18/05/2024 - Edição 540

Poder

Lula sacrifica Caixa ao Centrão para garantir taxação de super-ricos na Câmara

Planalto diz que não entregou a Caixa de 'porteira fechada', mas filho de Lira já negocia publicidade do Banco

Publicado em 26/10/2023 10:10 - Leonardo Sakamoto, Josias de Souza e Tales Faria (UOL), Folha de SP – Edição Semana On

Divulgação Foto: Ricardo Stuckert

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Tão logo o governo Lula sacrificou a presidente da Caixa, Rita Serrano, no altar do Centrão, na quarta (25), entregando o comando do banco para um indicado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), dádivas começaram a ser recebidas. O projeto defendido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para taxar os super-ricos, que pagam menos impostos usando offshores e fundos exclusivos, foi aprovado em plenário.

Milagre? Não, política. Centrão de barriga cheia é centrão que vota.

Foram 323 votos de deputados federais a favor do texto-base e 119 contra. Com isso, o governo Lula acredita que pode arrecadar R$ 20 bilhões a mais para reduzir o déficit nas contas públicas e garantir mais justiça tributária.

A troca já estava prevista e discutia-se se a entrega seria de porteira fechada, com o Centrão decidindo quem seriam os diretores que influenciam na liberação de recursos para políticas públicas ou se o governo manteria o poder de decisão, considerando o papel estratégico da Caixa para os projetos de Lula, como os benefícios sociais e o Minha Casa, Minha Vida.

Foram três aliados pelo governo no altar do Centrão até agora. Além de Serrano, demitida para fazer caber Carlos Antônio Fernandes, também tivemos Ana Moser, que saiu do Ministério do Esporte para a entrada de André Fufuca (PP-MA). E no Ministério dos Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB), deslocado para dar lugar a Silvio Costa Filho (Republicanos).

Cabe também nessas trocas em busca de voto, a saída de Daniela Carneiro (União Brasil), que, junto com seu marido, Waguinho, apoiou Lula durante a campanha eleitoral na Baixada Fluminense, para a entrada do seu correligionário Celso Sabino – que representa mais os interesses da bancada do partido no Congresso.

Por enquanto, só quem acredita em Papai Noel, no Coelho da Páscoa e no Saci acha que o apetite do Centrão vai se conformar com o que foi entregue. Quando vierem votações importantes ou quanto mais próximo estivermos da eleição municipal de 2024, certamente ocorrerá pressão pela liberação de recursos de emendas.

A fatura também pode vir na forma de mais cargos (desde que sejam responsáveis por executar obras nos municípios) ou mesmo para controlar nacos maiores do orçamento da União. O olho gordo em cima do Ministério da Saúde, por exemplo, nunca piscou.

E quanto mais frágil estiver o governo federal diante da opinião pública, mais cara será a fatura para a aprovação de projetos. Na área econômica, claro, porque o governo dificilmente terá maioria para aprovar propostas de avanços na área de direitos fundamentais.

A aprovação do governo Lula estava em 60%, em agosto, passou a 54%, agora, segundo levantamento Genial/Quaest, divulgado nesta quarta. A desaprovação foi de 35% para 40%. A margem de erro é de 2,2 pontos. Não é alarmante, mas um recado.

Apesar de a inflação estar controlada e o desemprego estar em queda, há uma expectativa negativa da população com a inflação no futuro. A pesquisa aponta descontentamento por conta de altas nas tarifas de serviços e no preço do combustível.

Quanto pior estiver a aprovação, mais sacrifícios serão demandados. E tudo o que o governo não quer é ter que cortar na própria carne.

Planalto informa ao centrão que não entregou a Caixa de ‘porteira fechada’

O presidente Lula considera que já cumpriu a promessa feita a Lira, de entregar ao centrão o comando da Caixa. Não faz parte do acordo a entrega “de porteira fechada” das vice-presidências do banco aos partidos do centrão, como Lira já declarou em entrevista à “Folha de S.Paulo”, no dia 17 de setembro.

Perguntado pelo jornal se fazia parte do acordo com Lula a entrega da CEF com “porteira fechada”, ou seja, o direito de indicar todas as 12 vice-presidências, Lira respondeu: “Esse foi o acordo. (…) Os nomes serão colocados à disposição do presidente, que fará a escolha.”

O recado do presidente da República foi passado ao Arthur Lira antes do afastamento da atual presidente do banco, Rita Serrano, anunciada nesta quarta-feira, 19, e sua substituição por Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado por Lira.

Foi a questão da “porteira fechada” que atrasou a indicação e levou a greve branca do centrão nas votações da Câmara das últimas semanas.

Lula não gostou de Lira ter anunciado publicamente que indicaria o novo comando da Câmara “de porteira fechada”. O presidente da Câmara, por sua vez, insistia que isso faria parte do acordo.

Depois de seguidas negociações, segundo o Palácio do Planalto informou a aliados, ficou acertado que as indicações dos futuros vice-presidentes da Caixa Econômica Federal serão analisadas “caso a caso”, sem o compromisso de porteira fechada.

Isso acabou com a greve branca e destravou a aprovação, nesta quarta-feira mesmo, dos projetos de taxação dos fundos dos super-ricos e das contas off-shore.

Resta saber se houve mesmo pacificação ou se a votação é apenas uma pausa até o centrão voltar a exigir todos os cargos.

Por outro lado, Centrão cobra mais verbas e diz que troca na Caixa é insuficiente

O centrão apertou o cerco sobre o Planalto e ampliou a pressão por cargos e emendas num momento em que o governo corre contra o tempo para aprovar no Congresso medidas econômicas de interesse do Governo Federal.

Integrantes do governo já veem um prazo apertado, de 60 dias, para avançar no conjunto de propostas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e nos projetos que tratam do Orçamento de 2024.

As demandas do centrão incluem as vice-presidências do banco estatal e os cargos da recriação da Funasa (Fundação Nacional de Saúde).

O grupo de partidos de centro e de direita que controla a Câmara tem usado a pressa do governo em liquidar essas pautas como instrumento de barganha nas negociações sobre indicações políticas em cargos federais e também para conseguir mais emendas em 2024, ano de eleição municipal.

Atualmente, há R$ 46,3 bilhões em emendas parlamentares no Orçamento de 2023, o que já é um valor recorde. Emenda parlamentar é o mecanismo pelo qual deputados e senadores enviam dinheiro para bancar obras e projetos nos seus redutos eleitorais.

O Congresso prepara uma investida para tirar mais poder de Lula no controle das emendas de 2024. Mas o Palácio do Planalto tenta articular uma saída para que o governo mantenha influência sobre o destino desses recursos.

As tratativas caminham para um aumento no valor reservado para emendas do próximo ano, mas evitando uma grande desidratação da influência do governo sobre essa verba.

A cúpula do Congresso articula para que, no próximo ano, o presidente Lula fique mais amarrado e seja forçado a liberar as emendas de acordo com um cronograma a ser definido pelos próprios parlamentares.

A estratégia do centrão é garantir mais dinheiro para as emendas logo no primeiro semestre, o que fortalece politicamente os candidatos a prefeito apadrinhados por deputados e senadores.

Depois do primeiro semestre, passa a vigorar em anos eleitorais um período chamado de defeso, que trava a maior parte desses tipos de repasses a estados e municípios.

Na prática, a concentração de repasses no início do ano fortalece quem tem representação no Congresso. O PL de Jair Bolsonaro é o maior partido da Câmara e conta com sua bancada de deputados para assumir a liderança no número de prefeituras no país no próximo ano.

Articuladores políticos de Lula já se mostram resignados em relação a esse ponto. Acham difícil conseguir fazer o Congresso recuar da ideia, mas tentam impor uma limitação.

A contraproposta do Palácio do Planalto tem sido suavizar a obrigatoriedade da execução das emendas. O governo quer que, se a arrecadação de tributos ficar abaixo do previsto para o período, não seja compulsório liberar a quantidade de emendas do cronograma.

Ainda em relação às emendas, o Congresso tenta mudar as regras de 2024 para que Lula seja obrigado a realizar esses repasses no mesmo ano. Hoje, nem todas as emendas são de execução compulsória, o que dá margem para o governo não atender a pedidos de parlamentares da oposição.

Essa medida é rejeitada pelo governo, que tenta convencer congressistas de que isso engessaria o Orçamento.

Após o fim das emendas de relator, amplamente usadas na gestão Bolsonaro, Lula criou um novo modelo de negociação política em torno desses recursos. Cerca de R$ 10 bilhões do total de R$ 46,3 bilhões deste ano estão nos cofres de ministérios e não são classificados oficialmente como emenda.

O Palácio do Planalto busca tentar manter esse mecanismo, que dá mais poder do governo sobre esse dinheiro, pois os repasses são feitos apenas com aprovação dos ministros.

A cúpula do Congresso tem dito a aliados que esse formato não tem funcionado bem e tem gerado atritos entre congressistas e o governo por causa da demora na liberação da verba. Por isso, está em estudo a criação da emenda de liderança, que garantiria o controle quase que absoluto dos parlamentares na gestão dos recursos.

Para evitar uma derrota de Lula na administração do dinheiro, está em negociação a possibilidade de aumentar o valor do orçamento dos ministérios que será reservado para o Congresso no próximo ano.

As mudanças nessas regras para 2024 serão votadas, primeiro, pela Comissão Mista de Orçamento e depois em sessão conjunta do Congresso.

A articulação política do governo tem adotado o tom de cautela em tratativas políticas porque a comissão é controlada por parlamentares que querem fazer indicações de aliados para a Funasa.

O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) é relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que dá as bases para a formulação do Orçamento do próximo ano. A senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) é presidente da comissão e irmã do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-AL), um dos mais influentes da Câmara. Esses três parlamentares disputam a Funasa, junto com membros do Republicanos.

O governo quer adiar esse impasse e apenas fazer as nomeações políticas no próximo ano. Mas o Palácio do Planalto tem sido pressionado a dar celeridade a essa questão.

Além dos pleitos pela Funasa, o centrão pretende ampliar o movimento para conseguir ocupar as vice-presidências da Caixa.

Lira emplacou um aliado, Carlos Antônio Vieira Fernandes, no comando do banco. O PP também deve levar a maioria das 12 vice-presidências. A divisão desses cargos é uma forma de atender a demandas de partidos próximos a Lira, como Republicanos e União Brasil.

Filho de Lira negocia publicidade com a Caixa, agora sob controle do centrão

Arthur Lira Filho, 23, é filho de Arthur Lira. E é sócio da Omnia 360. A empresa representa veículos de mídia que participam de campanhas da Caixa e outros órgãos públicos.

A OPL Dikgital e a RZK Digital, ambas clientes da Omnia, estão na lista de veículos que atuaram na publicidade do banco em 2022 e 2023. A Caixa não divulga os valores pagos a cada veículo.

A Rocket Digital também é fornecedora do banco. A empresa tem como donos Maria Cavalcante, que é sócia da Omnia, e Rodolfo Maluf Darakdjian, proprietário da OPL.

Maria Cavalcante é filha de Luciano Cavalcante, ex-assessor de Lira que foi alvo de operação da Polícia Federal sobre desvios na compra de kits de robótica —o inquérito foi suspenso em julho por Gilmar Mendes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

A publicitária Ana Magalhães também é dona da Omnia, empresa aberta em 2021.

A Omnia não tem contratos diretamente com a Caixa ou órgãos públicos. A empresa ganha uma comissão dos veículos que representa, quando essas empresas exibem anúncios, por exemplo, em outdoors ou na internet.

A empresa do filho de Lira representa e acompanha os veículos clientes em reuniões. A Caixa registra 26 entradas de sócios da Omnia no banco entre 2021 e 2022, sendo quatro delas de Lira Filho. Ele esteve no banco com representantes da RZK. O último registro de entrada do filho do presidente da Câmara é de abril do ano passado.

Os dados foram repassados pela Caixa após pedido baseado na LAI (Lei de Acesso à Informação). O banco afirma que não recebeu representantes da empresa em 2023.

A Caixa também informou que os representantes da Omnia fizeram reuniões com funcionários do banco que lidam com publicidade e marketing.

Caixa, Omnia, OPL, RZK e Rocket não responderam aos questionamentos da reportagem sobre possível conflito de interesse nas relações do banco com o filho de Lira. O presidente da Câmara também não quis se manifestar.

Em junho, a OPL disse que a empresa de Lira Filho recebe 15% dos valores líquidos negociados com as agências do governo. “Porcentagem padrão para todos os nossos representantes pelo Brasil”, segundo a empresa representada pelo filho do presidente da Câmara.

As clientes da Omnia já veicularam anúncios de campanhas publicitárias ao menos da Secom (Secretaria de Comunicação Social), dos ministérios da Saúde e Educação, do Banco do Brasil e da Caixa.

Em junho, a Omnia disse que a atividade de representação comercial “consiste justamente em promover os produtos do representado para o trade do seu setor”.

“Faz parte das atividades da Omnia 360 fazer encontros nas agências de publicidade e apresentar novidades e detalhes técnicos aos anunciantes. Algo corriqueiro nas atividades do mercado publicitário, público e privado”, afirmou a empresa do filho de Lira.

Procurada novamente no último dia 20, a empresa não se manifestou.

A Caixa não informa os valores pagos a veículos de mídia. O banco diz que essa informação é estratégica e deve ser mantida sob sigilo.

“Os critérios de escolha de cada veículo, a negociação comercial praticada e os objetivos de sua utilização são considerados informações estratégicas negociais da Caixa e de alta relevância para manutenção da competitividade deste banco no mercado bancário”, declarou o banco via LAI.

O banco divulga apenas o total gasto a cada mês com as campanhas. Em 2022, a Caixa pagou cerca de R$ 305 milhões para produzir e distribuir publicidade.

O comando do banco estava na lista de desejos do centrão e entrou nas negociações com o presidente da Câmara em troca de apoio no Congresso Nacional.

Maria Rita Serrano foi demitida nesta quarta do comando do banco estatal, e o governo entregou a um aliado de Lira o posto.

Fernandes é paraibano, economista, integra os quadros do banco, foi diretor-presidente da Funcef (Fundação dos Economiários Federais), o fundo de pensão da Caixa, e trabalhou com ministros do PP no governo Dilma Rousseff (PT).

Ele foi demitido por Dilma em abril de 2016, no momento em que o PP começava a desembarcar do governo para apoiar o processo de impeachment.

Filme repetido

No Brasil, costuma-se dizer que o futuro a Deus pertence. Num instante em que Lula entrega ao centrão o controle da Caixa Econômica Federal, alguém poderia perguntar: E quanto ao passado? Quem se responsabilizará por ele? O toma-lá-dá-cá praticado no terceiro reinado de Lula ficou muito parecido com o balcão que funcionou em mandatos anteriores do PT. Lula roda um filme repetido. Nele, não há final feliz. De repente, o passado tornou-se o melhor profeta do futuro.

Lula enviou ao olho da rua Rita Serrano, a sindicalista que havia assumido a presidência da Caixa em janeiro. No lugar dela, será acomodado Carlos Antonio Vieira, um servidor aposentado do banco. Foi indicado por Arthur Lira. O compromisso assumido por Lula prevê a entrega da Caixa ao imperador da Câmara “de porteira fechada”. Estima-se que, além da presidência, que passa às mãos do PP de Lira, as 12 vice-presidências da Caixa serão rateadas entre outros três partidos do centrão: Republicanos, PSD e União Brasil.

O efeito político do início da dança de cadeiras na Caixa foi instantâneo. Lira e o centrão haviam sequestrado o projeto sobre a tributação dos super-ricos que investem em fundos de investimento exclusivos e em contas mantidas nos paraísos fiscais. Uma proposta que deve render arrecadação extra de R$ 20 bilhoes em 2024. A entrega da caixa funcionou como um pagamento de resgate. Após sucessivos adiamentos, Lira acertou os ponteiros com Fernando Haddad, reuniu os líderes partidários e marcou a votação, com a velocidade de um raio, para a noite desta quarta-feira.

Os parafusos da poltrona de Rita Serrano estavam frouxos desde julho, quando a substituição começou a ser negociada. No mês passado, Lira declarou em entrevista que as indicações políticas para a Caixa “não devem ser criminalizadas”. Atrasando-se o relógio, verifica-se que esse tipo de nomeação costuma ser criminalizada por políticos que cometem crimes. A Polícia Federal já investigou uma quadrilha de políticos e agentes públicos acusados de arrecadar propinas na Caixa.

Descobriu-se na época, por exemplo, que Geddel Vieira Lima guardava num apartamento em Salvador R$ 51 milhões em dinheiro vivo. Numa antiga gestão petista, a então presidente Dilma Rousseff havia loteado politicamente a Caixa. Indicado pelo MDB, Geddel foi guindado ao posto de vice-presidente de Pessoa Jurídica da instituição. Ali permaneceu de 2011 até 2013. Saiu quando quis.

Houve um tempo em que, quando se falava sobre bancos e assaltos, dava-se de barato que a coisa acontecia de fora pra dentro. A entrega da Caixa ao centrão submete o banco estatal ao risco de uma modalidade distinta da mesma perversão. A diferença é que o assalto costuma acontecer de dentro para fora.


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