05/05/2024 - Edição 540

Poder

Musk e extrema direita repetem no Brasil receituário que usaram nos EUA

Após tratar Brasil como uma República de Bananas e dizer que vai ignorar a Justiça, dono do X/Twitter será investigado no inquérito das milícias digitais

Publicado em 08/04/2024 2:06 - Alex Rodrigues e Lucas Pordeus León (Agência Brasil), Leonardo Sakamoto, Jamil Chade e Josias de Souza(UOL) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Cleverson Oliveira / Ministério das Comunicações

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou a inclusão do multibilionário Elon Musk entre os investigados do chamado Inquérito das Milícias Digitais (Inq. 4.874), que apura a atuação criminosa de grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais para influenciar processos políticos.

Na mesma decisão, tornada pública na noite de domingo (7), Moraes ordena a instauração de um “inquérito por prevenção” para apurar as condutas de Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), entre várias outras empresas. Segundo o ministro, a inclusão do empresário no Inquérito das Milícias Digitais foi motivada pela possível “dolosa [intencional] instrumentalização criminosa da rede social X”. Já a abertura de um outro processo deve-se às recentes manifestações de Musk, como a de que liberaria contas de usuários da X suspensas por decisões judiciais brasileiras – conduta que, em sua decisão, Moraes tipifica como possíveis casos de obstrução da Justiça e incitação ao crime.

“Determino, ainda, que a provedora de rede social X se abstenha de desobedecer qualquer ordem judicial já emanada, inclusive realizar qualquer reativação de perfil cujo bloqueio foi determinado por essa Suprema Corte ou pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob pena de multa diária de R$ 100 mil por perfil e responsabilidade por desobediência à ordem judicial dos responsáveis legais pela empresa no Brasil”, sentenciou Moraes.

Críticas ao STF

O ministro proferiu sua decisão um dia após o multibilionário publicar, nas redes sociais, a primeira de uma série de postagens criticando o ministro e o STF. No último sábado (6), Musk usou o espaço para comentários do perfil do próprio ministro no X para atacá-lo.

Em uma mensagem  de 11 de janeiro, na qual Moraes parabenizava o ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski por assumir o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Musk questiona : “Por que você exige tanta censura no Brasil?”.

Em outra postagem, ainda no sábado, Musk prometeu “levantar” [desobedecer] todas as restrições judiciais, alegando que Moraes ameaçou prender funcionários do X no Brasil. Já ontem (7), no início da tarde, pouco antes de o ministro divulgar sua decisão, Musk acusou Moraes de trair “descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”. Sustentando que as exigências de Moraes violam a própria legislação brasileira, Musk defendeu que o ministro renuncie ou seja destituído do cargo.

Pouco depois, ele recomendou aos internautas brasileiros utilizarem uma rede privada virtual (VPN, do inglês Virtual Private Network) para acessar todos os recursos da plataforma bloqueados no Brasil.

Campanha de desinformação

Em sua sentença, Moraes sustenta que, “na data de 6 de abril”, o dono da X “iniciou uma campanha de desinformação sobre a atuação do STF e do TSE, reiterada no dia 7, instigando a desobediência e obstrução à Justiça, inclusive em relação a organizações criminosas”.

Moraes também cita um outro inquérito – o 4.781 – de 2019, que investiga indícios de divulgação de notícias falsas, denúncias caluniosas, ameaças e outras infrações, para lembrar que a “instrumentalização criminosa dos provedores de redes sociais e de serviços de mensagens para [o cometimento] da mais ampla prática de atividades criminosas nas redes sociais” está “evidente”.

“Ressalto ser inaceitável que qualquer dos representantes dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, em especial o ex-Twitter, atual X, desconheçam a instrumentalização criminosa que vem sendo realizada pelas denominadas milícias digitais, na divulgação, propagação, organização e ampliação de inúmeras práticas ilícitas nas redes sociais, especialmente no gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito e na tentativa de destruição do STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto, ou seja, da própria República brasileira, principalmente após a tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023”, comentou Moraes, em sua decisão, lembrando que ele mesmo se reuniu, em diferentes ocasiões, com representantes das principais plataformas digitais para discutir “o real perigo dessa instrumentalização criminosa”.

“Os provedores de redes sociais e de serviços de mensagem privada devem absoluto respeito à Constituição Federal, à lei e à jurisdição brasileira”, sentenciou Moraes, acrescentando que a dignidade humana, a proteção à vida de crianças e adolescentes e a manutenção do Estado Democrático de Direito “estão acima dos interesses financeiros dos provedores de redes sociais e de serviços de mensagem privada”. E que o ordenamento jurídico brasileiro prevê a necessidade destas empresas atenderem todas as ordens e decisões judiciais, inclusive as que determinam o fornecimento de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação de usuários.

O esgoto

Em meio a ataques às decisões de  Moraes, Musk afirmou que a sua empresa está “levantando todas as restrições” determinadas pelo Poder Judiciário. Não foi claro sobre a quais decisões ele se referia, mas isso abre um grave precedente.

Primeiro porque qualquer pessoa física ou jurídica que opera em um país está sujeito às suas leis e ao seu Poder Judiciário. Questionamentos devem ser feitos em tribunais e, caso o apelo não seja ouvido, pode-se acionar o sistema de Justiça interamericano, na Organização dos Estados Americanos, ou internacional, nas Nações Unidas, contra um Estado.

Além disso, o X/Twitter já foi obrigado a excluir contas e postagens no Brasil que tratavam de temas como planejamento de ataques para matar estudantes em escolas (a rede foi usada por grupos que estimulam esse crime em abril do ano passado), mas também que promoviam mentiras sobre o coronavírus em meio à pandemia de covid-19. A desinformação propagada por negacionistas ajudou a ultrapassarmos 710 mil mortes pela doença no país.

Ou seja, não é apenas conteúdo relacionado a ataques ao Estado democrático de direito e de tentativa de golpe de Estado que foram removidos pela plataforma após pressão externa. Há outros temas sensíveis e que podem impactar a vida da população.

Ao chamar Alexandre de Moraes de censor, acusá-lo de trair a Constituição e a população, pedir sua renúncia ou impeachment e sugerir que suas decisões não serão mais obedecidas, Musk incentiva o desrespeito às instituições pela extrema direita. E ecoa declarações de Jair Bolsonaro, que bradou que passaria a ignorar as decisões do ministro do STF em um ato na avenida Paulista em 7 de setembro de 2021.

“Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais”, disse.

“Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o seu povo. Mais do que isso, nós devemos, sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade”, completou.

Com medo, Bolsonaro voltou atrás, e usou o ex-presidente Michel Temer para tentar convencer Moraes e o STF a colocarem panos quentes na crise instalada.

Se essa declaração do ex-presidente, uma das várias nesse sentido que ele produziu até sua tentativa de golpe de 2022/2023, precisa ser encarada em meio à sua tentativa de reeleição, as de Musk devem ser entendidas no contexto da nova resolução sobre propaganda eleitoral publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Polêmica, ela iria contra o Marco Civil da Internet ao afirmar, em seu artigo 9e, que as plataformas serão civil e administrativamente corresponsáveis por postagens “antidemocráticas”, ataques ao processo eleitoral, discurso de ódio e manipulação usando inteligência artificial mesmo sem denúncia pelo TSE ou determinação judicial para remoção do conteúdo.

Entidades da sociedade civil já questionaram a resolução, dizendo que ela vai contra a lei, e o caso vai ser analisado pela Justiça através dos instrumentos legais.

“Musk resolveu defender golpistas e escalar o tema por motivos políticos (possivelmente também comerciais), provavelmente antecipando descumprimento da resolução do TSE para as eleições 2024”, afirmou o secretário nacional de Políticas Digitais, João Brant, em sua rede social.

“Curiosamente, o Twitter tinha até o início de 2023 o melhor termo de uso em relação a eleições. Se eles cumprissem as próprias regras, provavelmente parte do conteúdo removido pela Justiça teria sido removido antes pela própria empresa”, disse.

O secretário diz que disse isso a Musk em reunião em 12 de janeiro de 2023, quando o bilionário já havia feito questionamentos sobre as decisões de Moraes. “Reforçamos naquele momento a importância das ações do TSE e STF em proteger a democracia brasileira. Mas evidentemente isso não era, e segue não sendo, relevante para o bilionário dono desta plataforma”, conclui Brant.

Já o advogado-geral da União, Jorge Messias, postou que é urgente regulamentar as redes. “Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A paz social é inegociável”, afirmou.

Para Musk, que nunca viu a operação brasileira do X como lucrativa, essa é uma excelente oportunidade para sair do país se vendendo como pretenso mártir de uma pretensa liberdade (lembrando que liberdade para fomentar golpe, covid-19 e ataques em escolas não é liberdade), jogando a culpa em terceiros. E ainda ajudar as posições da extrema direita de Donald Trump e Bolsonaro.

Agora é torcer para que os esgotos da internet não se entusiasmem com a promessa de Musk de descumprir decisões judiciais, sentindo-se livres para fazer o que fazem de melhor.

Lideranças pedem regulação das plataformas

Após Musk desafiar a Justiça brasileira, lideranças governistas do Congresso Nacional voltaram a defender a necessidade de se aprovar a regulação das plataformas digitais no Brasil. Por outro lado, líderes da oposição saíram em defesa do dono da plataforma X, antigo Twitter, reforçando tese de censura e de violação da liberdade de expressão no Brasil.

O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), destacou que o comportamento do bilionário é uma interferência estrangeira que conspira contra a democracia brasileira.

“Precisamos avançar com celeridade na votação do PL 2630, de relatoria do amigo Orlando Silva. E mais: amanhã me reunirei com o presidente da Anatel para avaliar quais medidas podem ser tomadas contra a grave ameaça representada pelas decisões e declarações recentes do dono do X. Talvez essa notícia seja uma surpresa para bilionário mimado que serve aos interesses do neofascismo, mas, no Brasil, ainda vigoram as leis brasileiras”, afirmou.

O relator do projeto de lei (PL) que regula as plataformas, deputado Orlando Silva (PcdoB-SP), disse que vai pedir ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), que paute o projeto.

“É impossível continuarmos no estado de coisas atual. As big techs se arrogam de poderes imperiais. Descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado. A regulação torna-se imperativa ao Parlamento”, comentou.

Em 2023, o projeto foi retirado de pauta. Segundo Lira, a ação das big techs, que são as megaempresas que controlam as plataformas de internet, foi decisiva para evitar a aprovação da matéria.

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, que representa o Executivo nos fóruns jurídicos, manifestou que a reação de Musk torna urgente a regulamentação das redes sociais.

“Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A paz social é inegociável.”, afirmou o ministro.

Outro ministro que se manifestou foi Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). O chefe da Secom destacou que o Brasil é uma democracia sólida com instituições autônomas e imprensa livre, com total liberdade de expressão.

“Não vamos permitir que ninguém, independentemente do dinheiro e do poder que tenha, afronte nossa pátria. Não vamos transigir diante de ameaças e não vamos tolerar impunemente nenhum ato que atente contra a democracia. O Brasil não é a selva da impunidade e nossa soberania não será tutelada pelo poder das plataformas de internet e do modelo de negócio das big techs”, comentou Pimenta.

Em nota divulgada nesse domingo (7), o Partido dos Trabalhadores (PT) destacou que a condução de Musk atenta contra a soberania brasileira.

“Sua demonstração de arrogância serve à campanha de mentiras de Jair Bolsonaro contra o Judiciário brasileiro e configuram ingerência totalmente descabida na vida política e na democracia em nosso país. A ofensiva truculenta do dono do “X” é mais uma evidência de que as plataformas devem se submeter a regulamentação muito clara, como ocorre em outros países, para que deixem de servir à propagação de mentiras e campanhas de ódio”, diz a nota.

Oposição

Enquanto lideranças políticas ligadas ao governo pedem a regulação das plataformas, parlamentares da oposição apoiam as declarações do multibilionário, como fez o líder da oposição do Senado, Rogério Marinho (PL-RN).

“Parece que o cobertor está ficando cada vez mais curto e as ameaças à liberdade de expressão estão repercutindo fora do Brasil. Nada mais odioso do que a censura. Viva a liberdade e o respeito a constituição tão relativizada nos últimos tempos”, afirmou Marinho.

Lideranças da oposição da Câmara e do Senado se reuniram, nesse domingo (7), para discutir o caso envolvendo o bilionário estadunidense e traçar a estratégia da oposição para os próximos dias.

O líder da oposição na Câmara, deputado Filipe Barros (PL-PR), disse que tem a obrigação de apurar as denúncias apresentadas nesse final de semana pelo proprietário do X, Elon Musk.

“A nota da empresa expõe definitivamente ao mundo o que temos denunciado há muito tempo: os brasileiros estão sofrendo várias violações de direitos humanos e da liberdade de expressão, em total afronta à Constituição e à própria democracia”, afirmou.

Musk avisou em 2020: ‘Vamos golpear quem quer que seja!’

Não foi por falta der aviso. Em 2020, respondendo a um post que acusava os Estados Unidos de ter estimulado no ano anterior a queda do então presidente boliviano Evo Morales, Elon Musk tuitou: “Nós vamos golpear quem quer que seja! Lidem com isso.” A Bolívia detém algo como 29% das minas mundiais de lítio, matéria-prima para as baterias dos carros elétricos da Tesla, um dos empreendimentos de Musk.

O tuíte de 2020 foi apagado. Mas potencializou-se a mensagem embutida nele. Se Deus o intimasse a escolher entre o Estado Democrático de Direito e o lucro, Elon Musk daria uma resposta fulminante: “Morra a democracia!”. E ficaria claro que, para o bilionário sul-africano, o grande acontecimento é a vantagem pecuniária. Só o dinheiro existe. O resto é paisagem.

Em maio do ano eleitoral de 2022, nas pegadas do anúncio sobre sua intenção de comprar o Twitter, Musk foi recepcionado no Brasil. Bolsonaro condecorou-o com a medalha da Ordem do Mérito da Defesa. Alardeou que Musk conectaria a Amazônia à internet via satélite, para mostrar ao mundo a “verdade” sobre a hipotética preservação da floresta. Chamou o visitante de “mito da liberdade”.

Hoje, o mito do mito utiliza o Twitter, rebatizado por ele de X, para propalar tudo o que o capitão está impedido pelas circunstâncias de sussurrar. Musk pregou no final de semana a renúncia ou a destituição de Alexandre de Moraes, acenou com o descumprimento de ordens do magistrado e insinuou que recolocará no ar perfis bolsonaristas suspensos pelo Supremo.

Na noite de domingo, Bolsonaro foi às redes para convidar seus devotos para novo ato em seu apoio, dessa vez no Rio de Janeiro, em 21 de abril. Cavalgando a polêmica, disse que falará sobre “Estado democrático de direito” e o “assunto do momento, que é a questão do Twitter.”

Simultaneamente, Alexandre de Moraes empurrou Elon Musk para dentro do inquérito sobre milícias digitais. Abriu contra ele investigação por obstrução à Justiça e incitação ao crime”. Fixou multa diária de R$ 100 mil por perfil que vier a ser reabilitado à revelia do Supremo. Moraes se deu conta de que o pior excesso que poderia ser cometido contra um dono de plataforma digital que se recusa a moderar o conteúdo seria o excesso de moderação.

Musk e extrema direita repetem no Brasil receituário que usaram nos EUA

Ao “revelar” o conteúdo de supostos e-mails internos do Twitter, o bilionário Elon Musk e a extrema direita repetem, no Brasil, o mesmo receituário que adotaram nos EUA na esperança de ampliar os ataques contra qualquer força política contrária a Donald Trump.

Em 2022, o empresário — que desmontou qualquer filtro de controle de desinformação e de direitos humanos dentro da empresa que comprou — passou a promover os “Twitter Files”, uma suposta conspiração que existiria dentro da empresa para prejudicar a extrema direita e os adeptos de Trump.

A narrativa ecoava a queixa de adeptos ao trumpismo que, sem qualquer tipo de provas, insistiam que as redes sociais adotavam posturas contra seus candidatos, pontos de vista ou ideias.

Todos os estudos, inclusive feito internamente no Twitter, revelavam o contrário, com algoritmos claramente favorecendo a proliferação de mentiras, desinformação e conteúdos promovidos pela extrema direita.

Ainda que o “vazamento” possa ser uma fonte para saber o que ocorre nos bastidores de uma plataforma social e a relação entre o aparato de segurança do Estado e empresas do mundo digital, especialistas alertaram que os documentos não bastam para chegar às conclusões que a extrema direita tenta emplacar.

Naquele momento, os jornalistas que tiveram acesso aos documentos de Musk tinham de aceitar certas condições que não foram reveladas. Uma delas era a de publicar suas histórias em primeiro lugar na plataforma X, o nome da empresa Twitter rebatizada por Musk.

Não há contexto para as denúncias apresentadas e nem a informação de contas de outras tendências políticas também foram suspensas. Sem isso, fica difícil — ou até impossível — saber se as decisões da empresa foram tomadas de forma justa.

Desde que assumiu a plataforma e a transformou em X, Musk reabriu contas que tinham sido banidas, inclusive de movimentos que fizeram parte dos ataques contra o Capitólio em 2021.

No Brasil, a narrativa parece seguir o mesmo receituário por parte de um empresário que se diz “um absolutista da liberdade de expressão”. As “revelações” foram imediatamente assumidas por políticos bolsonaristas, pedindo a abertura de CPI e difundindo a suposta notícia de que o país estaria prestes a se tornar uma ditadura.

Tudo isso ocorre enquanto o Judiciário, no Brasil, investiga a suspeita de que membros do governo Bolsonaro tramaram um golpe de Estado e uma ruptura democrática.

Musk não ameaçaria sair do Brasil se X fosse rentável como Google e Meta

A operação do X (antigo Twitter) por aqui nunca foi rentável como a do Google (que tem o maior mecanismo de busca e o YouTube) e a da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp). E ela tende a ficar ainda mais cara uma vez que o Brasil vem tentando impor às plataformas um padrão de cuidado semelhante ao que ocorre em países na Europa, o que demanda mais departamento jurídico, inteligência artificial e curadoria humana. E Elon Musk se incomoda em investir mais.

Em meio aos ataques a Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, Musk disse que fechará a empresa no Brasil mesmo que isso prejudique o seu lucro. A realidade pode ser o oposto: a manutenção da operação no Brasil tende a ser cada vez menos rentável e, portanto, menos interessante caso ele tenha que seguir as regras. E isso em um contexto em que a empresa despencou em valor de mercado e em receita publicitária nos EUA desde que ele a comprou.

Simplesmente desmontar uma operação no maior país da América Latina e demitir pessoas traria um ônus negativo para ele, que vende a imagem de empresário bem-sucedido. Daí, construir uma narrativa vem bem a calhar. Com todo o quiprocó que armou ao ameaçar com o descumprimento de decisões judiciais e saída do Brasil, agora ele pode fazer a mesma coisa e ainda vender a imagem de “paladino global da liberdade de expressão” e de “protetor mundial da democracia”.

Com a vantagem de também ajudar Donald Trump. Bolsonaro não é ninguém na fila global do pão, mas o Brasil serve como laboratório para as eleições norte-americanas em novembro. E a instrumentalização imediata das postagens do bilionário colocando em dúvida as instituições públicas nacionais mostram que esse tipo de ação funciona com determinados grupos.

Ele está muito menos preocupado com a liberdade latino-americana do que com seus próprios negócios e com a política interna nos Estados Unidos. Mostrou isso ao desistir do edital para internet por satélite no Brasil depois que ele foi revisado para evitar privilégios à sua Starlink. E com a Tesla perdendo força para a BYD chinesa, o liberal (sic) Musk sonha com o intervencionismo do Tio Sam para ajudá-lo.

Até agora, ele não devolveu à rede nenhuma conta ou postagem que havia sido suspensa por decisão judicial, ao contrário do que prometeu. Mas sugeriu aos usuários que quiserem continuar acessando a sua plataforma, que façam download de um aplicativo VPN – que mascara a origem do acesso e consegue, assim, burlar um eventual bloqueio do X/Twitter pela Justiça.

Isso não significa que Musk não acredite no que fala ou não siga um receituário que estimule a extrema direita global. Sim, ele acredita e sim seu comportamento agride a democracia sob a justificativa de protegê-la. Mas questões ideológicas são apenas parte da história, uma vez que ele mesmo já deixou claro que a sua liberdade para os negócios deve estar acima de tudo.

Em tempo: Imaginem um anunciante do X – sim, eles existem. Comprou um crédito na plataforma e vai promovendo seus anúncios. Em um dia, a plataforma sai do ar, não por um furacão ou por aliens que invadem a Terra provocados inadvertidamente pela SpaceX, ou seja, por motivos de força maior, mas porque seu dono usou a empresa para cometer crimes no Brasil. O anunciante, além de ter direito à devolução dos valores pendentes, certamente conseguirá uma indenização por ter seu contrato descumprido de forma estúpida. Liberdade para os seus negócios, não para o dos outros, claro.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Uma resposta para “Musk e extrema direita repetem no Brasil receituário que usaram nos EUA”

  1. Tua mãe disse:

    Vocês são uns comediantes. pqp. kkkk! Obrigado!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *