18/05/2024 - Edição 540

Poder

Flávio Dino deitou e rolou na Câmara

Com informação, humor refinado e ironia cáustica, ministro expôs o grotesco do bolsonarismo viral, este que vive de produzir cenas para exibir nas redes sociais

Publicado em 29/03/2023 1:51 - RBA, Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles), Plinio Teodoro (Fórum) – Ediçãpo Semana On

Divulgação Reprodução

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, rebateu argumentos da oposição bolsonarista sobre o 8 de janeiro, o controle de armas e as acusações de associação dele próprio, e do governo federal, com facções criminosas. Em depoimento na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, na terça-feira (28), Flávio Dino respondeu com diplomacia e contundência a todas as provocações. Após 4 horas e 16 minutos de audiência, o presidente da CCJ, deputado Rui Falcão (PT-SP), encerrou a sessão, às 18h32.

Os oposicionistas tentaram usar a CCJ como palanque e basearam boa parte de suas intervenções em notícias falsas. Além disso, chegaram a tumultuar o andamento da audiência, com repetição de perguntas já respondidas e interrompendo respostas em andamento.

Flávio Dino afirmou à CCJ que o recadastramento de armas de fogo determinado pelo governo, que se encerra em 2 de abril, mas pode ser prorrogado, “visa separar o joio do trigo”. Já há “mais armas recadastradas do que havia de armas cadastradas”, garantiu. “Na verdade, estamos contribuindo para que pessoas que estavam na ilegalidade venham para a luz da lei.” O recadastramento será finalizado com nova regulamentação sobre a questão.

“Não queremos impor nossa pauta, mas não aceitamos que ninguém imponha a sua sobre nós, porque nós ganhamos a eleição, e legitimamente. Porque ganhamos, compreendemos que governamos para todos e todas”, continuou. “Para nós, lei é coisa séria. E o Supremo disse seguidas vezes que o ‘liberou geral’ estava errado. O que faríamos nós? Rasgar a decisão? Tentar invadir o Supremo? Não, esses não somos nós. Esses são outros.”

Os bolsonaristas insistiam em atrapalhar a sessão. O deputado André Fernandes (PL-CE) liderou essa ala. Esse deputado é investigado no STF por publicar vídeo convocando “ato contra o governo Lula”. E também por postagem de imagem da porta de um armário vandalizado do STF depois do ataque, com o nome do ministro Alexandre de Moraes, e a legenda: “Quem rir vai preso”.

Observado pelo advogado Wadih Damou e o ex-interventor do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, Fernandes ouviu uma aula de Flávio Dino e foi motivo de gargalhadas. Cappelli, por exemplo, não se conteve ante a humilhação sofrida pelo bolsonarista.

Sobre o 8 de janeiro

Questionado sobre o 8 de janeiro, Dino afirmou que o Ministério Público Federal, a Polícia Federal (PF) e o Judiciário vêm cumprindo seu papel. “Tudo o que nós fizemos em relação à apuração do dia 8 continua. Os inquéritos são conduzidos tecnicamente, submetidos à Procuradoria Geral da República e ao Judiciário.”

De acordo com ele, a Polícia Federal “tem independência técnica” para investigar. “E lembro, há mais de mil ações penais propostas contra os terroristas. Essas ações vão ser julgadas pelo Judiciário. Espero que o que aconteceu não aconteça nunca mais.”

Ele desmentiu diversas fake news, entre as quais a de que recebeu, antes dos atos terroristas, “um informe da Abin tão secreto que nunca ninguém leu, nem eu mesmo”. Comentou que na atualidade está-se invertendo o chamado “ônus da prova”, um dos princípios do Direito, segundo o qual quem acusa tem que provar. “Como é que eu vou provar que não recebi? Isso não existe juridicamente. Quem diz que eu recebi que mostre o informe mítico e diga que dia e que horas eu recebi.”

Associação esdrúxula

O ministro comentou a associação “esdrúxula” inventada entre ele e uma organização criminosa por ter ido ao Complexo da Maré, no Rio. “Todos, quando chegam em campanha (eleitoral), lembram de favelas e periferias, e ninguém pergunta se ali há crime organizado”, ironizou.

A “tentativa vil de criminalizar aquela população, como se fossem todos criminosos, é um preconceito contra quem mora em bairro popular”, afirmou Dino. “Tenho obrigação, como ministro da Justiça, de reagir contra este ataque a essas pessoas. É esdrúxulo imaginar que me reuni com o Comando Vermelho e antes disso avisei a polícia. É preciso ter seriedade.” Ele prometeu que continuará indo a comunidades, mas não cometerá mais o “erro” de não convidar parlamentares para irem junto.

Dino criticou a “lenda urbana que diz que a proliferação de armas diminuiu a violência” no país. “É mentira”, disse. Uma queda nas estatísticas de violência começou em 2018, portanto antes do “liberou geral” de Jair Bolsonaro, segundo ele. Acrescentou que as responsáveis pelo combate ao crime são as policias e insistir em falácias é desrespeito a elas.

PF, internet e crime organizado

O ministro elencou realizações de sua pasta sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, há R$ 100 milhões bloqueados por decisão judicial devido a investigações da PF contra financiadores e lavadores de dinheiro ilegal decorrentes da exploração do ouro ilegal.

Comentou ainda a intenção de trabalhar o tema da internet, “em que muitos confundem liberdade de expressão com ausência de lei e norma”. “Não é assim nem na ótica da Constituição Federal, nem na ótima do Código Civil.”

O combate ao crime organizado, com apreensões diárias de drogas e armas, assim como a restauração das funções republicanas da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal também foram citadas pelo ministro da Justiça. Ele acrescentou que está sendo dada especial atenção a fronteiras e garimpo, no “território devastado por facções criminosas”.

Provocado sobre ter ido ao Complexo da Maré amparado por “apenas duas viaturas”, Dino respondeu que “o miliciano” que subiu na passarela para filmar ou não filmou direito, ou só divulgou o que lhe convinha. Disse ainda, questionado sobre ter pedir autorização a facção criminosa, que tratou da visita com o governo estadual, a prefeitura e respectivas áreas de segurança.

Ainda sobre o tema, o ministro classificou como “vil” as expressões discriminatórias e criminalizadoras em relação às comunidades. “Fui muito bem recebido, pretendo voltar lá outras vezes e recomendo que os senhores e senhoras vão também. A todos os convites similares que receber, farei. Porque é meu dever.”

Dino dribla o show de horrores do bolsonarismo

Se fosse possível levar à balança o conteúdo da audiência de Flávio Dino na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não haveria nas quatro horas de debate um mísero miligrama de interesse público. Mas a presença do ministro da Justiça no Legislativo teve algo de positivo. Serviu para iluminar o pus no fim do túnel em que o bolsonarismo insiste em enfiar a política brasileira.

O objetivo da milícia legislativa de Bolsonaro era constranger o ministro, fabricando vídeos para exibir no picadeiro das redes sociais. Dino virou o jogo. Com informação, humor refinado e ironia cáustica, transformou uma sessão em que seria massacrado numa exposição grotesca da mediocridade do bolsonarismo viral.

Acusado de cercear com uma notícia-crime no Supremo a opinião de deputados que enxergaram um pacto com criminosos na sua visita ao Complexo da Maré, Dino disse que liberdade de expressão não é camisa de força para maluquices. Apontado com réu em mais de 200 processos, situou o autor da mentira “no mesmo continente mental de quem acha que a Terra é plana.”

No lance mais patético da sessão, o deputado Nikolas Ferreira, incomodado com o sorriso do ministro, cobrou “respeito” com o Congresso. “Aqui não tem palhaço nem circo”, disse o bolsonarista que, no Dia Internacional da Mulher, fez da tribuna da Câmara picadeiro para um discurso transfóbico. Ouviram-se gritos de “moleque”, “palhaço” e “chupetinha”. Parece jardim de infância, disse Orlando Silva. Engano. Parecia um boteco. A diferença é que no bar os bêbados pagam a própria conta. Na Câmara, a conta do horror é paga pelo contribuinte.

Dino deitou e rolou na Câmara, zoando a oposição

Os bolsonaristas compareceram dispostos a acuar o ministro, que por mais de cinco horas respondeu a todas as provocações, e foi embora dizendo que aprendera muito com eles para depois poder ensinar aos seus alunos do curso de Direito.

Como professor, Dino gosta de um palco. E foi um palco que fizeram o favor de lhe oferecer. Algumas de suas tiradas:

“Dizer que eu respondo a 277 processos se insere mais ou menos no mesmo continente mental de quem acha que a terra é plana… e eu, olhando nos seus olhos, deputado, sei que o senhor sabe que a terra é redonda”.

“Pelo jeito o senhor não acredita na Polícia Federal, pois ela durante todo esse tempo não encontrou nenhuma dessas provas das quais o senhor fala [sobre ligações do PT com o PCC]”.

“Eu cometi um erro e quero pedir desculpas. Na próxima, eu vou convidar os deputados federais e as deputadas federais a irem comigo [nas favelas], porque eu quero crer que não é todo mundo que tem medo das comunidades mais pobres do Brasil”.

“A imunidade parlamentar não pode ser desvirtuada. Uma coisa é fazer questionamentos, outra é dizer: Flávio Dino foi na Favela da Maré em acordo com Comando Vermelho. Isso não é questionamento”.

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“O senhor pergunta e eu respondo. Eu não mando na sua pergunta e o senhor não manda na minha resposta.”

“Não sou justiceiro. O senhor perguntou de tiro e bomba. Isso é problema de quem vê muito filme da Netflix.”

Conja

Presente na sessão, a deputada federal Rosângela Moro (UB-SP) questionou Dino, de maneira indireta, sobre uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugerindo que pode haver “armação” de Sergio Moro (UB-PR) na narrativa criada após a recente operação da PF contra membros do PCC que planejavam atentados contra autoridades. Ela também perguntou ao ministro se ele apoiaria um projeto apresentado por seu marido que visa combater planejamentos de ataques de organizações criminosas.

“Vossa excelência é o chefe da Polícia Federal e coordenador das operações de combate ao crime organizado. Vossa excelência foi extremamente técnico quando reconheceu, nesse caso, a atuação da polícia como um órgão de estado, e não de governo. A Polícia Federal não pode ser aparelhada politicamente. E eu lamento que o presidente da República não compartilhe desse entendimento. Aliás, o que eu precisava ouvir do presidente eu já ouvi e não vou comentar a desumanidade contra uma família ameaçada de morte, que por sinal é a minha família”, disse Rosângela no início de sua intervenção.

Na sequência, questionou: “O Senado recebeu um projeto de umas das vítimas, Sergio Moro, para proteger todos os atores que se envolvem no enfrentamento ao crime organizado. Qual sua opinião sobre o projeto? O senhor vai apoiar ou não medidas de enfrentamento ao crime diante dessas circunstancias?”.

Em sua resposta, Dino procurou esclarecer que foi graças à independência da Polícia Federal garantida pelo governo Lula que foi possível a deflagração da operação contra supostos membros do PCC, destacando que tudo o que ele faz tem a concordância do presidente. O ministro aproveitou, ainda, para alfinetar Jair Bolsonaro, ex-chefe de Sergio Moro, ao dizer que Lula não o demitiu após a operação da PF – fazendo crítica à interferência política que o ex-presidente encampava sobre o Ministério da Justiça e a PF.

“Falando no seu coração: Tudo o que eu faço no governo tem a concordância do presidente Lula, absolutamente tudo. Afirmo à senhora, por uma razão simples, eu exerço um cargo de confiança de meu chefe, e todas as ações que adoto, eu comunico ou consulto naquilo que me encaixa. E há uma prova indeclinável disso que estou dizendo: ele não me demitiu ainda. É a prova de que ele confia no meu trabalho. E eu tenho confiança no que o presidente Lula representa ao Brasil”, disparou o ministro, arrancando aplausos dos deputados presentes na sessão.

Dino comenta o baile

Flávio Dino foi às redes sociais na manhã desta quarta-feira (29) e se pronunciou sobre sua participação na audiência na Comissão de Constituição e Justiça. Sereno e com pitadas de ironia, Dino deixou bolsonaristas desorientados ao responder argumentos rasos de deputados da extrema-direita.

Em publicação no Twitter, Dino compartilhou uma foto em que levanta a Constituição Federal para agradecer à oportunidade de prestar os devidos esclarecimentos.

“Estive ontem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Agradeço pela oportunidade de expor as ações do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob comando do presidente @LulaOficial. Muito obrigado àqueles deputados que agiram com respeito à Constituição e ao Regimento”, escreveu Dino, demonstrando mais uma vez lealdade ao presidente Lula, como fez na resposta à deputada Rosângela Moro (União-PR).

Dino também agradeceu aos seguidores nas redes sociais e as mensagens de solidariedade. “Em tempos e territórios áridos, agradeço às milhares de mensagens e postagens de solidariedade, que me alegraram muito. Estamos juntos e de mãos dadas. O sorriso é uma arma fundamental em defesa da democracia e contra as bizarrices fascistas”.


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