05/05/2024 - Edição 540

Poder

Fraude em vacina ajudou Bolsonaro a criar álibi para atos golpistas de 8/1

CGU concluiu que registro de imunização do ex-presidente é falso

Publicado em 19/03/2024 11:30 - Paula Laboissière (Agência Brasil), Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Lucas Neiva e Pedro Sales (Congresso em Foco) - Edição Semana On

Divulgação Tânia Rêgo - Abr

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A Polícia Federal (PF) indiciou nesta terça-feira (19) o ex-presidente Jair Bolsonaro por fraude em cartão de vacinação para covid-19. Em janeiro, a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que é falso o registro de imunização contra a doença que consta do cartão de vacinação de Bolsonaro. A investigação originou-se de um pedido à Lei de Acesso à Informação (LAI) formulado no fim de 2022.

Os dados atuais do Ministério da Saúde, que aparecem no cartão de vacinação, apontam que o ex-presidente se vacinou em 19 de julho de 2021 na Unidade Básica de Saúde (UBS) Parque Peruche, na zona norte de São Paulo. A CGU, no entanto, constatou que Bolsonaro não estava na capital paulista nessa data e que o lote de vacinação que consta no sistema da pasta não estava disponível naquela data na UBS onde teria ocorrido a imunização.

Em seu perfil na rede social X, antigo Twitter, o advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten criticou a divulgação do indiciamento. “Vazamentos continuam aos montes, ou melhor aos litros. É lamentável quando a autoridade usa a imprensa para comunicar ato formal que logicamente deveria ter revestimento técnico e procedimental ao invés de midiático e parcial”, escreveu.

O coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também foi indiciado pela PF. Ele é apontado como articulador da emissão de cartões falsos de vacinação contra a covid-19 para o ex-presidente e familiares dele. Em novo depoimento à PF na semana passada, Mauro Cid chegou a responder a perguntas sobre a investigação.

Esta foi a sétima vez que Mauro Cid esteve na Polícia Federal. Em três delas, ficou em silêncio. Após firmar acordo de delação premiada, o coronel passou a responder a todas as perguntas feitas nos últimos quatro interrogatórios.

Álibi para o golpe

As falsificações nos certificados de vacina para covid-19 de Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura, devem ser vistas no contexto do golpe de Estado que o então presidente pretendia dar. Era a garantia de que ele poderia permanecer fora do Brasil durante os atos golpistas de 8 janeiro, criando um álibi para o seu envolvimento no levante.

Não à toa, a Polícia Federal vê esse inquérito conectado às investigações sobre a tentativa de dissolução do Estado democrático de Direito.

Desde que bolsonaristas vandalizaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, o ex-presidente vem dizendo que não tem nada a ver com a história porque estava nos Estados Unidos no dia. Justificativa pueril, mas que cola com parte de seus seguidores mais radicais e vem sendo usada em seus depoimentos às autoridades.

A Polícia Federal indiciou Jair, seu ex-faz-tudo hoje convertido em delator-geral, Mauro Cid, o major expulso do Exército Aílton Barros e mais 14 pessoas. Eles são apontados como parte de uma associação criminosa usada para inserir dados falsos no sistema público de vacinação.

O certificado é fundamental não apenas para a admissão nos EUA mas também para a entrada em estabelecimentos comerciais. O que é importante para alguém que pretendia permanecer por um longo tempo no país.

Em tese, Bolsonaro não se vacinou e, portanto, não tinha o documento — durante sua passagem por Nova York, durante a Assembleia Geral da ONU, ainda como presidente, ele não pode entrar em uma série de restaurantes, por exemplo.

A fraude no cartão de vacina é uma etapa, das várias já identificadas, do planejamento golpista do ex-presidente da República.

Vale lembrar que seu plano a era dar um golpe de estado ainda no poder. Como não conseguiu apoio até o final de dezembro de 2022, foi para o plano B, na expectativa de que seus seguidores mais fiéis quebrassem a capital federal enquanto ele estava entocado nas cercanias da Disney. E, a partir daí, militares simpáticos a ele assumiriam o controle após o governo Lula decretar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) diante da barafunda.

Mas a GLO não veio, nem a intervenção dos militares, nem o golpe. E, agora, a dor de cabeça por fazer de conta que se vacinou está nas costas de Jair.

PF inicia esquartejamento penal de Bolsonaro com facão de Cid

A deterioração criminal de Bolsonaro mudou de fase. Até aqui, o capitão caminhava sobre as brasas das múltiplas investigações que tornam a sua rotina incandescente. Ao indiciá-lo no caso da falsificação dos certificados de vacinação, a Polícia Federal iniciou a fase do esquartejamento penal de Bolsonaro.

A situação está crivada de ironia. Os investigadores começam a retalhar o capitão cloroquina justamente por ter encomendado a emissão de cartões de vacinação falsos para ele e sua filha caçula. A PF corta o primeiro pedaço do que restou da reputação de Bolsonaro usando o facão do delator Mauro Cid.

Antes das férias do meio do ano, serão enviados à Procuradoria-Geral da República pelo menos mais dois indiciamentos. Num, Bolsonaro responderá pelo peculato das joias sauditas. Noutro, o facão de Cid e as machadinhas de ex-comandantes militares farão picadinho dele no caso da tentativa de golpe.

Enquanto o procurador-geral Paulo Gounet estiver acomodando os pedaços de Bolsonaro em denúncias enviadas ao Supremo, Bolsonaro desfilará pelo país como um mito proscrito e perseguido. Reunirá multidões de devotos dispostos a enxergar no esquartejado a figura de um mártir, uma espécie de Tiradentes do golpe, traído pelas provas que produziu contra si mesmo e pelos inconfidentes das “minhas Força Armadas”.

Depoimentos deixam Bolsonaro mais perto da prisão. Saiba por quê

Na última sexta-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público o conteúdo dos depoimentos dos alvos do inquérito movido pela Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Dentre eles, as falas de dois investigados podem aproximar o antigo mandatário da prisão: são as do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e do tenente-brigadeiro Baptista Junior, da ex-comandante da Aeronáutica.

O ponto central do inquérito diz respeito à minuta de decreto, cuja versão inicial foi encontrada no último mês de fevereiro na sede do PL. Uma versão revisada, mais curta, já havia sido apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, após os ataques de 8 de janeiro de 2023. O documento institui no Brasil um Estado de Sítio ou de Defesa, a depender da versão, sobre o Tribunal Superior Eleitoral, visando impedir a posse do presidente Lula sob o preceito de uma suposta fraude nas urnas.

Juristas consultados pelo Congresso em Foco ressaltaram que, caso se comprove a participação de Bolsonaro na elaboração da minuta, ou a sua aceitação ao tomar conhecimento da existência do documento, este passa a se enquadrar nos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado, previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.

O depoimento de Freire Gomes caminha exatamente nessa direção. À Polícia Federal, o general relatou ter sido convocado para uma reunião com o próprio presidente para que lhe fosse apresentado o teor da minuta, na presença do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e do comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier. O documento foi lido pelo ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins. Ao concluir a leitura, Bolsonaro teria informado os oficiais de que se tratava de uma minuta, ainda em processo de elaboração. Na sequência, as versões variam entre o depoimento de Freire Gomes e o de Baptista Junior.

Implicações jurídicas

De acordo com o advogado Cláudio Castello de Campos Pereira, as condutas de Bolsonaro relatadas nos últimos depoimentos “ultrapassam as meras intenções criminosas para configurar etapas executórias do crime”. Ele chama atenção não apenas para os eventos ao redor da minuta do golpe, mas também para o depoimento do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que disse ter sido pressionado por Bolsonaro a tentar anular as eleições pela via judicial.

“O golpe chegou a ser iniciado, mas não se efetivou devido à resistência de segmentos militares, o que demonstra a transição da fase de intenção para a de execução do delito”, ressaltou o advogado, que relembrou o entendimento manifestado anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal de que uma conduta pode ser considerada golpe de Estado independente de haver ou não a participação de forças militares, mas sim “a ambição de usurpar ou de alterar a ordem constitucional estabelecida”.

Antonio Rodrigo Machado, professor de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), compreende que o ex-presidente poderá ser condenado, uma vez ficando comprovado o esforço de Jair Bolsonaro em pressionar os chefes das Forças Armadas a participar de um golpe de Estado. Segundo o advogado, não há, no momento, indícios de que ele esteja efetivamente tentando obstruir as investigações, continuar com os esforços pelo golpe ou sair do país, o que impede de acontecer uma eventual prisão preventiva. “Entendo que não existem elementos para que Bolsonaro seja preso na atual conjuntura”, avalia.

Na versão apresentada por Freire Gomes, o ex-presidente teria convocado os comandantes das três forças armadas e mais o ministro da Defesa ao Palácio da Alvorada para apresentar o último modelo da minuta. Garnier teria expressado concordância com o decreto, e posto a Marinha à disposição de Bolsonaro. A força possui um grupamento de fuzileiros navais localizado próximo ao Tribunal Superior Eleitoral e à Esplanada dos Ministérios. Baptista e Freire Gomes teriam protestado, e o general teria ameaçado usar voz de prisão se houvesse insistência do presidente.

Na versão de Baptista Junior, Bolsonaro não estava presente nesta última reunião. O encontro teria acontecido não no Alvorada, mas no Ministério da Defesa, no gabinete de Paulo Sérgio Nogueira. O tenente-brigadeiro relata a concordância de Garnier sobre o golpe, e reafirma o protesto dele e de Freire Gomes, que se retiraram da sala. Em seu depoimento, porém, não é citada a possibilidade de voz de prisão pelo chefe da força terrestre.

Paulo Sérgio Nogueira são aliados do ex-presidente, e ficaram em silêncio durante suas oitivas na Polícia Federal.


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