18/05/2024 - Edição 540

Poder

Manifestação no dia 25 reunirá fanáticos religiosos, homofóbicos, racistas, misóginos, extremistas de direita e uma maioria de semianalfabetos políticos

Será o primeiro ato convocado por Bolsonaro depois do 8 de Janeiro: seu objetivo, reunir uma massa capaz de render uma boa foto

Publicado em 15/02/2024 9:41 - Estadão, Semana On, Correio Braziliense, Josias de Souza, Leonardo Sakamoto e Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Fábio Pozzebom - Agência Brasil

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O ato em apoio a Jair Bolsonaro (PL) no próximo dia 25 na Avenida Paulista, em São Paulo, será a primeira manifestação bolsonarista convocada pessoalmente pelo ex-presidente desde 8 de janeiro de 2023, quando seus apoiadores protagonizaram o ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Será uma manifestação de massas. Não se pode subestimar a força política do ex-presidente. É muito provável que seu chamado reúna dezenas (senão centenas) de milhares de evangélicos pentecostais, homofóbicos, racistas, misóginos, extremistas de direita e uma maioria palpável de semianalfabetos políticos apavorados com o “comunismo”.

A convocação feita por Bolsonaro, por um meio de um vídeo divulgado nas redes sociais, surge diante do avanço de investigações da Polícia Federal (PF) sobre sua possível participação na articulação de um golpe de Estado. Foram impostas medidas restritas contra o ex-presidente na Operação Tempus Veritatis, que cumpriu mais de 30 mandados de busca e apreensão contra aliados dele na semana passada.

No vídeo, Bolsonaro argumenta que o ato será “pacífico” e pede que seus apoiadores evitem levar faixas “contra quem quer que seja”. Em atos anteriores convocados pelo ex-presidente, era comum a exibição de faixas pedindo intervenção federal e atacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Durante os quatro anos de mandato, Bolsonaro endossou atos de apoio à gestão dele. Após o 8 de Janeiro, as manifestações em favor do ex-presidente escassearam. No ano passado, nos feriados de 7 de Setembro (Independência), 12 de outubro (Nossa Senhora Aparecida) e 15 de novembro (Proclamação da República) apoiadores do ex-presidente se mobilizaram. A adesão, porém, foi menor do que nos anos anteriores.

Em outubro do ano passado, em marcha contra o aborto em Belo Horizonte (MG), o próprio Bolsonaro afirmou que as participações seriam naturalmente menores depois das consequências do 8 de Janeiro. “Creio que a diminuição do número de pessoas vai pelo temor do que aconteceu no 8 de Janeiro. Agora, lá eram brasileiros patriotas que foram se manifestar, entraram em uma arapuca, numa armadilha patrocinada pela esquerda. E, hoje, muitos irmãos nossos estão sendo condenados por esses atos. Reprovo, sim, a dilapidação de patrimônio público, mas não justifica a pena”, afirmou.

Esta para 25 de fevereiro é a primeira desde o 8 de Janeiro que Bolsonaro entra pessoal e abertamente na convocação.

Tarcísio confirma presença

Passado o Carnaval, o governador de São Paulo confundiu a plateia com dois movimentos. Num, exonerou da estatal de tecnologia Prodesp o major Angelo Martins Denicoli, enrolado no inquérito sobre a tentativa de golpe. Noutro lance, Tarcísio confirmou sua presença na manifestação pró-Bolsonaro marcada para o dia 25.

Na política, como na vida, há momentos em que é preciso agir. Tarcísio não está diante de uma opção banal —como com gás ou sem gás, com açúcar ou adoçante. O governador é intimado pelas circunstâncias a decidir se deseja ostentar uma biografia com golpe ou sem golpe. Ao exonerar o major Angelo Denicoli, Tarcísio se associa aos brasileiros que se horrorizam com o Brasil que poderia existir se a virada de mesa de Bolsonaro tivesse ocorrido como foi planejada.

Mas quando mantém um pé na canoa de Bolsonaro, aderindo ao ato da Paulista —”É uma manifestação pacífica a favor do presidente, e estarei ao lado dele, como sempre estive”—, Tarcísio soa como se vivesse num Brasil alternativo. O país do governador é quase tão inimaginável quanto o da fantasia golpista do mito. Um Brasil fictício em que nada aconteceu.

Potencial candidato à Presidência da República em 2026, Tarcísio se predispõe a acreditar que Bolsonaro e os oficiais daquilo que ele chamava de “minhas Forças Armadas” não têm nada a explicar e que o inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado é um assunto encerrado. É nessa farsa que nenhum autor de novela assinaria para não passar por lunático que o governador vincula o seu futuro político.

Parte dos aliados de Tarcísio avaliam que ele comete um equívoco que pode custar caro. Nos próximos meses, será associado aos indiciamentos e prováveis condenações de Bolsonaro. Se demorar demais a se desligar do mito pode não encontrar a tomada quando quiser plugar seu futuro político no circuito de um conservadorismo mais sóbrio e sem o curto-circuito dos escândalos.

Hipótese de Bolsonaro tirar Moraes de inquéritos é nula

É nula a chance de prosperar no Supremo Tribunal Federal o recurso no qual a defesa de Bolsonaro pede que Alexandre de Moraes seja impedido de atuar no processo sobre a tentativa de golpe. Numa escala de zero a dez, a hipótese de ser atendido o pedido para que sejam anulados as decisões de Moraes no âmbito do inquérito é de menos onze.

Alega-se que Moraes é “vítima” dos crimes que estão sendo investigados. Ele foi monitorado pela Abin. O plano de golpe incluía sua prisão. Consequentemente, não teria isenção para julgar o caso. O Supremo já refutou outras tentativas de retirar Moraes dos calcanhares de Bolsonaro e do bolsonarismo.

Costuma-se evocar em defesa da manutenção de Moraes à frente dos processos o artigo 256 do Código e Processo Penal. Prevê que “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”.

Pode-se alegar que o plano para prender Moraes, revelado na Operação Hora da Verdade, é anterior às investigações sobre a tentativa de golpe. Mas as ordens judiciais relacionadas à operação deflagrada na semana passada foram expedidas no âmbito do inquérito sobre milícias digitais, aberto em 2021.

De resto, alega-se no Supremo que Bolsonaro e seus cúmplices tramaram praticar crimes contra a democracia, não contra Moraes. O novo recurso em que a defesa de Bolsonaro esgrime um velho pedido foi encaminhado ao presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso. Para afastar de vez as pretensões dos encrencados, o mais provável é que Barroso submeta os pedidos à apreciação do plenário da Suprema Corte.

Nos bastidores, diplomatas agiram contra ações golpistas de Bolsonaro

Contrariando o Palácio do Planalto e mesmo ordens de Jair Bolsonaro, o então presidente, diplomatas brasileiros atuaram nos bastidores para garantir tanto o funcionamento das urnas eletrônicas quanto a existência de observadores internacionais na eleição de 2022. Para completar, por uma decisão do Itamaraty, a chancelaria tentou convencer a cúpula bolsonarista a não realizar a reunião com embaixadores estrangeiros, que acabaria acarretando a inelegibilidade de Bolsonaro.

Fontes no Ministério das Relações Exteriores revelaram ao UOL, na condição de anonimato, que houve uma estreita cooperação entre uma ala da diplomacia brasileira e os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), meses antes da eleição que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos trabalhos foi justamente o de fazer a ponte e facilitar o contato da instância eleitoral a observadores estrangeiros. De acordo com embaixadores, foram vários os encontros com os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso.

Como resultado, missões como a da OEA (Organização dos Estados Americanos) foram acertadas, apesar das críticas duras feitas por Bolsonaro. O único ponto de discórdia entre o Itamaraty e o TSE foi quanto à participação da União Europeia, que queria enviar uma missão de observação. O Judiciário era favorável, mas a diplomacia considerava que não era adequada a presença de um organismo do qual o Brasil não faz parte.

Um segundo aspecto crítico foi a atuação de diplomatas brasileiros para fazer a gestão que traria ao Brasil os chips necessários para que as urnas eletrônicas pudessem funcionar. A empresa que havia vencido a licitação para fornecer as urnas, a Positivo Tecnologia, passou a sofrer com a escassez que o mundo vivia de semicondutores, a partir de 2020.

A empresa concorria com a poderosa indústria automotiva pelos equipamentos necessários para fabricar as urnas. Sem elas, havia o temor de que erros ou obstáculos justificassem a desinformação difundida pelo bolsonarismo de que o sistema de urnas eletrônicas não era confiável.

Dentro do Itamaraty, a busca pelo chip, uma ação que ganhou pouco destaque, foi considerada como estratégicas na realização do pleito, no final de 2022.

Fontes do alto escalão apontam que coube a diplomatas negociar tanto em Taiwan como nos EUA o acesso aos semicondutores. Depois de semanas de tensão, o êxito foi comemorado como um sinal da cooperação entre o TSE e uma parcela da diplomacia.

Itamaraty não manda convites nem empresta sede

Mas um dos gestos mais claros de distanciamento do órgão em relação ao Palácio do Planalto foi a decisão de se opor à reunião que Bolsonaro queria convocar com os embaixadores estrangeiros.

Meses antes do encontro, que ocorreu no final de julho de 2022, a proposta de iniciativa chegou à chancelaria. Mas a recomendação foi de que tal ideia não seria adequada. Por semanas, diplomatas brasileiros tentaram convencer o Planalto de que seria um equívoco.

Mas, profundamente irritado com a aproximação do TSE aos governos estrangeiros, Bolsonaro decidiu ir adiante e realizar o encontro, que ocorreu no dia 18 daquele mês. Num discurso diante das delegações de outros países, ele criticou as urnas eletrônicas e acusou o sistema de não ser seguro, sem apresentar qualquer tipo de provas.

O Itamaraty, porém, não mandou os convites às embaixadas estrangeiras em Brasília, não emprestou a sede da diplomacia para o encontro nem sequer esteve presente. A ausência do Itamaraty foi entendida pelos embaixadores estrangeiros como um sinal claro de que aquilo não fazia parte de uma decisão de estado. Bolsonaro foi acompanhado apenas pelo então chanceler, Carlos França.

Por canais extraoficiais, governos estrangeiros ainda foram alertados sobre o risco do encontro e acabaram enviando apenas diplomatas de baixo escalão.

Observadores em Brasília e fontes diplomáticas acreditam que a ação nos bastidores de parte do Itamaraty apenas ocorreu por conta da queda de Ernesto Araújo como chanceler, ainda em 2021. “Provavelmente teríamos sérias dificuldades em agir se, em 2022, o ministro tivesse sido alguém da ala mais radical do bolsonarismo”, admitiu um experiente diplomata em Brasília.

No final de 2022, já com a derrota de Bolsonaro nas eleições, a coluna revelou detalhes sobre como foi estabelecida uma rede de resistência clandestina no Itamaraty para conter a política externa bolsonarista.

Um dos objetivos era o de preservar a credibilidade do Brasil no exterior e salvar décadas de uma construção da diplomacia nacional.


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