18/05/2024 - Edição 540

Poder

Lula, com uma tacada só, faz o PT e Bolsonaro amargarem derrotas

Com Dino e Gonet, presidente resfria o clima de fim de mundo na Capital

Publicado em 28/11/2023 9:13 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Josias de Souza e Leonardo Sakamoto (UOL), DW, Fábio Corrêa (DW) – Edição Semana On

Divulgação Presidência da República

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O candidato do PT à vaga da ex-ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal era Jorge Messias, atual advogado-geral da União, e não Flávio Dino, titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública. E o candidato a procurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha.

Se bem-sucedido em suas apostas, o PT iria batalhar pela criação do Ministério da Segurança Pública para onde poderia ir Dino, assumindo o da Justiça o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas. Lula escolheu Dino para o Supremo e Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República.

A candidatura de Messias à vaga aberta com a ida de Dino para o Supremo está posta pelo PT, assim como a de Ricardo Cappelli, secretário do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, posta por Dino. Lula inclina-se por não repartir o ministério como quer o PT e examina outros nomes para suceder Dino.

Que tal o ex-ministro do Supremo Ricardo Lewandowski? Lula embarcou, ontem, para uma viagem a países do Oriente Médio e à Alemanha com Lewandowski a tiracolo. Foi a primeira-dama Marisa Letícia, à época mulher de Lula, que o convenceu a nomear Lewandowski ministro do Supremo. Os dois ficaram amigos.

À boca miúda, queixa-se o PT de não ser ouvido por Lula como deveria. Lula está certo de que derrotou Bolsonaro apesar do PT, de que o PT sabe disso e de que o PT depende dele para voltar a crescer e que, portanto, jamais o abandonará. A preocupação número 1 de Lula é com o sucesso do seu governo; a 2, com a sua saúde.

Será candidato à reeleição se chegar bem ao fim do mandato. Que venha o bolsonarismo com ou sem Bolsonaro, duas vezes inelegível por 8 anos, e talvez preso. Bolsonaro e os seus só colhem derrotas. Dino no Supremo será ruim para eles; um Supremo satisfeito com Lula será ruim para eles; até Javier Milei não será assim tão bom.

Bolsonaro celebrou a vitória de Milei na Argentina, ofereceu-se para ir à festa de posse em 10 de dezembro e começou a montar uma comitiva para acompanhá-lo. Era o Milei que chamou Lula de ladrão, corrupto e comunista, que disse querer distância do Brasil e ser contra o Mercosul. Em poucos dias, Milei mudou de opinião.

Negou ter dito tudo o que disse sobre Lula. E escreveu uma carta respeitosa a Lula convidando-o para sua posse. Não é provável que Lula vá, mas os canais diplomáticos foram desobstruídos. Lula deverá responder à carta de Milei com outra, e, talvez, com um telefonema. Donald Trump, que iria à posse de Milei, já não irá.

O bolsonarismo de raiz definha. A última grande manifestação em favor de Bolsonaro, no dia 7 de setembro de 2022, reuniu na Avenida Paulista 32 mil pessoas. Estimulados por Bolsonaro, que não pôs os pés por lá, no domingo (28) e na mesma avenida, reuniram-se 13.321 bolsonaristas em defesa da democracia.

Democracia e bolsonarismo têm pouco ou nada a ver. Bolsonarismo combina com golpe para anular eleição que perdeu.

Lula resfria o clima de fim de mundo na Capital

A política brasiliense parece influenciada pela era dos eventos climáticos extremos. Na semana passada, choveu canivete na Praça dos Três Poderes. Senado, Supremo e Planalto respiravam uma atmosfera de fim de mundo. Ontem (27), ao confirmar as indicações de Flávio Dino e Paulo Gonet, Lula refrigerou o clima. O Apocalipse virou confraternização.

Antes irritados com a passividade do governo diante do avanço no Senado de uma pauta anti-Supremo, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes dedicam-se agora a aplaudir Lula. Dino e, sobretudo, Gonet eram os nomes prediletos da dupla de ministros mais influentes da Suprema Corte. Para afagar Moraes e Gilmar, Lula impôs uma dupla derrota ao seu próprio partido. O PT tinha outros candidatos.

Criticados por converter a agenda bolsonarista de ataques ao Supremo numa prioridade legislativa, Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre associaram-se a Lula no esforço para aprovar as indicações antes do Natal. A dupla jantou com Lula no domingo.

Presidente da comissão responsável por sabatinar Dino e Gonet, Alcolumbre comprometeu-se a apressar o passo. Chefe do Senado, Pacheco prometeu levar os nomes ao plenário no mesmo dia. Ambos tranquilizaram Lula quanto à aprovação.

Líder de Lula no Senado, Jaques Wagner ainda se recupera das cotoveladas que recebeu por ter votado a favor da PEC que limitou as liminares monocráticas de ministros do Supremo. Mas, de repente, a esquisitice do voto ganhou uma súbita serventia. No melhor estilo uma mão suja a outra, Wagner credenciou-se para articular a aprovação de Dino e Gonet inclusive junto à ala bolsonarista do Senado.

Além de adiar o fim do mundo, Lula está na bica de plantar no Supremo um articulador dos interesses do seu governo e, na Procuradoria, um personagem tão moderado que foi cogitado para o posto pelo próprio Bolsonaro.

Dino levará para a Suprema Corte uma mistura da experiência jurídica de um ex-juiz com a mandinga de um político experimentado. Gonet imprimirá na chefia do Ministério Público as marcas de um religioso contrário às liberalidades da esquerda nos costumes e de um procurador avesso a pirotecnias que perturbem a governabilidade.

Quem é o indicado de Lula para a PGR

O fluminense Gonet, de 62 anos, é doutor em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em direitos humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra.

Ele entrou na PGR em 1987 e ocupa atualmente o cargo de procurador-geral eleitoral interino na PGR, já tendo atuado como vice-procurador-geral eleitoral e subprocurador-geral da República.

Gonet é um católico praticante que já adotou posturas bastante conservadoras em alguns temas que são caros ao PT e à esquerda.

Em 2009, quando se discutia o uso de embriões para pesquisas científicas, ele escreveu um artigo criticando o direito ao aborto afirmando que a vida humana existe desde a concepção, e chegou a pedir que o governo agisse com rigidez contra a prática.

Nos anos 1990, Gonet representou o Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte de figuras de oposição á ditadura militar, como os guerrilheiros Carlos Lamarca e Carlos Marighella, a estilista Zuzu Angel e o estudante secundarista Edson Luís. Gonet, porém, foi voto vencido nos julgamentos da Comissão.

Seu nome também chegou a ser cogitado para a PGR no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro através do apoio da deputada federal Bia Kicis (PL-DF), como possível sucessor da procuradora-geral Raquel Dodge.

A deputada bolsonarista, com quem ele estudou, chegou a levá-lo para uma reunião com Bolsonaro, na qual Gonet teria se manifestado contra a criminalização da homofobia. À época, Kicis classificou Gonet de “conservador raiz”.

Analistas avaliam que seu posicionamento conservador e religioso poderá remover possíveis entraves para seu nome ser aprovado no Senado federal, onde Gonet será sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e terá sua indicação votada em plenário.

As alas mais conservadores no Congresso acreditam que Gonet poderá ter um papel relevante ao bloquear pautas progressistas.

O ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, apoiou a indicação de Gonet, que no passado foi seu sócio no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Sua nomeação foi fortemente apoiada também pelo ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que acompanhou a atuação de Gonet como vice-procurador-geral eleitoral.

Gonet teve papel relevante no processo que resultou na inelegibilidade de Bolsonaro, sendo responsável pelo relatório do MPF que defendia a condenação.

O que esperar da indicação de Flávio Dino para o STF

Nascido em 1968, em São Luís (MA), Flávio Dino é filho de um casal de advogados. O pai dele, Sálvio Dino, foi vereador na capital maranhense, deputado estadual e prefeito da cidade de João Lisboa (MA). O atual ministro da Justiça e Segurança Pública foi aprovado no concurso para juiz federal em 1994, cargo que ocupou por 12 anos, até se eleger deputado federal pelo PCdoB.

Dino também foi presidente da Embratur durante o governo Dilma Rousseff, governador do Maranhão por dois mandatos e, em 2022, já pelo PSB, se elegeu senador pelo estado onde nasceu – antes de ser indicado por Lula ao Ministério de Justiça e Segurança Pública.

Para Álvaro Palma de Jorge, professor de direito da FGV Direito Rio, a ampla experiência do maranhense pode ser um trunfo para o STF num momento de choque com o Legislativo. Assuntos como o marco temporal ou o casamento homoafetivo, já definidas em decisões da Suprema Corte, têm sido contestadas por projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado.

“Essa é uma contribuição importante, porque os dilemas são diferentes, as dinâmicas são diferentes. Num ambiente que tem sido de tensão entre os Poderes, acho que ele vai trazer uma contribuição, uma visão da separação de Poderes muito rica para dentro da Corte”, diz Palma.

Se a indicação de Dino acontecer, não será a primeira vez que um Ministro da Justiça é levado ao STF pelo chefe do Executivo. O último exemplo foi de Alexandre de Moraes, hoje no STF, que esteve à frente da pasta no governo Temer. Paulo Brossard (Sarney), Maurício Corrêa (Itamar Franco) e  Nelson Jobim (Fernando Henrique Cardoso) tiveram trajetórias semelhantes.

O professor de direito vê Dino como uma figura progressista do ponto de vista dos costumes. “Acho que a visão de mundo dele é uma visão que abrange mais inclusão que exclusão”, afirma o acadêmico, que também ressalta que isso não significa uma afinidade total com o presidente Lula. “A primeira coisa que eu não esperaria de um ministro é que ele cumpra a agenda de um presidente. A independência é um requisito muito importante de ministro do Supremo.”

A questão, no entanto, também pode ter um reflexo direto no primeiro escalão de Lula. A saída de Flávio Dino facilitaria, em tese, o desmembramento da pasta que chefia atualmente, separando a Justiça da área de Segurança Pública. O movimento seria uma forma de acomodar mais aliados em potencial, principalmente do Centrão, na busca por apoio em votações no Congresso. O próprio Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, chegou a afirmar que o partido não votaria contra a indicação Dino.

Já entre o núcleo duro do PT, a ida de Dino ao Judiciário abriria a disputa pela sucessão de Lula. Recentemente, uma pesquisa do Instituto Quaest indicou que o titular da Justiça tem a maior popularidade digital entre os ministros do atual governo, alavancada principalmente pelos vídeos de embates com bolsonaristas em sessões de comissões do Congresso. Por outro lado, Dino tem sido alvo de críticas recentes por causa da crise de segurança pública que tem assolado a Bahia, estado governo pelo petista Jerônimo Rodrigues.

De acordo com o cientista político Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), o ministro da Justiça e Segurança Pública de Lula seria uma indicação “boa para todo mundo” por também ter um perfil garantista, que o acadêmico descreve como a alguém que não traria riscos para a classe política.

“O problema central foi a Lava Jato, que virou um fator desestabilizador da política brasileira. O Lula quer indicar pessoas de estrita confiança para evitar uma deriva lavajatista, como Corte criminal de políticos. Aí está o ponto de intercessão com o Congresso, que quer isso. Até o Valdemar disse que votaria no Dino. É um nome relativamente fácil, exceto para a bancada da extrema direita e a esquerda militante, que quer emplacar uma mulher negra”, analisa Lynch.

O cientista político afirma que Lula vai seguir os próprios instintos na indicação com o objetivo de se resguardar de possíveis arroubos do Judiciário contra si mesmo. “Ele não vai deixar a indicação ao STF correr solta a cargo de alguém. Antes, era ouvindo recomendações, como se fosse o STJ ou um TRF da vida. Tanto que a maior parte dos ministros que fizeram a Lava Jato foram indicações do PT. Ou seja, não teve cuidado antes nas nomeações. Agora sim, tem que ser alguém de confiança. Pode fazer uma manifestação de 500 mil pessoas na frente do Planalto e ele não vai ouvir, vai nomear alguém da confiança dele. A mesma coisa em relação à PGR, será alguém que precise dele”.

Dino, Moraes e Mendonça no STF, enquanto Moro chupou o dedo na Justiça

Lula é o terceiro presidente da República consecutivo a indicar pessoas que comandaram o Ministério da Justiça à Suprema Corte: Michel Temer apontou Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro, André Mendonça – que passou pela pasta e estava como advogado-geral da União.

Aliás, Dino é o primeiro ministro da Justiça que o PT indica ao STF. Mas Itamar Franco indicou Maurício Corrêa, Fernando Henrique colocou Nelson Jobim e José Sarney elevou Paulo Brossard – só para citar o período pós-redemocratização.

Nesse contexto, é irônico que um dos ministros da Justiça que mais queriam a vaga, Sergio Moro, ficou chupando o dedo.

Dino deixará de vez o Senado, para onde foi eleito no ano passado e de onde estava licenciado para atuar no Poder Executivo. Na sabatina, terá que responder a perguntas de Moro, senador enquanto o TRE-PR e o TSE não definirem o seu futuro.

Ambos foram juízes federais e ambos atuaram como auxiliares na Suprema Corte: Dino, no gabinete do ministro Nelson Jobim, Moro, no de Rosa Weber.

O maranhense de São Luís deixou a magistratura para entrar na política eleitoral. Foi deputado federal, presidiu a Embratur, governou o Maranhão por dois mandatos. É um dos nomes na esplanada em que Lula mais confia.

Já Moro entrou na política eleitoral ainda usando toga. À frente da Lava Jato, o paranaense de Maringá condenou Lula, abrindo caminho para a vitória de Bolsonaro ao tirar o petista da eleição de 2018 e mantê-lo preso por 580 dias. Posteriormente, com a Vaza Jato revelando mensagens que mostraram que ele combinou o jogo da condenação com procuradores, teve seu trabalho anulado pelo STF.

Ele deixou o governo Bolsonaro em 2020, acusando o ex-chefe de interferência na escolha do superintendente da PF no Rio. Em depoimento sobre o caso, em 3 de novembro de 2021, Jair disse que Moro condicionou a troca no comando na Polícia Federal pela sua indicação ao STF. Na época, o ex-juiz e ex-ministro disse que isso era mentira e que não trocava “princípios por cargos”.

Depois, quando fizeram as pazes no ano passado, o então presidente desaconselhou Moro a tentar o STF. Em um almoço com jornalistas, revelou que disse ao ex-ministro que o nome dele não passaria no Senado.

Cristiano Zanin, advogado do petista no caso, com quem Moro teve embates ao longo do processo, por ironia do destino assumiu a primeira vaga de ministro do STF liberada no terceiro governo Lula.

Agora, Moro vê mais um que ocupou a pasta como ele ser indicado ao Supremo.

Há no STF ministros que nunca confiaram em Moro e outros que se sentiram traídos com as revelações da Vaza Jato. Seja como for, as duas alas respiram aliviadas que o indicado é o outro ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça. O que poderia ser diferente se um golpe de Estado tivesse sido consumado.


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