18/05/2024 - Edição 540

Poder

Meta zero, fome mil? Como zerar o déficit fiscal em 2024 pode comprometer os investimentos públicos

Debate sobre meta fiscal aciona código de barras do Congresso Nacional

Publicado em 01/11/2023 10:37 - Vinicius Konchinski (Brasil de Fato), Ricardo Noblat (Metrópoles), Josias de Souza (UOL) - Edição Semana On

Divulgação abr

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), ratificou que sua equipe perseguirá a meta de zerar o déficit fiscal do governo em 2024 apesar de dados indicarem que o cumprimento do objetivo é cada dia mais inexequível. Na sexta-feira (27), o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu que dificilmente os gastos do governo serão iguais à arrecadação no ano que vem.

Haddad, contudo, disse estar preparando novas medidas para viabilizar o equilíbrio entre ganhos e gastos. A busca por esse objetivo, entretanto, pode comprometer a capacidade de investimento do governo no ano que vem e também em 2025.

Primeiro, porque já existe um consenso entre economistas de que déficit zero em 2024 é algo praticamente impossível de se alcançar. O próprio Haddad admitiu nesta segunda que a tarefa é mesmo desafiadora. Tem, segundo ele, se tornado cada vez mais difícil já que medidas que propostas para aumento de arrecadação não avançam no Congresso Nacional e porque o ganho com tributos não tem crescido como cresce a economia.

Segundo Haddad, exceções fiscais vigentes desde 2017 criaram o descompasso entre crescimento e arrecadação. Ele disse que o governo já tratou parte dessas distorções numa Medida Provisória enviada ao parlamento, mas que ainda não foi votada.

Se a arrecadação não cresce como o governo gostaria, resta a ele cortar gastos em busca do déficit zero. Para Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essa não é uma boa estratégia já que poderia afetar iniciativas públicas fundamentais ao país, como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que também contribuem com o crescimento.

A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do PT, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico que o país “não pode ter meta fiscal zero e fome mil”, sinalizando que busca exagerada pelo equilíbrio fiscal pode prejudicar os mais pobres.

Weiss afirmou que o governo errou ao assumir o compromisso com o déficit zero em sua proposta de Orçamento para 2024. Para ele, a Fazenda poderia ter prometido algo menos radical considerando inclusive que, desde 2014, o Brasil não gasta menos que arrecada.

Arcabouço prevê punição

Clara Brenck, economista e pesquisadora associada no Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), também acha que a promessa do governo foi irreal e terá impactos negativos sobre a economia. Segundo ela, a meta tende a suprimir investimentos no ano que vem e até pressionar as contas de 2025.

Isso porque o próprio governo incluiu na lei do novo arcabouço fiscal uma punição para ele mesmo caso as metas estabelecidas para as contas públicas não sejam cumpridas. O arcabouço determina que o gasto público pode crescer no máximo 70% do crescimento da arrecadação anualmente, mas isso só se as contas estiverem equilibradas. Caso as metas fiscais não sejam cumpridas, esse percentual cai para 50%.

Clara explicou que, como a meta zero dificilmente será cumprida, é provável que o governo seja punido pelo arcabouço. Sobraria, então, menos dinheiro para investimentos necessários para a melhoria da vida da população e para estimular a economia.

“Zerar esse déficit em 2024 pode ter sido uma meta ambiciosa demais e talvez, sim, desnecessária e um tanto ruim para o país”, afirmou. “Se o governo não muda essa meta e você não tem o aumento da arrecadação esperado, você pode ter que cortar alguns tipos de gastos não obrigatórios, como os próprios investimentos.”

A economista e pesquisadora é a favor da revisão. Ela disse que o governo passaria por um constrangimento ao fazer isso agora. Contudo, poderia passar por um constrangimento ainda maior ao não cumprir suas promessas e ser punido por uma regra que ele mesmo criou para tentar equilibrar as contas públicas, o arcabouço.

“O governo definiu essa meta de déficit zero justamente para tentar ganhar confiança do mercado, mostrar que está disposto a fazer de tudo para arrumar as contas públicas, que não vai ser um governo que vai quebrar o país… Isso é muito positivo. O problema é se eles não conseguirem cumprir”, disse. “Acho que seria melhor o governo rever essa meta do que não cumprir a meta no ano que vem.”

O economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), também acredita que o governo não cumprirá a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Ele disse inclusive que isso já era dado entre agentes do mercado financeiro antes mesmo de Lula admitir a possibilidade de descumprimento. Ele, porém, é contra a revisão.

“Assumir publicamente que a meta não será cumprida é ruim”, disse ele. “Então, neste momento, é fazer uma pressão e tentar tentar aprovar medidas necessárias.”

Decisão política

Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também acha que o governo exagerou ao propor um déficit zero em 2024. Poderia ter sido mais realista.

Ele, contudo, disse que a meta pode ser atingida. Depende da vontade de deputados e senadores em aprovar medidas para aumento de arrecadação.

Para Faria, Haddad deixou claro em sua fala nesta segunda-feira que o déficit fiscal zero é uma decisão política. Segundo ele, o governo pode lançar mão de diferentes medidas para alcançá-lo caso isso seja mesmo necessário. Mas quer fazer isso aproveitando o desafio para rediscutir questões tributárias nacionais, como a taxação de super-ricos.

“Congresso e Judiciário, como disse Haddad, há dez anos que não se preocupam com a questão fiscal. Se preocupam em atender interesses particulares, de lobbies setoriais”, disse ele. “Haddad falou que vai fazer o possível para cumprir a meta e jogou a responsabilidade para o campo político. Ele repetiu: isso é problema para os líderes dos partidos no Congresso resolverem.”

Para zerar o déficit, segundo o governo, são necessários R$ 168 bilhões em arrecadação extra em 2024.

Haddad perdeu?

Só faltam os políticos de todos os partidos bradar em uníssono: “Ei, ei, ei, Lula é o nosso Rei”. Não se admire se alguns, dados a rasgos de entusiasmo, o façam a qualquer hora.

Sinto muito, Fernando Haddad (PT), ministro da Fazenda, mas você perdeu. Queria déficit fiscal zero em 2024. Mas ele será de 0,25% a 0,5%. A depender da vontade de Lula, poderá ser mais.

Lula, por três vezes, repetiu, ontem, em reunião com líderes de partidos que fazem parte de sua base de apoio: “Não cortarei investimentos”.

Disse também: “No ano que vem, se preparem, porque eu vou viajar para cada estado. Eu quero inaugurar muitas escolas, muitas universidades”.

Em resumo: Lula está disposto a afrouxar a meta fiscal e blindar os gastos do governo. Em 2024, haverá eleições municipais, e Lula pretende ganhá-las. Ou, pelo menos, não as perder feio.

Lula está incomodado com a avaliação do governo, boa, mas não tanto como ele desejava. Quer recuperar o atraso de um ano em que se preocupou mais em mostrar ao mundo que o Brasil voltou.

Deputados federais e senadores vivem às custas das emendas que fazem ao Orçamento da União. Rigor fiscal em excesso significa menos dinheiro para o pagamento de emendas. Daí…

Ei, ei, ei, Lula é o nosso Rei.

Debate sobre meta fiscal aciona código de barras do Congresso

Ao afirmar que o Brasil “não precisa” de déficit fiscal zero, Lula deixou assanhados deputados e senadores que já armavam emboscadas dentro do Orçamento federal de 2024. Majoritária, a banda gastadora do Congresso sente-se agora mais à vontade para reajustar o fundão eleitoral que financiará as eleições de prefeitos e vereadores. Trama-se também um reajuste das emendas usadas pelos parlamentares para azeitar com verbas federais suas engrenagens municipais.

Na proposta de Orçamento que enviou ao Congresso, o Planalto reservou R$ 939,3 milhões para o financiamento da campanha eleitoral. O valor é tratado no Congresso como uma piada. Na última eleição municipal, em 2020, o fundo eleitoral foi de R$ 2 bilhões. Reajustado pela inflação, o valor saltaria para R$ 2,5 bilhões. Os congressistas ainda acham pouco. Os mais assanhados falam em triplicar o fundão, elevando-o para indecentes R$ 6 bilhões.

Nessa hipótese, a eleição municipal de 2024 custaria ao contribuinte brasileiro mais caro do que a disputa presidencial de 2022, que saiu por R$ 4,9 bilhões. Corrigido pela inflação, o preço da sucessão presidencial iria a R$ 5,4 bilhões. Já seria um escárnio se esse valor fosse replicado na disputa municipal. Mas ficaria R$ 600 milhões abaixo dos pretendidos R$ 6 bilhões.

Tudo isso sem contar o bote das emendas. Deseja-se reajustar sobretudo a chamada emenda Pix, que permite aos parlamentares enviar verbas dos ministérios direto para as prefeituras de sua predileção, sem o inconveniente da fiscalização dos órgãos de controle.

A velha máxima atribuída a Churchill ensina que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. Mas os congressistas brasileiros parecem eternamente engajados num esforço para implementar as alternativas piores. Para complicar, Lula acionou código de barras do Congresso ao piscar para o descompromisso com os planos do seu próprio governo, abrindo prematuramente a porteira para a revisão da meta fiscal da equipe econômica.


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