06/05/2024 - Edição 540

Poder

Ministros do STM homenageiam bolsonaristas que atacam o Judiciário

O debate sobre a PEC dos militares na política pode ser retomado em maio

Publicado em 24/04/2024 9:38 - Caio de Freitas Paes e Cleber Lourenço – Agência Pública

Divulgação STM

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O Supremo Tribunal Militar (STM) condecorou com suas mais altas honrarias uma série de autoridades por terem “prestado reconhecidos serviços ou demonstrado excepcional apreço” à Justiça Militar, no último dia 10 de abril. Entre os homenageados estão figuras bolsonaristas que regularmente atacam o Supremo Tribunal Federal (STF) – esfera máxima do Poder Judiciário, ao qual a Justiça Militar está subordinada, a exemplo do pastor Silas Malafaia e do comentarista Guilherme Fiúza.

A lista de homenageados é definida em novembro do ano anterior por ministros do STM e, eventualmente, em reuniões extraordinárias do conselho da Ordem do Mérito Judiciário Militar. Ou seja, as honrarias foram definidas já durante o governo Lula e incluem dez parlamentares do Congresso, sendo três deles da base do governo e sete do centrão ou da oposição.

Um dos homenageados pelo STM foi o líder máximo da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, pastor Silas Malafaia, visto no evento portando a insígnia de “distinção” da Justiça Militar abraçado ao ministro do STM e general quatro estrelas do Exército Lourival Carvalho Silva, indicado pelo governo Bolsonaro à corte militar.

Crítico contumaz do Judiciário, Malafaia já desferiu uma série de ataques públicos contra integrantes do STF, como, por exemplo, quando chamou o ministro Alexandre de Moraes de “ditador desgraçado”.

O pastor esteve ao lado de Jair Bolsonaro (PL) em alguns de seus ataques mais inflamados contra o STF, como no dia 7 de setembro de 2021 na avenida Paulista, em São Paulo, quando Malafaia convocou fiéis para a marcha bolsonarista e subiu no mesmo caminhão de som do ex-presidente. Na mais recente manifestação do tipo, novamente na capital paulista, em fevereiro passado, Malafaia repetiu a dose, criticando mais uma vez a Corte.

O comunicador bolsonarista Guilherme Fiúza foi outro dos agraciados com a insígnia de “distinção” pela Justiça Militar. Comentarista em programas de rádio e internet de veículos alinhados à extrema direita, Fiúza já chamou ministros do STF de “hipócritas”, dizendo à época da pandemia que “tem um autoritarismo na Corte” e que o “Judiciário se desmoraliza sozinho”. Logo após o fatídico 8 de Janeiro, o comunicador foi alvo de decisão judicial que bloqueou seus perfis em redes sociais por alegação de que estaria divulgando discursos antidemocráticos.

Honrarias são para pessoas com atributos morais e éticos, segundo o STM

Segundo o regulamento da Ordem do Mérito Judiciário Militar, que define condições para a concessão das honrarias, “os agraciados deverão ter atributos de condutas moral, ética, pessoal e profissional idôneas, compatíveis com os valores cultuados pela JMU [Justiça Militar da União]”.

Em outras palavras, a condecoração no último dia 10 mostra que os ministros do STM enxergam tais qualidades também em outros homenageados no evento que celebrou o 216o aniversário da Justiça Militar.

A insígnia de “alta distinção”, por exemplo, geralmente se destina a figuras da política e do Judiciário. Uma das escolhidas para recebê-la neste ano foi a senadora e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro Damares Alves (PL), que votou a favor de um projeto de lei que limita os poderes do STF.

Além disso, a ex-ministra mantinha em seu gabinete um dos suspeitos de tentar explodir uma bomba nas proximidades do aeroporto de Brasília em 2022 e uma pastora do “300 do Brasil”. A tentativa de explosão foi parte da trama golpista que culminou no fatídico 8 de janeiro de 2023, e estavam no acampamento extremista “300 do Brasil” os autores dos disparos de rojões e fogos de artifício contra a sede do Supremo em 2020.

A insígnia de “alta distinção”  foi concedida também ao governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), e à deputada federal Bia Kicis (PL), dois ferrenhos bolsonaristas.

Kicis acumula críticas ao STF, ao qual já atribuiu um suposto “ativismo vil” no início de seu primeiro mandato, em 2019. Além disso, em 2021, a deputada criticou o Judiciário por supostamente pressionar deputados contra um projeto de lei para a adoção do voto impresso nas eleições federais do ano seguinte.

Aumentam, assim, as fileiras de bolsonaristas homenageados nos últimos anos. Em 2021, na época da pandemia, o STM deu honrarias para Anderson Torres, Eduardo Pazuello, Paulo Guedes, Ricardo Salles e outros do alto escalão do governo Bolsonaro.

A Pública perguntou à Justiça Militar os motivos para homenagear pessoas que notadamente atacam o Poder Judiciário. Em resposta, o STM disse apenas que “os nomes citados atendem aos requisitos necessários às indicações para a Ordem do Mérito Judiciário Militar”.

Em 2024, o STM homenageou também membros da cúpula do atual governo, como o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), além dos ministros da Educação, Camilo Santana (PT), e do Trabalho, Luiz Marinho (PT).

Também receberam as honrarias o deputado federal e ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Rui Falcão (PT), além dos ministros indicados pelo presidente Lula (PT) ao STF Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Honrarias, política e os planos da Justiça Militar

As condecorações da Justiça Militar foram entregues em um momento importante politicamente para o STM. A Corte trabalha pela aprovação de projetos de lei no Congresso – como um que aumenta seus poderes judiciais e outro que lhe concederia assentos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como já reportado pela Pública.

Há, inclusive, pessoas ligadas ao CNJ entre as homenageadas com a Ordem do Mérito do Judiciário Militar: a ex-conselheira Salise Monteiro Sanchonete, desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 4a Região indicada ao conselho pelo governo Bolsonaro, e o assessor jurídico Leonardo Peter da Silva, chefe de gabinete do conselheiro do CNJ Marcello Terto e professor no Instituto de Educação Superior de Brasília.

Para o advogado Cláudio Lino, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Análise de Legislações Militares (Ibalm), a entrega das honrarias é uma forma de a Justiça Militar se aproximar de autoridades jurídicas e políticas para avançar com seus objetivos.

“Através dessas solenidades, ministros do STM conseguem se aproximar de seus objetivos políticos, além de agradar autoridades do próprio Judiciário e da política”, disse o diretor do Ibalm à Pública, alegando ainda que “não é salutar essa aproximação da Justiça Militar com a Justiça Civil”.

O debate sobre a PEC dos militares na política pode ser retomado em maio

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 42/2023, a chamada “PEC dos militares na política”, que visa limitar e disciplinar parcialmente a participação de militares na política, vai ser votada em maio, segundo informou à Agência Pública o relator da proposta, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO).

Apuração anterior da Pública mostrou que a demora no avanço do tema passava por uma costura política do general da reserva do Exército e senador Hamilton Mourão (Republicanos), antigo vice-presidente de Jair Bolsonaro (PL), com o próprio vice-líder do governo na Casa, o senador Kajuru (PSB).

Segundo Kajuru, a votação deve ocorrer após um debate no plenário – ainda sem data definida e que deve contar com a presença dos representantes contrários à proposta, liderados pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e o governo, favorável à proposta, liderado pelo senador Jaques Wagner (PT).

Além do debate em plenário, uma audiência pública está agendada para a próxima quinta-feira, 25 de abril. Procurada pela Pública, a assessoria do senador Jaques Wagner, líder do governo na Casa, afirmou desconhecer os calendários. Também fontes consultadas na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) afirmaram desconhecer o calendário informado pelo senador Kajuru, alegando que o governo ainda não teria uma posição sobre o tema.

Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Jorge Kajuru expressou sua insatisfação com a falta de comunicação do ministro da Defesa, José Múcio, sobre o tema. O senador Kajuru afirmou à Pública que, se seu relatório não for aceito, “outro deverá ser escolhido”.

Na Câmara, há outra proposta de teor mais restritivo 

A PEC que propõe que, para se candidatar politicamente a cargos federais, parte dos militares tenha de ir para a reserva sem remuneração é semelhante a outra proposta que está sendo trabalhada pelos deputados federais Carlos Zarattini (PT-SP) e Alencar Santana (PT-SP).

No entanto, caria os militares como uma espécie de poder moderador. Além disso, a proposta do governo que tramita no Senado não inclui uma restrição para que militares da ativa ocupem cargos de primeiro escalão no governo federal e tem um escopo mais limitado, tratando apenas dos casos de militares da ativa que concorrem a cargos no legislativo federal ou à presidência da República, algo que é vedado no texto dos deputados.

Zarattini chegou a ser convidado para participar de conversas com o governo, inclusive com o ministro da Defesa, José Múcio, mas em agosto declarou ao site O Cafezinho que ficou sabendo do lançamento de uma outra PEC sobre o mesmo tema apenas pela TV.

Também o deputado Alencar Santana afirmou à Pública que ficou sabendo apenas pela TV sobre o lançamento da proposta do governo e que não chegou a participar de nenhuma reunião para ajudar na construção do texto atual, mesmo sendo da base governista e coautor de uma PEC que trata do mesmo tema.

Alencar disse ainda que, desde que o texto do governo foi divulgado no ano passado, não foi chamado para nenhuma reunião sobre o tema. Tanto Alencar quanto Zarattini declararam que têm a intenção de trabalhar no texto que vier do Senado, atuando para que os trechos da PEC articulada por eles sejam incluídos no texto do governo.

A Pública apurou também que fontes no governo estariam preocupadas com a tramitação do texto na Câmara dos Deputados, o que seria um dos motivos para o texto estar “travado” no Senado. Segundo essas fontes, o texto poderia acabar se tornando mais “duro” e mais abrangente, o que poderia abrir uma crise com os militares.


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