18/05/2024 - Edição 540

Poder

Fundamentalistas evangélicos avançam com proposta de proibir casamento civil homoafetivo

Papa vê possibilidade de bênção a casais gays

Publicado em 11/10/2023 11:51 - RBA, Josias de Souza (UOL), Carla Quirino (RTP) – Edição Semana On

Divulgação Lula Marques - Abr

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Parlamentares evangélicos extremistas aplicaram uma manobra na terça-feira (10) na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara. Apresentaram nova versão do relatório que deturpa um projeto de lei para tentar proibir o casamento homoafetivo no Brasil. A iniciativa foi do relator fundamentalista do grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro Pastor Eurico (PL-PE). Então, à revelia dos deputados democratas que abandonaram a sessão, o colegiado aprovou a matéria por 12 votos a 5.

Já existe entendimento claro do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao casamento homoafetivo. Agora, o projeto passará por mais duas comissões. Primeiro, pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, presidida pela deputada Luizianne Lins (PT-CE). Depois, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, presidida por Rui Falcão (PT-SP). Além do posicionamento firme da Justiça contra o projeto de discriminação, as comissões seguintes não contam com hegemonia de radicais. Por isso, a expectativa é de impedir que o texto chegue ao plenário. Isso, porque o texto é inconstitucional.

Hoje, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou parecer confirmando a inconstitucionalidade da iniciativa. “Não é razoável a proibição que referido projeto quer instituir; por ser segregacionista pretende a proibição de toda a parcela de uma população de exercer o direito ao casamento civil em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero. E nem se diga que não haveria discriminação, porque pessoas LGBTQIA+ poderiam se casar com pessoa do outro sexo ou gênero, como incrivelmente se alega por vezes, porque o que se discute é a discriminação que existe à pessoa que deseja se casar civilmente com pessoa do mesmo sexo e é impedida de fazê-lo”, afirma parecer da entidade.

Casamento homoafetivo

A OAB prossegue em sua argumentação ao recordar posicionamento jurisprudencial de tribunais superiores sobre o tema. É consenso na Justiça a legalidade e constitucionalidade do casamento homoafetivo. “Esse argumento (dos radicais) já foi rejeitado pelo STF, quando julgou procedentes a ADPF 132 e a ADI 4277, quando reconheceu que a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo constitui família conjugal e união estável constitucionalmente protegida, (…) tem ‘força de lei’, ante o efeito vinculante e a eficácia erga omnes que a Constituição impõe às decisões de ações de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.”

O relatório de hoje é uma deturpação do projeto (PL 5.167/2009), de autoria do então deputado Clodovil Hernandez (PTC-SP). O projeto original, ao contrário do relatório, regulamentava e protegia o casamento homoafetivo. Contudo, o novo texto do Pastor Eurico acrescenta ao Código Civil o impedimento ao casamento de “pessoas do mesmo sexo”.

Manobras e repercussão

Até o início da sessão de hoje, havia um acordo para criar um grupo de trabalho para discutir o relatório de Pastor Eurico. Contudo, os extremistas impediram a criação do grupo, enquanto o pastor apresentou um texto substitutivo ainda no início dos trabalhos. “Não tivemos tempo sequer para discutir ou emendar o projeto. Nós, da bancada da democracia, da cidadania, da razoabilidade, nos retiramos da sessão para nem dar legitimidade à sessão. Vamos questionar a legalidade da votação de hoje. Teremos resistência jurídica e política”, afirmou o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), um dos grandes críticos ao projeto.

Henrique Vieira argumenta que o projeto apresenta uma visão de “sub-humanidade e subcidadania” ao não reconhecer o valor do casamento para pessoas do mesmo sexo. “Ataca os afetos, ataca os amores, as famílias. Somos contra isso no mérito e contra o método golpista e autoritário de fazer a votação. Mas tem muita luta pela frente, outras comissões. Não estamos de cabeça baixa. O amor vai vencer, pelas famílias, pela diversidade e pela democracia. Estarrecedor o projeto, mas o amor vai prevalecer”, completou.

Colega de partido de Henrique Vieira, Erika Hilton (SP) destacou a ilegalidade do projeto durante a sessão. “Mais uma vez, de forma desgastante, discutimos o óbvio. A inconstitucionalidade, a barbaridade, a monstruosidade que é o relatório deste texto que volta ainda pior. Temos pontos extremamente problemáticos que querem associar a homossexualidade a doenças. Esse relatório é abjeto, um escárnio, está calcado no ódio que reverbera pela boca de vossas excelências reunião após reunião. As pessoas estão vendo suas vidas atacadas por uma covardia, uma brutalidade”, disse.

Ideia de vetar união homoafetiva divorcia deputados da civilidade

Aprovado por 12 votos a 5 na Comissão de Previdência da Câmara, o projeto que proíbe o casamento homoafetivo formaliza o divórcio da bancada hetero-arcaica com os valores civilizatórios. A proposta trata a homossexualidade como doença. Uma evidência de que é mesmo incurável a enfermidade mental que acorrenta um pedaço do Legislalativo brasileiro à Idade Média.

Esse é o primeiro estágio da tramitação da proposta. Antes de chegar ao plenário, o texto terá que passar por outras duas comissões. A chance de o projeto virar lei é pequena. Mas convém desperdiçar tempo comentando a iniciativa para tranquilizar os alvos do arcaísmo. Permanece de pé a decisão do Supremo Tribunal Federal, que legalizou a união homoafetiva em 2011.

O Supremo agiu porque foi acionado. Na falta de uma legislação sobre a matéria, a Corte determinou que parceiros homoafetivos passassem a dispor da mesma proteção jurídica assegurada aos heterossexuais que se vincularam por uniões estáveis. Nada a ver casamentos na igreja. Tratou-se de oferecer proteção constitucional a quem era discriminado.

Depois do veredicto do Supremo, casais gays passaram a desfrutar de direitos elementares. Por exemplo: o direito incluir o parceiro como dependente num plano de saúde, de herdar os bens um do outro após a morte e de partilhar o patrimônio adquirido em conjunto em casos de separação. Os inimigos da lógica alegam que o Judiciário substituiu o Legislativo. Minúsculo, esse biombo da usurpação de poderes não consegue esconder o preconceito gigantesco dos parlamentares que tentam atrasar o relógio da história.

Papa vê possibilidade de bênção a casais gays

O papa Francisco acredita que há formas de abençoar uniões do mesmo sexo, se forem limitadas, decididas caso a caso e não confundidas com cerimônias de casamento de heterossexuais. Ele destaca que os pedidos de bênçãos – venham eles de casais homossexuais ou heterossexuais – são um meio pelo qual as pessoas se aproximam de Deus para viver vidas melhores.

Cinco cardeais conservadores da Ásia, Europa, África, dos Estados Unidos e da América Latina enviaram perguntas ao papa Francisco, com dúvidas a propósito de um encontro global que começa no Vaticano na quarta-feira (4).

Entre as questões, há um pedido de esclarecimento sobre a aceitação da Igreja em relação a casais do mesmo sexo. A troca de correspondência ocorreu em julho. Os cardeais divulgaram unilateralmente a iniciativa, fazendo saber que não estavam satisfeitos com as respostas de Francisco.

O Vaticano, no entanto, decidiu publicar na segunda-feira (2) a resposta do sumo pontífice que havia sido endereçada a esses cardeais sobre o tema da bênção a casais LGBTQI+.

A Igreja tem se posicionado no sentido de que a atração pelo mesmo sexo não é pecaminosa, mas os atos homossexuais são.

Na resposta de sete pontos, Francisco reitera que a Igreja foi muito clara ao afirmar que o sacramento do matrimônio só poderia ser entre um homem e uma mulher e aberto à procriação. Acrescenta que a Igreja deveria evitar qualquer outro ritual ou rito sacramental que se oponha a esse ensinamento.

Porém, “a caridade pastoral deve permear todas as nossas decisões e atitudes”, afirma Francisco. Ou seja, ele considera que a caridade pastoral” requer paciência e compreensão e os padres não podem tornar-se juízes “que apenas negam, rejeitam e excluem”.

“Por isso, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção equivocada do casamento”, argumenta.

Até “porque quando se pede uma bênção, expressa-se um pedido de ajuda a Deus, um apelo para viver melhor, uma confiança em um pai que pode ajudar a viver melhor”, escreve.

Francisco reitera que os pedidos de bênçãos são um meio pelo qual as pessoas se aproximam de Deus, mesmo que alguns atos sejam considerados “objetivamente moralmente inaceitáveis”. Ainda assim, ele adverte que as eventuais bênçãos que ocorrerem não devem tornar-se a norma nem obter aprovação geral das jurisdições da Igreja, como dioceses ou conferências episcopais nacionais.

Em cima da mesa está a prática, que entretanto se tornou relativamente comum na Alemanha, de padres que abençoam casais do mesmo sexo com relacionamento sério.

O papa deixa a sugestão para o assunto ser tratado caso a caso, “porque a vida da Igreja corre em canais além das normas”.

De qualquer forma, Francisco já tinha manifestado apoio às leis civis que estendem os benefícios legais aos cônjuges do mesmo sexo.

Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, que promove o alcance da Igreja aos católicos LGBT, declarou que embora a resposta não tenha sido um “endosso pleno e sonoro” de bênçãos, foi muito bem-vinda.

A carta de Francisco “avança significativamente” nos esforços para tornar os católicos LGBTQI+ bem-vindos na Igreja, reduzindo a marginalização, acrescenta.

Para DeBernardo, as palavras do papa indicam “que a Igreja realmente reconhece que o amor santo pode existir entre casais do mesmo sexo, e o amor desses casais reflete o amor de Deus”.


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