acredita numa perda de prestígio considerável do ex-capitão junto ao eleitorado, mas afirma que condenações, tanto na esfera eleitoral quanto criminal, podem complicar a viabilidade política dele. “Ele tem uma capacidade extraordinária de atração de votos, como já vimos provado em duas eleições. Por mais que estar perto da figura dele custe para quem o faz, já que ele tensiona o ambiente político, muitas lideranças bolsonaristas, como Tarcísio, não podem se distanciar muito porque perdem votos que Bolsonaro é capaz de atrair. Acho que a figura política do Bolsonaro não mudou nada com essas condenações. O que existe é um distensionamento do ambiente político com a saída dele“, afirma.

Segundo ele, a extrema direita veio para ficar, com a condenação ou não de Bolsonaro. “Se isso acontecer, vão haver mobilizações em torno de outros projetos políticos. As formas de mobilização política vieram para ficar: redes sociais, bolhas informacionais de construção de narrativa. Isso vai manter a extrema direita ativada”, conclui Cassemiro.

Em delação, Cid diz que Bolsonaro ordenou fraudes em certificados de vacina

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, afirmou em seu acordo de delação premiada que partiu do então presidente Jair Bolsonaro a ordem para confeccionar certificados falsos de vacinas da covid-19.

Em um dos depoimentos prestados por Cid à Polícia Federal, como parte de seu acordo de colaboração, o tenente-coronel admitiu sua participação na realização de fraudes nos certificados de vacina inseridos no sistema do Ministério de Saúde e também vinculou Jair Bolsonaro diretamente ao esquema. A informação foi confirmada ao UOL por três fontes que acompanharam as negociações do acordo.

Procurado, o advogado e ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten negou a acusação: “Eu garanto que o presidente nunca pediu nem pra ele, nem para a filha dele. Até porque o mundo inteiro conhece a posição dele sobre as vacinas, e o visto dele, como presidente da República, não necessitava de comprovante de vacina. A filha menor de idade também não tinha necessidade, razão pela qual não fez qualquer pedido ao tenente-coronel Mauro Cid sobre os certificados”, afirmou.

O relato de Cid contraria a versão que o ex-presidente apresentou à Polícia Federal. Em maio, Bolsonaro declarou que não conhecia nem orientou fraudes em cartão de vacinação para seu uso ou de familiares.

A investigação sobre os certificados falsos de vacina é uma das mais avançadas na Polícia Federal envolvendo o ex-presidente da República. A apuração teve início com a descoberta de diálogos no telefone celular de Mauro Cid que mostravam como o tenente-coronel acionou diversos contatos para solicitar a inserção dos dados falsos de vacina. O objetivo da manobra seria burlar as exigências de comprovação da vacinação para entrada em países estrangeiros.

Com base nessas informações, a PF deflagrou em maio a Operação Venire, cumprindo a prisão preventiva de Mauro Cid e outros alvos. O ex-ajudante de ordens só foi solto em setembro, depois que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes homologou seu acordo de delação premiada.

Certificado falso entregue em mãos

A PF já havia obtido provas suficientes sobre o esquema de fraudes nos comprovantes de vacinação da covid-19, mas ainda buscava identificar a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro nos fatos. Quando a operação foi deflagrada, o ex-mandatário e seus aliados passaram a afirmar que ele desconhecia o esquema. Em seu depoimento à PF, Bolsonaro também disse que nunca orientou as fraudes nos certificados. Mauro Cid, entretanto, desmentiu Bolsonaro, em seu acordo de delação premiada.

– Cid disse à Polícia Federal que recebeu de Bolsonaro ordens para confeccionar falsos comprovantes de vacinação da covid-19 em nome do então presidente da República e da sua filha mais nova, Laura, que é menor de idade.

– Em seu depoimento, o tenente-coronel relatou que providenciou os documentos falsos por meio de aliados. Cid afirma, então, que imprimiu os comprovantes falsos em nome de Jair Bolsonaro e de sua filha Laura e entregou os documentos em mãos ao então presidente da República, para que usasse caso achasse conveniente.

– Cid também confirmou à PF os fatos já identificados anteriormente pela investigação. Os dados falsos de vacina de Bolsonaro e Laura foram inseridos por funcionários da Prefeitura de Duque de Caxias no sistema do Ministério da Saúde em 21 de dezembro de 2022. Foram lançadas falsamente, em nome deles, duas doses da vacina Pfizer, por meio da inserção de dados realizada às 18h59 e 19h daquele mesmo dia.

– De acordo com as informações do inquérito da PF, Mauro Cid emitiu certificados de vacinação para Bolsonaro e sua filha no dia seguinte, 22 de dezembro de 2022, às 8h. A PF investiga se foram esses certificados que Cid imprimiu para entregar em mãos a Bolsonaro, como ele disse em seu depoimento.

– Bolsonaro viajou para os Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022, para não passar a faixa presidencial para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Os EUA exigiam, para entrada no país, comprovante de vacinação ou a realização de teste negativo de covid-19. A hipótese da investigação é que os certificados foram gerados para que Bolsonaro e sua filha não tivessem problemas na entrada ou saída dos EUA.

Crimes sob apuração

A Polícia Federal apura, no caso das fraudes dos certificados de vacina, uma série de crimes possivelmente atribuídos a Mauro Cid e aos demais alvos. Após as informações apresentadas por Cid, a PF ainda realiza diligências para finalizar o caso.

– A lista inclui os delitos de descumprimento de medida sanitária preventiva (detenção de um mês a um ano); associação criminosa (reclusão de um a três anos); falsidade ideológica (reclusão de um a cinco anos); inserção de dados falsos em sistemas de informações (pena de reclusão de dois a doze anos) e corrupção de menores (reclusão de um a quatro anos).

– Na decisão que autorizou a operação da PF deflagrada em maio, ainda sem ter as informações da delação de Mauro Cid, o ministro Alexandre de Moraes escreveu sobre a suspeita de participação de Jair Bolsonaro: “Diante do exposto e do notório posicionamento público de Jair Messias Bolsonaro contra a vacinação, objeto da CPI da Pandemia e de investigações nesta Suprema Corte, é plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição”.


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