18/05/2024 - Edição 540

Poder

Mauro Cid vai entregar ao menos 4 generais e pode implicar militares em minuta golpista

Casal Bolsonaro arrasta Deus para o caso das joias após ex-aliado abrir o bico na PF

Publicado em 12/09/2023 9:13 - Plinio Teodoro (Fórum), Leonardo Sakamoto (UOL) Caio Luiz (Congresso em Foco), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Lula Marques/Agência Brasil

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A expectativa em torno da delação premiada do tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência, tem provocado um misto de ansiedade e pânico na cúpula militar, especialmente entre generais da caserna que serviram no governo do ex-presidente.

Já é certo que Cid vai entregar ao menos quatro generais que ocupavam ministérios no governo Bolsonaro: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional); Walter Braga Netto (Casa Civil, Defesa e vice na chapa em 2022); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência); e Eduardo Pazuello (Saúde, atualmente deputado federal pelo PL-RJ).

A ansiedade nas Forças Armadas, no entanto, se dá pela possibilidade de Cid envolver militares da ativa, entre eles o ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que teria escalado subordinados na pasta para auxiliar o “hacker” Walter Delgatti no documento que contesta o sistema de votação pelas urnas eletrônicas.

Como ajudante de ordens, Cid fazia a ponte de Bolsonaro com todos os ministros, incluindo Anderson Torres, da Justiça, pivô da minuta golpista.

Em sua delação, o tenente coronel se comprometeu a falar tudo o que sabe sobre a minuta golpista, o que pode implicar ainda mais militares.

Pelo documento, após o golpe e a instalação de um “Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral”, comandado por Alexandre de Moraes, seria formada uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” com 8 dos 17 representantes nomeados pelo ministro Paulo Sergio Nogueira, da Defesa.

A junta seria responsável por reverter o resultado das urnas e garantir a manutenção de Bolsonaro no poder.

Casal Bolsonaro arrasta Deus para o caso das joias após Cid abrir o bico

Tão logo ficou claro que Mauro Cid fecharia uma delação premiada com a Polícia Federal, o que significa responsabilizar o antigo patrão, a família Bolsonaro passou a envolver na história quem não tem nada a ver com ela: Deus. Diante da acusação que Cid estaria fazendo a vontade de Jair e Michelle, o casal diz que está sendo perseguido por fazer a vontade de Deus.

Não adiantou Mateus (22:21), Marcos (12:17) e Lucas (20:25) alertarem para dar “a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. O ex-presidente e a ex-primeira-dama lançaram mão de confundir as coisas como estratégia de defesa junto ao seu eleitorado.

Em um culto na quinta (7), Michelle Bolsonaro disse, aos prantos, enrolada em uma bandeira do Brasil, que ela e o marido estavam sendo “perseguidos e injustiçados”. E misturou Fanta Uva com caldo de cana ao afirmar que “todos aqueles que tivessem Cristo como o Senhor salvador seriam perseguidos”.

Querem fazer crer que são caçados por fazer a vontade dos céus, quando, na verdade, estão sendo investigados por roubar, mentir e provocar a guerra aqui na Terra mesmo.

Ou seja, surrupiar joias que pertencem ao patrimônio do país, manipular registros de vacinação e incitar um violento golpe de Estado. Só isso já bate de frente com uns três dos dez mandamentos do capítulo 20 do livro de Êxodo.

E após Mauro Cid ganhar liberdade provisória, neste sábado (9), com a bênção judicial do ministro Alexandre de Moraes ao seu acordo de delação, o ex-presidente postou um vídeo reforçando a estratégia. Diz que ouve sempre três frases do povo: “Não desista”; “Deus te abençoe”; “Estamos orando por você”.

Mesmo com todos os escândalos, Bolsonaro estava demonstrando resiliência junto ao seu público mais fiel diante de acusações como “genocida”.

Mas com o escândalo das joias doadas por governos árabes ao Brasil, contrabandeadas, surrupiadas e vendidas a ricaços dos EUA, muitos fiéis bolsonaristas recolheram-se nas redes, evitando defender o presidente.

Ser pego surrupiando ouro e diamantes que pertencem ao povo não precisa de muita explicação, ao contrário de genocídio e golpismo. Qualquer cristão conhece bem o “não furtarás”, tanto quanto a história do pecado de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.

À medida em que as investigações vão colocando Bolsonaro no caminho de uma condenação criminal, é natural que a narrativa de perseguição cresça. Ela serve para dificultar sua ida ao xilindró tanto quanto a manutenção de sua influência política. Não é, contudo, qualquer perseguição e sim aquela dos mártires cristãos.

Chega a dar uma certa náusea a comparação com pessoas imoladas em nome de sua fé ou do bem comum quando vemos que os escândalos do ex-presidente ocorreram em busca de dinheiro e poder. A estratégia, portanto, tem limites, uma vez que a náusea já se faz sentir entre parte daqueles que sabem o que significa dar “a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

Em tempo: entre junho e agosto, a aprovação de Lula entre os evangélicos aumentou de 44% para 50% e a desaprovação caiu de 51% para 46%, segundo pesquisa Genial/Quaest. É a primeira vez desde o inicio do mandato que a aprovação superou a desaprovação, tendo crescido em cima do eleitorado de Jair.

Relatório da Abin elenca grupo de reservistas do Exército envolvidos em atos golpistas

Um relatório sigiloso de 27 de dezembro de 2022 da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) elenca membros de um grupo extremista, conhecido como “boinas vermelhas”, com representantes no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, após o resultado do 2º turno. O documento obtido com exclusividade pelo Congresso em Foco integra os relatórios entregues à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, instalada em 25 de maio no Congresso Nacional.

O relatório da Abin apresenta ligações do grupo com uma série de eventos relacionados à manifestações bolsonaristas por meio de organização, incitação e conexão com outros grupos propensos à violência. Tradicionalmente, a boina bordô é associada à Brigada Paraquedista do Exército Brasileiro.

“Seus membros se identificam como militares da reserva das brigadas de infantaria paraquedista do Exército brasileiro. Alguns deles estavam nas proximidades da sede da Polícia Federal, no setor comercial norte de Brasília, na noite de 12 de dezembro de 2022, quando houve tentativa de invasão do órgão policial”, descreve o relatório.

A Abin afirma que os membros do grupo adotam discurso de ruptura constitucional e demonstram disposição para envolvimento em ações violentas, além de cultivarem uma imagem de prontidão para uma suposta ordem presidencial para serem acionados. O texto ainda levanta a hipótese do grupo ter feito um estoque de combustível na tenda que usava em frente ao Quartel General do Exército de Brasília e de promover risco de ataques durante a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“A presença do grupo na Capital Federal eleva o risco de ocorrência de ação violenta com potencial de impactar a posse do presidente eleito. Avalia-se que o grupo tem a capacidade, a motivação e os meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento. Ademais, pode atuar como indutor de atos de vandalismo e obter a adesão de participantes da ocupação que originalmente não demonstravam propensão à violência”, avalia o relatório.

A trajetória militar do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro começou na Escola de Cadetes de Campinas, São Paulo, em 8 de março de 1973. Bolsonaro ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, no ano seguinte. Foi em julho de 1977 que o ex-presidente fez o curso básico de paraquedismo do Exército. De acordo com o documento, todos os membros citados são ou moram no estado do Rio de Janeiro.

Histórico de ações dos “Paraquedistas”

O documento acrescenta que os “paraquedistas”, como também são conhecidos, já estiveram presentes em outras manifestações em Brasília. No feriado do Dia da Independência, em 2021, e nos dias que se seguiram, o grupo incitou manifestantes a desordem e promoveu a ultrapassagem de barreiras de contenção montadas por forças policiais na Esplanada dos Ministérios, aponta o informe de inteligência.

De acordo com o registro, em certos momentos, integrantes do grupo buscaram assumir a liderança das manifestações, coordenando a segurança das pessoas e por vezes mediando a comunicação com representantes do governo federal, do governo do Distrito Federal e das forças de segurança. “Na ocasião, o grupo contava com ao menos 30 homens com idades entre 35 e 60 anos oriundos majoritariamente do Rio de Janeiro, Capital, e de outras localidades do país.”

Durante as manifestações, conforme o relatório, componentes das boinas vermelhas passaram a noite em uma casa alugada nos arredores do Distrito Federal. As manifestações realizadas em 7 de setembro de 2021, na Capital Federal, também contaram com a participação de alguns membros de um grupo autointitulado “Audazes PQDT”.

Em um evento anterior, em março de 2021, na capital do Rio de Janeiro, integrantes do “Audazes PQDT” apresentaram discurso contrário a partir das ideologias de esquerda e se mostraram dispostos a pegar em armas para manter o Brasil limpo “livre de um governo comunista”. Na ocasião, eles utilizaram investimentos militares e boinas grená, explica o relatório.

Em resposta às denúncias de presença de militares no protesto realizado no Rio de Janeiro, o Ministério Público Militar solicitou investigação sobre o Audazes PQDT em abril de 2021. Em 7 de setembro de 2022, ainda no Rio de Janeiro, durante as celebrações do Centenário da Independência houve participação isolada de paraquedistas reservistas do Exército Brasileiro.

“Embora seus integrantes sejam chamados de boinas vermelhas ou paraquedistas, o grupo não tem nome oficial ou estrutura centralizada, sendo composto por reservistas autônomos que compartilham posição político-ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação do estado de direito e propensão à ação violenta”, classifica o documento.

O relatório sugere que, durante o ano de 2022, as ações do grupo podem ter se tornado mais moderadas devido à pretensão política de alguns de seus membros que concorreram a cargos públicos.

Líder dos Boinas Vermelhas

O relatório da Abin afirma que o militar da reserva Marcelo Soares Corrêa, conhecido como Cabo Corrêa e como porta-voz do grupo, é um dos líderes dos boinas vermelhas. Ele esteve presente no acampamento de bolsonaristas montado na Praça dos Cristais, localizada em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

“Ele organiza e integra manifestações contrárias à mudança de governo no Brasil após as eleições de 2022. Em 16 de novembro de 2016, Corrêa participou da invasão do plenário da Câmara dos Deputados com um grupo de cinquenta manifestantes que pediam intervenção militar”, diz o relatório.

O documento vai além e afirma que Corrêa já defendeu manifestações no Brasil à semelhança de modelos adotados na Ucrânia, em 2014, e no Egito, em 2011, que resultaram em insurreições civis. Em 22 de dezembro de 2022, Cabo Correia publicou um vídeo no Facebook gravado em frente ao Palácio da Alvorada. Na publicação, ele alertou que aquela era a última data em que estaria se manifestando “pelo amor” e que estava aguardando manifestação do Presidente da República.

Corrêa disse no vídeo que a partir de então seria iniciada a nova fase dos atos de protestos, pois o povo estava inflamado e não iria entregar o país ao “crime político organizado”. Alertou ainda que se a salvação não viesse “pelo amor” seria “pela dor” e que não iria “arregar para os comunistas”.

Reportagem do dia 12 de janeiro de 2023 do UOL mostra que o ex-vice-presidente Hamilton Mourão apoiou a candidatura de Corrêa em 2018 e mantinha relação próxima com o extremista. O texto ainda afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro se encontrou com Corrêa para um café da manhã em julho de 2021.

Ucraniza Brasil

A outra liderança descrita no relatório é Ricardo Arruda Labatut Rodrigues, conhecido como coronel Labatut. Ele usou vestimenta militar durante todos os atos em que os reservistas extremistas participaram. “Labatut demonstrou em várias ocasiões ser figura de liderança no grupo. Essas lideranças têm envolvimento com integrantes de outros grupos extremistas”, diz o documento da Abin.

Em setembro de 2021, Correia manteve contato com membros do movimento radical Ucraniza Brasil, que participaram dos atos e estavam acampados em Brasília. O Ucraniza Brasil foi criado no início de 2021 com o objetivo de formar resistência civil contra o estado por meio da formação de unidades paramilitares. Segundo o relatório, o movimento atualmente apresenta baixo nível de mobilização para participação e manifestações sociais, mas chegou a montar acampamento em São Paulo e em Brasília. Os membros do movimento têm níveis de radicalização variados.

“Alessandro Ferreira da Silva, cuja alcunha é Alex Silva, criador do Ucraniza Brasil, indicou que mantém contato com o Correia e que em 2020, enquanto esteve no Brasil, realizou missão com os ex-paraquedistas. Magno Duarte Lobbo Ferraz, outra liderança do Ucraniza Brasil, também mantém contato com o Correia. O grupo de paraquedistas presente na Praça dos Cristais não se engaja em todas as mobilizações da ocupação. Não demonstra ter muitos recursos para financiamento”, acrescenta o relatório.

Foram procurados

O Congresso em Foco procurou todos os nomes mencionados no relatório da Abin com o intuito de verificar diretamente se os componentes do grupo de paraquedistas se envolveram em atos golpistas. Eles foram procurados via telefone e redes sociais. Apenas Edmar Xavier Machado, conhecido como Edmar Sapão, se manifestou.

O militar disse que atualmente presta serviço como humorista e que serviu a Brigada de paraquedistas por quatro anos. “Desconheço qualquer tipo de conduta que seja antidemocrática. Não fui em [sic] Brasília […] sou muito conhecido nas redes sociais por trazer um humor puro voltado à família. Sou pai de seis filhos.”

O Congresso em Foco se disponibiliza a ouvir os paraquedistas, mediante a vontade dos citados em conceder uma entrevista ao meio de comunicação. A intenção é cumprir com as boas práticas do jornalismo e oferecer o direito de resposta aos reservistas mencionados na reportagem.

Demais membros dos Boinas Vermelhas citados no relatório da Abin:

– Geralmir Vianna dos Santos

– Siderley Santos Budziak

– David Nascimento da Conceição

– Victor José Silva de Souza

– Luiz Passos dos Santos

Perguntas que teimam em ser feitas e que jamais calarão

Por que as Forças Armadas, entre novembro e início de janeiro, abrigaram à porta de quartéis milhares de pessoas que pediam a anulação do resultado da eleição de Lula?

Por que militares concordaram em se reunir no Ministério da Defesa com um hacker que iria instruí-los sobre como invadir o sistema de apuração da Justiça Eleitoral?

Por que os serviços de informação das Forças Armadas não alertaram para a chegada a Brasília de pessoas dispostas a usar de meios violentos para derrubar o presidente já empossado?

No caso da tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro, por que o Exército impediu à noite a prisão dos que haviam ocupado e vandalizado à tarde as sedes dos três Poderes da República?

À primeira pergunta, poderiam responder: porque obedeceram a ordens de Bolsonaro, ainda no cargo. À segunda pergunta, porque Bolsonaro mandou o hacker ao encontro deles.

À terceira, porque havia parentes de militares entre os golpistas. A eles foi dado um tempo para que fugissem antes da entrada da Polícia Militar no acampamento. Muitos fugiram até de Uber.


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