18/05/2024 - Edição 540

Poder

Moro escapa de morrer graças ao governo de quem pensou em ferrá-lo

Politização do plano do PCC para eliminar autoridades é sinal de psicopatia

Publicado em 23/03/2023 9:14 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) - Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O timing não poderia ter sido pior para o presidente Lula. Um dia após ele afirmar que queria “foder esse Moro” quando estava preso na carceragem da Polícia Federal por conta de sua condenação pela Lava Jato, uma ação da PF, coincidentemente, desarticulou um plano do PCC para sequestrar e matar autoridades, entre eles o ex-ministro da Justiça e, hoje, senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

Isso desencadeou uma onda de bizarras teorias conspiratórias de bolsonaristas contra Lula, como se ele fosse responsável pelos planos contra o senador. Na verdade, Moro estaria na lista do PCC por transferências de lideranças de presídios e por uma portaria que restringia visitas íntimas quando era ministro da Justiça.

O ataque oportunista a Lula contou com a participação de parlamentares da extrema direita e o próprio Bolsonaro: “Em 2002, Celso Daniel, em 2018 Jair Bolsonaro e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”, postou no Twitter. Desde que ficou acuado com a revelação de que tentou se apropriar de R$ 17 milhões em joias do Estado brasileiro, o ex-presidente não partia para o ataque.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, repudiou as ilações em uma coletiva à imprensa. “Eu fico espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação séria, tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo”, afirmou. Ele disse que foi informado há 45 dias da ameaça contra as autoridades.

Em entrevista à TV 247, na terça (21), Lula disse teve raiva do ex-juiz federal Sergio Moro. “De vez em quando ia um procurador, entrava lá de sábado, dia de semana, para perguntar se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam: está tudo bem? [Eu respondia que] não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro”.

Compreende-se que Lula nutra sentimentos negativos pelo ex-juiz federal que ajudou Jair Bolsonaro a virar presidente ao tirar o petista da eleição de 2018 ao manda-lo para a cadeia por 580 dias. Mas hoje ele é presidente da República e Moro, senador da oposição. Declarações desnecessárias como essa têm suas consequências.

Na tarde de terça, após a entrevista ser veiculada, a vontade de Lula de “foder” Moro já estava entre os assuntos mais comentados no Twitter. Mesmo que parte da extrema direita não goste do ex-ministro da Justiça por ele ter deixado o governo de Bolsonaro acusando o chefe de interferir na PF para defender amigos e parentes, o apoio a ele foi maciço pela possibilidade de atacar Lula.

Moro afirmou, em entrevista à CNN, nesta terça, que “o presidente feriu a liturgia do cargo por utilizar palavreado de baixo calão” e que isso estava sendo “utilizado como forma de desviar o foco dos fracassos do governo federal”.

Mais importante, contudo, foi outra parte do comentário. “Quando o presidente usa essa linguagem ofensiva contra mim, a meu ver ele gera até um risco pessoal para mim e minha família”, disse.

Quando afirmou isso já sabia do plano do PCC contra ele. Tanto que o seu colega Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, afirmou ao UOL, nesta quarta (22), que ele e sua família estavam sendo acompanhados pela PF há um mês. Outros alvos também contavam com proteção de autoridades.

É difícil imaginar que a resposta de Moro à CNN não tenha levado em consideração que uma investigação por ameaças contra ele vindas do PCC estava em curso pela Polícia Federal. Nesse sentido, sua declaração deixou uma conexão a ser preenchida pelo bolsonarismo, que vive à base de teorias da conspiração.

E eles efetivamente fizeram isso na manhã de hoje, bombando a mentira que Lula se aliou ao PCC contra Moro. Como já existe outra fake que liga a cúpula do PT a essa organização criminosa, tudo fez sentido para cabeça de muita gente que vive de mentira.

Nos bastidores do governo em Brasília, há quem acuse o timing para desbaratar a operação como “perfeito demais”, um dia após as declarações infelizes de Lula. Ou seja, que houve oportunismo contra Lula.

Mas isso também está no campo da especulação. O que está no campo concreto é que o presidente falou demais. E, agora, há até parlamentar discutindo coisas surreais, como um pedido de impeachment de Lula por ameaça a Moro.

Durante entrevista à TV 247, ele chorou ao lembrar dos 580 dias em que permaneceu preso na carceragem da PF em Curitiba. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações por vícios nos processos e considerou que o então juiz federal Sergio Moro foi parcial no julgamento.

Ficar preso injustamente mexe com cabeça de qualquer um e, justamente, Lula chorou na entrevista por conta disso. Porém, o presidente da República, conhecido por sua espontaneidade, precisa entender que as orientações que recebeu durante a campanha eleitoral do ano passado continuam valendo: tudo o que ele disser será usado contra ele. Ainda mais quando ele der motivo para isso.

Moro escapa de morrer graças ao governo de quem pensou em ferrá-lo

A tentação de culpar Lula pelo crescimento do crime organizado no país é grande e em breve atrairá vozes estridentes. Algumas delas já reclamam da incapacidade do governo de devolver a paz ao conflagrado estado do Rio Grande do Norte.

Mas como não foi Lula que governou o país nos últimos 4 anos, nem nos últimos 8, nem nos últimos 12, talvez soe precipitado crucificá-lo. Também não foi ele que estimulou a população a se armar sabendo que parte das armas cairia nas mãos de criminosos.

Bem, mas Lula, que agora chora por tudo, cometeu a incontinência verbal de revelar o que respondia, quando preso, a quem lhe perguntava como estava passando. Invariavelmente, ele dizia: “Só vai ficar bem quando eu foder com o Moro”.

Se pode servir de consolo a Lula, dá para inferir que ele não sabia que no dia seguinte a Polícia Federal iria prender integrantes do PCC, a facção mais famosa do crime organizado, que planejavam matar o ex-juiz Sérgio Moro e outras autoridades públicas.

E não era para saber. Como órgão de Estado, a Polícia Federal não informa com antecedência a ninguém sobre o que fará amanhã ou daqui a pouco, nem mesmo ao ministro da Justiça ao qual está subordinada, quanto mais ao presidente da República.

É razoável supor que se Lula tivesse sido informado sobre a operação, calasse sobre o que lhe passava pela cabeça nos 580 dias de prisão em Curitiba. Seus instintos mais primitivos estavam à flor da pele. Ele queria vingar-se do juiz parcial que o condenara.

Que ironia! Lula só pensava em “foder” Moro. Pois foi no seu governo que Moro escapou de morrer. Se Moro tivesse sido assassinado culpariam o governo. Como foi avisado há dois meses e era protegido, culpam o governo da mesma forma. Quem culpa?

Os derrotados nas eleições passadas que afinal viveram um dia de glória depois de semanas sob o sufoco do escândalo das joias enviadas de presente pela ditadura da Arábia Saudita para o casal Bolsonaro – um agradinho no valor de quase 17 milhões de reais.

Direto dos Estados Unidos, onde se refugiou com medo de ser preso, Bolsonaro deu a senha para que seus seguidores malhassem Lula, o governo e o PT por conta do que não aconteceu a Moro. Escreveu no Twitter, ou Carlos, o Zero Dois, escreveu por ele: “Em 2002, Celso Daniel. Em 2018, Jair Bolsonaro e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”.

No Senado, Moro que saiu do governo passado acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal, discursou: “Gosto de uma frase em sentido metafórico. Se vêm para cima da gente com uma faca, temos de usar um revólver. Se usam revólver, temos de vir com metralhadora. Se têm metralhadora, temos que ter um tanque ou um carro de combate.”

Deveria ter dito isso a Bolsonaro à época em que era seu ministro da Justiça. Vai ver que o disse e Bolsonaro não ligou. Os dois fizeram as pazes e estão numa boa.

Politização do plano do PCC para eliminar autoridades é sinal de psicopatia

A derrota retirou Bolsonaro da Presidência. Mas não dissolveu suas obsessões ideológicas. Ao politizar a operação da Polícia Federal que desbaratou o plano do PCC para executar autoridades, Bolsonaro elevou seu ódio à esquerda petista a um estágio de psicopatia. De um líder se espera que irradie para os liderados padrões de sensatez, não sintomas de distúrbio mental.

Um dos alvos dos criminosos era o senador Sergio Moro, algoz de Lula na Lava Jato. O desprezo de Lula pelo personagem não impediu a Polícia Federal de realizar um trabalho de vitrine. Alertada pelo Ministério Público de São Paulo, a PF cercou em dois meses a célula do PCC que tramou homicídios e extorsões mediante sequestro em Brasília e em quatro estados.

Bolsonaro achou que seria uma boa ideia vincular o episódio ao assassinato do ex-prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, e à facada de que ele próprio foi vítima. “Em 2002, Celso Daniel”, escreveu o capitão nas suas redes antissociais. “Em 2018, Jair Bolsonaro. E agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”, ele acrescentou.

Bolsonaro surfou um comentário de calão rasteiro que Lula fez na véspera. Sem saber que a PF prenderia os criminosos do PCC, Lula desonrou o cargo que ocupa ao recordar numa entrevista que, preso em Curitiba, desejou “foder o Moro”. Falta a Lula uma noção qualquer de decoro. Sobra em Bolsonaro uma mistura de ignorância pessoal com psicopatia.

Bolsonaro fez carreira na política industrializando o ódio. Na Câmara, pregou o fuzilamento de FHC, enalteceu torturadores, homenageou milicianos, disse que não estupraria uma deputada por falta de merecimento… Chegou ao Planalto numa campanha em que falou em “fuzilar a petralhada”. Disputou a reeleição sustentando que precisava de um segundo mandato para “extirpar” da conjuntura o “quadrilheiro de nove dedos.”

O conservadorismo brasileiro precisa apresentar um líder mais qualificado. Bolsonaro tornou-se o primeiro presidente da história a não obter a reeleição desde que o instituto foi criado. Perdeu o trono. Manteve a pose de guia dos povos. Entretanto, emite desde a derrota sucessivos sinais de que já não serve nem para guia de cego.


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