18/05/2024 - Edição 540

Poder

No Senado, prefeitos confirmam que pastores lobistas do MEC pediam propina em ouro e em bíblias

Publicado em 08/04/2022 12:00 -

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A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado ouviu, nesta terça-feira 5, prefeitos que apontaram irregularidades na distribuição de recursos do Ministério da Educação. No centro do escândalo, que levou à demissão de Milton Ribeiro do comando do MEC, está a atuação de pastores na liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE.

O prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), reforçou que um dos pastores envolvidos no esquema cobrou propina de “um quilo de ouro” em um restaurante de Brasília.

José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul (SP), declarou que o recebimento de recursos pelo município ocorreria mediante um adiantamento de 40 mil reais “na conta da igreja evangélica”.

Os pivôs do escândalo são os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil. Ambos são alvos de um inquérito instaurado pela Polícia Federal para apurar o lobby de pastores no MEC.

Em março, o jornal Folha de S.Paulo divulgou um áudio que confirma a influência dos líderes religiosos sobre o repasse de recursos. Na gravação, o então ministro Milton Ribeiro admite priorizar, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, o envio de verbas a prefeituras indicadas por Gilmar e Arilton.

Ao todo, cinco prefeitos participaram da audiência no Senado nesta terça, dentre os quais três confirmaram pedidos de propina pelos pastores: além de Braga e Souza, esteve presente Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO). Pinheiro confirmou aos parlamentares que Arilton pediu a ele a compra de bíblias e, depois, o pagamento de propina para liberação de recursos do MEC.

“(Arilton) me abordou de forma muito direta e disse: ‘Vi que seu ofício está pedindo a escola que deve custar 7 milhões de reais de recursos, mas é o seguinte: Eu preciso de 15 mil na minha mão hoje. Faz a transferência comigo hoje, porque isso não cola comigo, porque vocês políticos são um bando de malandro.”

Calvet Filho, de Rosário (MA), e Helder Aragão, de Anajatuba (MA), alegaram aos senadores não terem conhecimento de pedidos de propina. Ambos os municípios, no entanto, receberam verbas do FNDE.

Há indícios de que o gabinete paralelo montado pelos pastores atua no MEC desde janeiro de 2021. Os recursos intermediados por Gilmar e Arilton vêm do FNDE, comandado pelo Centrão, e irrigam prefeituras aliadas com velocidade superior à do trâmite burocrático regular.

Em reação, a PF abriu um inquérito que mira a ação dos pastores. Milton Ribeiro, a princípio, não terá sua atuação investigada. O inquérito nasceu de uma solicitação da Controladoria-Geral da União, que precisou de sete meses de apuração preliminar e de uma semana de denúncias na imprensa para encaminhar à PF e ao Ministério Público Federal suspeitas de pagamentos de propina para obtenção de verbas do MEC.

A investigação ficará a cargo da superintendência da PF no Distrito Federal e se diferencia do inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República. Em março, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a PGR instaurasse uma investigação sobre Ribeiro.

Cármen acolheu um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que solicitou autorização para investigar o ex-ministro bolsonarista por supostos crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa

Brasil se habitua ao vexame na área da Educação

Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2019, o novo governo vendeu a ideia de que o Ministério da Educação seria um local ideal na máquina pública para o surgimento de uma gestão inteiramente nova. Caos não faltava.

Hoje, a nove meses do término do mandato, verifica-se que o novo pode ser uma coisa muito antiga. Normalmente, as notícias sobre o MEC saem na editoria de Educação. O excesso de ideologia empurrou o ministério para seção de política. Agora, tomada de assalto por pastores lobistas e prepostos do centrão, a pasta ganhou as páginas policiais.

Não foi por falta de material que a gestão Bolsonaro deixou de inovar na Educação. Em dezembro de 2019, final do primeiro ano do governo, saiu o resultado do Pisa, o programa internacional de avaliação de estudantes. Expôs a raiz do atraso nacional.

Quatro em cada dez alunos brasileiros na faixa dos 15 anos não entendem o que leem, não sabem fazer contas básicas e não compreendem conceitos elementares de ciência. Nenhum país chega a um desastre desse tamanho por acaso.

Fechado em 2018, antes da chegada de Bolsonaro ao Planalto, o teste revelou que, num ranking de 79 países, os alunos brasileiros ficaram nas 20 piores posições em leitura, matemática e ciências. Os indicadores estavam estagnados havia uma década.

O então ministro da Educação, Abram Weintraub, preocupou-se em enfatizar dois pontos. Disse que o Pisa não se referia ao governo Bolsonaro. Declarou que a culpa era 100% do PT e de sua "doutrinação esquerdófila". Faltou esclarecer para onde as teorias direitófilas do novo governo levariam a Educação.

Sob Bolsonaro, vendeu-se a tese segundo a qual os problemas educacionais seriam resolvidos em três lances: a malhação do educador Paulo Freire, o endireitamento de reitores esquerdistas e o banimento do comunismo de gênero das salas de aula. Verificou-se que, no ramo educacional, a ideologia é o caminho mais longo entre um projeto e a sua realização. As propinas pastorais e as licitações superfaturadas mostram que a guerra cultural é movida por um combustível cobiçado por todas as ideoligias: o dinheiro.

A nova rodada do Pisa, a avaliação internacional dos estudantes, deveria ter sido fechada no ano passado. A pandemia adiou o estudo para este ano de 2022. O Brasil aparecerá novamente em posição vexatória. O país se acostumou com o vexame.

Celebrem, bolsonaristas, o governo mais honesto da história!

Que tal combinarmos assim? O governo do presidente Jair Bolsonaro, como ele faz questão de proclamar, é o mais honesto da história da República. Mas nunca o Centrão, de triste figura, mandou tanto num governo como manda neste.

No princípio do governo era o verbo (verbo, não verba). E Bolsonaro dizia querer distância do Centrão e de suas sucursais tão somente interessadas no loteamento de cargos públicos para enfrentar a penosa jornada de enriquecer e de se eleger.

É uma jornada penosa que se repete a cada quatro anos. O deputado, ou senador, tem família para sustentar, e o salário, por mais alto que seja, mal dá para pagar as despesas. E os eleitores pedem coisas, e a eleição ou reeleição se aproxima, é um inferno.

Ele tem de dar um jeito. O primeiro que lhe ocorre é fazer as vontades dos governantes em troca da liberação de verbas para seus redutos eleitorais e de outros favores inconfessáveis. Um carguinho aqui, outro acolá para empregar afilhados que o ajudam.

Então ocorre o que se vê, o que sempre se vê. Se os governantes não temem a abertura de um processo de impeachment, negociam de uma posição de força. Mas se temem, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores largam em vantagem.

Ao escolher um general para vice, Bolsonaro pensou que bastava para exorcizar o demônio do impeachment. Quem ia querer derrubá-lo para dar posse a um milico? Mas, perdeu a confiança em Hamilton Mourão e julgou por bem render-se ao Centrão.

Os escândalos que vieram à tona desde então não passam da ponta de um iceberg gigantesco, a maior parte dele submerso. A compra superfaturada de vacinas, por exemplo. Só soubemos pela metade da história da vacina indiana contra a Covid-19.

Se as paredes do Ministério da Saúde falassem, quantas outras histórias fedorentas não contariam? A da produção de cloroquina é desconhecida até aqui. Quem lucrou com a venda da droga mais propagandeada pelo presidente da República?

E a história do Orçamento Secreto? Quantos crimes ela não esconde? Quem, um dia, seria capaz de imaginar que o Ministério da Defesa reservaria parte do dinheiro para financiar obras que poderão render muitos votos a aliados do governo? Nunca antes…

Denúncias de corrupção custaram o cargo de Milton Ribeiro, o quinto ministro da Educação em três anos e três meses. Bolsonaro disse que poria a cara no fogo se Ribeiro fosse culpado, mas por via das dúvidas, demitiu-o. Antes Ribeiro do que ele.

Três prefeitos ouvidos pelo Senado confirmaram o pedido de propina feito por pastores para terem acesso a verbas do ministério. Todos disseram que o pedido partiu do pastor Arilton Moura. Arilton e o pastor Gilmar Santos comandavam o esquema.

O prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, Gilberto Braga, do PSDB, contou que veio a Brasília para participar de uma reunião no Ministério da Educação. E lá, após a reunião, foi convidado pelo pastor Arilton Moura para um almoço com outros prefeitos:

“No espaço tinha de 20 a 30 prefeitos, e a conversa lá era muito aberta. Ele virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’ Eu apresentei minhas demandas para ele, e ele falou: ‘Olha, para mim, você vai me arrumar os 15 mil para eu protocolar as suas demandas, e depois que o recurso já estiver empenhado, você, como a sua região é de mineração, me traz um quilo de ouro.’”


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