05/05/2024 - Edição 540

Poder

Malafaia afronta a democracia apoiado pela turba do fanatismo neopentecostal

Bolsonaro vai ser preso? O paradoxo que assombra o STF

Publicado em 18/03/2024 10:12 - UOL, Carolina Brígido e Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Reprodução/X/pastormalafaia

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O pastor Silas Malafaia, exponente do fundamentalismo neopentecostal de extrema direita, disse em entrevista a um canal no YouTube que propôs o ato na Paulista em 25 de fevereiro a Jair Bolsonaro (PL) para pressionar contra uma eventual prisão do ex-presidente.

“Eu tô vendo ele [Bolsonaro] calado, amuado. Liguei para ele e falei: ‘Você quer ser preso em Mambucaba (RJ) chorando ou você quer ser preso botando o povo na rua?'”, contou Malafaia à youtuber bolsonarista Antonia Fontenelle. A entrevista foi no último dia 4 de março.

“Se você botar o povo na rua, eles vão pensar umas três vezes e se isso acontecer o negócio vai ficar feio”, teria dito o pastor ao ex-presidente, segundo o relato.

Malafaia pagou o ato em defesa de Bolsonaro em 25 de fevereiro. Inicialmente, ele falou que os custos seriam bancados pela sua instituição religiosa, a Associação Vitória em Cristo, mas, para evitar a acusação de uso de dízimo, ele mudou o discurso e afirmou que os recursos sairiam de seu próprio bolso.

Manifestação aconteceu após Bolsonaro ser alvo de operação da Polícia Federal em 8 de janeiro. A operação Tempus Veritatis (hora da verdade, em latim) incluiu uma busca e apreensão na casa do ex-presidente. A PF investiga a existência de uma organização criminosa, que teria tramado um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Lula (PT).

Bolsonaro vai ser preso? O paradoxo que assombra o STF

À Polícia Federal, o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Jr., ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, afirmaram que Jair Bolsonaro tentou dar um golpe de Estado. Três dias após a divulgação dos depoimentos, uma pergunta ainda não foi respondida: as acusações são suficientes para justificar a prisão preventiva do ex-presidente?

O Direito, que não é matemática, comporta as duas respostas: sim e não. Nesse caso específico, a letra fria da lei não é a única que conta, mas o tipo de crime supostamente praticado, a natureza do tribunal que tomará (ou não) a decisão e, claro, o acusado em questão.

Ainda que se diga o contrário, o STF (Supremo Tribunal Federal) é uma Corte política. E, como tal, pondera prós e contras antes de tomar uma decisão de impacto como essa. Motivos para prender Bolsonaro talvez não faltem. Mas pesam agora as consequências dessa medida na sociedade.

Em uma análise comparativa, suspeitos de planejarem a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 foram presos preventivamente – ou seja, antes de serem julgados em definitivo. Apesar de todo o conjunto probatório elencado pela PF contra Bolsonaro, até agora ele foi poupado.

O Código de Processo Penal abre uma avenida de possibilidades para justificar a prisão do ex-presidente agora. Segundo o artigo 312, “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

Esse artigo costuma ser aplicado quando o suspeito é pego destruindo provas ou, de alguma forma, impedindo o andamento da investigação. Não apareceu sinal nesse sentido até agora. Mas o dispositivo também menciona “indício suficiente de autoria do crime” e risco oferecido à ordem pública pela liberdade do investigado.

Somadas as provas trazidas ao processo pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid, não há como negar a intenção de Bolsonaro de atentar contra o regime democrático. O risco de deixá-lo solto seria vê-lo continuar insuflando seus apoiadores à ruptura institucional por meio de postagens em redes sociais e discursos inflamados.

Em discurso proferido no sábado, no lançamento da pré-candidatura do deputado federal Alexandre Ramagem, Bolsonaro não citou o STF nem o governo Lula, mas sugeriu que ele o aliado são alvo de perseguição institucional.

“Curiosamente, quando ele (Ramagem) se lança candidato, o mundo cai na cabeça dele, assim como o mundo ainda cai na minha cabeça porque eu sou um paralelepípedo no sapato da esquerda”, declarou no evento, no Rio.

No ato de 25 de fevereiro na Avenida Paulista, Bolsonaro defendeu anistia para quem participou da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. O discurso mais duro foi o de Silas Malafaia – que, no mesmo palanque, disse que o ex-presidente era vítima de perseguição e que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, tinha “sangue nas mãos”.

Nos bastidores, ministros do Supremo consideram que não há clima para ordenar a prisão de Bolsonaro agora. Ainda que a legislação aponte a medida como garantia da ordem pública, seria um paradoxo pensar em manutenção da ordem pública diante da comoção que a prisão causaria. O ato na Paulista foi um aviso de que Bolsonaro não está só. A multidão que lotou a principal avenida de São Paulo promoveria bastante barulho se visse o líder atrás das grades.

Está no mesmo Código de Processo Penal uma justificativa plausível para não prender Bolsonaro. O artigo 313 impede a decretação da prisão preventiva “com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal”.

Já artigo 315 determina que a prisão preventiva será sempre fundamentada pelo juiz, com a indicação de “fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Ou seja, é necessário que o ato tenha sido cometido há pouco tempo, ou que continue sendo cometido.

No caso de Bolsonaro, é grande a chance de condenação ao fim do processo. O mais provável é que o ex-presidente seja denunciado com base nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, que tratam da tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito e de derrubar o governo legitimamente constituído. Somadas, as penas podem ultrapassar 20 anos de prisão.

Aos entusiastas da prisão de Bolsonaro: embora ela seja dada como certa no meio jurídico, é pouco provável que eventual condenação seja fixada antes do fim do ano. As regras de tramitação processual demandam mais tempo do que desejam os adversários políticos do ex-presidente.

O último a abandonar Bolsonaro apague a luz

Quem serão os últimos a abandonar Bolsonaro depois que o Exército, pelo menos enquanto instituição, como gosta de frisar o ministro José Múcio Monteiro, da Defesa, já o abandonou?

Monteiro não diz literalmente que o Exército abandonou Bolsonaro. Prefere dizer que o Exército nunca esteve com Bolsonaro na aventura golpista de dezembro de 2022, que por pouco não se consumou.

Aventura que Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, chama de “operação mequetrefe”. Quando bate duro em alguma coisa, mequetrefe é um dos termos favoritos de Gilmar.

Mequetrefe é uma palavra usada para coisas que não têm valor, ou para definir uma pessoa intrometida, trapaceira, sem importância. Bolsonaro foi importante, mas era um trapaceiro. Era não, é.

Valdemar Costa Neto, presidente do partido que abriga o mequetrefe, também abandonou Bolsonaro. Disse à Polícia Federal que só pôs em dúvida os resultados das eleições porque Bolsonaro o pressionou.

O que teriam a dizer os políticos que subiram em 25 de fevereiro no palanque de Bolsonaro, em São Paulo, sobre as revelações feitas à Polícia Federal pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica?

Não se sabe porque nenhum deles, até agora, nada disse. Eles taparam a boca. Sentem-se metidos numa tremenda saia-justa. Discutem o que poderão dizer quando forem procurados pelos jornalistas.

A essa hora, o governador Tarcísio de Freitas (Republicano), de São Paulo, embarcou para Israel? O governador Ronaldo Caiado (União-Brasil), de Goiás, embarcou. Devem estar refletindo.

Os dois foram vistos no palanque de Bolsonaro na Avenida Paulista, solidários com ele, assim como o governador Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, deputados federais e senadores.

O comício serviu para que Bolsonaro se defendesse das acusações que carregava nas costas até aquele momento. Não seria o caso de convocar outro comício para defender-se das novas acusações?

A julgar pelo que se viu nas últimas 48 horas, melhor não. Bolsonaro juntou pouca gente em périplo pelo interior do Rio para lançar candidatos a prefeito e vereador. Teve que forjar fotos de multidões.

E ontem, no lançamento da candidatura de Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a prefeito da capital do Estado, foi pior.

O ato se deu na quadra semivazia da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Ramagem evocou um samba da escola que diz que “sonhar não custa nada”. Pois é, não custa.

Bolsonaro, medindo as palavras para não agravar ainda mais sua situação, falou somente por meia hora. Apresentou-se como “um paralelepípedo no sapato da esquerda”. E emendou: “Poderia estar muito bem em outro país. Preferi voltar para cá com todos os riscos que corro. Não tenho medo de qualquer julgamento, desde que os juízes sejam isentos”.

Tradução: se isentos, os juízes o absolverão. Se o condenarem, é porque não foram isentos. O Exército reservou uma casa no Setor Militar Urbano de Brasília para que Bolsonaro fique ali preso.

Bolsonaro não seria o que é, um sem caráter, um sem amigos, que entrega qualquer cabeça para salvar a sua, se não desse uma estocada gratuita em alguém – e o escolhido foi Tarcísio: “Temos hoje governando São Paulo um governador que não conhecia o estado, um colega meu que era carioca, que era torcedor do Flamengo”.

Acrescentou que a eleição de Tarcísio para o governo de São Paulo foi graças à passagem dele por seu governo como ministro dos Transportes e “à liberdade que dei a ele”

Apague a luz o último a abandonar Bolsonaro.

Medo que Bolsonaro diz não ter está refletido nas suas palavras

Em novo encontro com o microfone, no sábado, Bolsonaro esquivou-se de responder às acusações que constam dos depoimentos colecionados pela Polícia Federal no inquérito sobre a tentativa de golpe. Esperando na fila do Supremo por uma condenação criminal, preferiu declarar que nada teme. O diabo é que o medo que o investigado diz não ter está refletido nas declarações.

“Eu poderia muito bem estar em outro país”, disse Bolsonaro. “Preferi voltar para cá com todos os riscos que ainda corro. Não tenho medo de qualquer julgamento, desde que os juízes sejam isentos.” Nesse ponto, o orador sinalizou que o algoz Alexandre de Moraes fez bem em confiscar-lhe o passaporte. Fará ainda melhor se indeferir pedido de Bolsonaro para realizar uma viagem a Israel. Convém manter a coragem do capitão aprisionada no território nacional.

O discurso de Bolsonaro soou num ato de lançamento da candidatura do deputado Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro. O orador tentou compartilhar o manto de perseguido com o pupilo, um ex-chefe da Abin investigado sob a acusação de monitorar ilegalmente desafetos de Bolsonaro. “Ramagem trabalhou comigo, fez um excelente trabalho, deixou sua marca. E obviamente, quando se lança pré-candidato, o mundo cai na cabeça dele, como vem caindo na minha, porque sou um paralelepípedo no sapato da esquerda.”

Quem tem tantos calos deveria ter uma noção mais precisa dos seus apertos. No momento, o cabo eleitoral do PL faria um bem a si mesmo se esquecesse momentaneamente a esquerda para se concentrar em dois personagens conservadores: os ex-comandantes Freire Gomes (Exército) e Batista Júnior (Aeronáutica). Os depoimentos da dupla à PF, liberados na véspera por Xandão, têm o peso de dois paralelepípedos pendurados por um fiapo sobre a cabeça de Bolsonaro.

Submetida às investigações sobre o golpe, a coragem de Bolsonaro revela-se uma virtude fugidia. Some nos momentos em que seria mais necessária. Poucos espelhos refletem melhor a imagem de um homem do que as suas palavras. Bolsonaro passou a medir suas declarações na escala dos milímetros. Apresenta-se como vítima e ataca espantalhos. Mas se abstém de fornecer algo que se pareça com uma defesa crível. Aos poucos, sem que o capitão perceba, vai surgindo na imagem do espelho um culpado apavorado com a perspectiva de prisão.

Bolsonaro derrete em inquérito, mas impõe sua multidão ao país

Abespinhado com o vazamento de trechos da investigação sobre a tentativa de golpe, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes divulgou todos os depoimentos que mantinha sob o manto diáfano do sigilo processual.

Submetidos ao cheiro de queimado, Bolsonaro e seus operadores políticos borrifaram nas redes sociais imagens da multidão que recepcionou o investigado na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro.

A simultaneidade dos dois fatos potencializou o paradoxo que envenena a conjuntura nacional: nas páginas do inquérito da Polícia Federal, Bolsonaro derrete como um picolé exposto ao sol. Nas ruas, exibe uma musculatura política que resiste à perspectiva de condenação que deve encaminhá-lo à cadeia.

Fica evidente que a eventual prisão de Bolsonaro, cada vez mais provável, condenará o Brasil ao convívio com o bolsonarismo. Não será um convívio fácil.

Bolsonaro é empurrado para dentro de uma sentença criminal pelo delator Mauro Cid, um tenente-coronel que frequentou a cozinha do Alvorada, e por dois expoentes militares que se recusaram a aderir ao golpe.

O general Freire Gomes e o brigadeiro Batista Júnior, ex-chefes do Exército e da Aeronáutica. Fixaram um contraponto em relação ao almirante Almir Garnier, que colocou a tropa da Marinha “à disposição” do golpismo, e ao general Paulo Sérgio Nogueira, que converteu o Ministério da Defesa em ninho da conspiração antidemocrática.

Cid, Freire e Batista não são adversários da esquerda, mas legítimos representantes daquilo que Bolsonaro chamava de “minhas Forças Armadas”. Escancaradas no noticiário a duas semanas do aniversário do golpe de 1964, as revelações dos militares têm um aroma de história.

O enredo ficcional da vitimização não tem potencial para livrar Bolsonaro, um capitão expurgado do Exército pela porta lateral, de um indefectível encontro com o Código Penal. Mas ajuda a cristalizar um eleitorado de ultradireita que, incorporado à paisagem, não retornará para o armário.

Tomado pelas palavras, Lula tem dificuldades para compreender o desafio histórico que assedia o seu terceiro mandato. Ao eleger Bolsonaro, que chama de “figura”, como rival nas eleições municipais e declarar em entrevista que “a polarização é boa” para o país, o presidente revigora o antipetismo, combustível que mantém vivo o bolsonarismo.


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