18/05/2024 - Edição 540

Poder

Escândalo das joias pulveriza imagem de Bolsonaro como ‘homem do povo’

TCU manda ex-presidente entregar os “presentes” dados pela Arábia Saudita

Publicado em 16/03/2023 9:32 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), DW, RBA, Yurick Luz (DCM) – Edição Semana On

Divulgação

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Jair Bolsonaro (PL) se envolveu em vários escândalos ao longo de sua carreira, de racismo à rachadinha, mas nenhum tem o potencial de manchar a imagem de “homem do povo” que ele criou junto ao seu eleitorado como a tentativa de surrupiar do patrimônio público as joias de luxo “dadas” pela Arábia Saudita.

A questão não é o valor (neste caso, R$ 17 milhões, somando colares e brincos, relógios e abotoaduras), e sim a natureza dos bens envolvidos.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também os quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um “homem comum” que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico parindo funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.

Mas esse personagem convenceu muita gente. Afinal, ele aparecia em vídeos (planejados por seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro) oferecendo pão com leite condensado ao representante do governo dos Estados Unidos, deixando cair a farofa do frango sobre sua roupa, fazendo lives improvisadas com bandeiras coladas à parede com fita crepe, cometendo erros de português frequentes entre o povão para gerar empatia ao ser ridicularizado pela elite intelectual, que caía em todas as armadilhas.

Agora, esse personagem foi pego embolsando ilegalmente R$ 400 mil em joias masculinas e tentando surrupiar mais R$ 16,5 milhões em femininas, adotando militares como “mulas” para importar ilegalmente a muamba e usando todo o peso do governo para pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga.

O eleitorado tem mais facilidade de gravar na memória escândalos com produtos considerados de luxo, como diamantes e ouro. Neles reside não apenas o absurdo do desvio da coisa pública, mas a utilização desses recursos para fazer do governante uma pessoa que desfruta de luxos a que a maioria da população nem sonha em ter acesso.

Não é à toa que as notícias que relatam concorrências públicas para fornecer camarão, lagosta, uísque e champanhe à despensa de presidentes, ministros, embaixadores e generais são tão clicadas pelo público.

Ou que detratores de Lula difundiram a farsa de que ele havia ganho um triplex no Guarujá de uma construtora como pagamento por negociatas na Petrobras em meio à operação Lava Jato. Triplex no imaginário popular é um lugar luxuoso e nababesco – na realidade, o apartamento em questão tinha 215 metros quadrados e foi leiloado por quase oito vezes menos que as joias que Jair queria afanar.

Resgates como o dos 207 escravizados em Bento Gonçalves (RS) acontecem com frequência no Brasil, com níveis semelhantes de violência – alguns casos terminando, inclusive, em morte e ocultação de cadáver. Foram mais de 60,5 mil pessoas que ganharam a liberdade desde 1995, quando a fiscalização sistemática desse crime foi instalada no país. Uma das hipóteses para que este caso específico tenha ganhado tração no debate público é que ele trata de vinho, produto que no Brasil é visto como de luxo. Ou seja, escravizados produzindo objetos para a elite.

Para efeito de comparação, o caso anterior que ganhou tração semelhante na imprensa e nas redes foi um resgate de trabalhadores, em 2011, na produção de roupas para a rede espanhola Zara – que, no Brasil, é vista como marca de elite. Como uma loja que cobrava caro nas vitrines poderia se beneficiar da degradação de migrantes bolivianos era a pergunta na época.

Como Jair Bolsonaro, que se vendia como um “homem comum”, um “homem do povo”, pode surrupiar joias de luxo que pertenciam ao governo brasileiro, é a pergunta da vez.

TCU manda ex-presidente entregar os “presentes” dados pela Arábia Saudita

O ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiram na quarta-feira (15/03) que o ex-presidente Jair Bolsonaro deve entregar ao poder público o pacote de joias que recebeu da Arábia Saudita e está em seu acervo privado, composto por um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta e um tipo de rosário islâmico, todos da marca de luxo suíça Chopard.

A decisão, tomada por unanimidade, estipula prazo de cinco dias úteis para que os objetos sejam entregues à Secretaria-Geral da Presidência da República. A ordem revisa uma decisão individual tomada na semana passada pelo ministro Augusto Nardes, do TCU, que havia proibido Bolsonaro de vender ou usar os bens, mas os manteve sob sua posse.

Os objetos de luxo deverão ser mantidos sob custódia até que o TCU decida o mérito da matéria. Os ministros também determinaram que seja realizada uma auditoria sobre todos os presentes recebidos por Bolsonaro durante seu período como presidente.

Esse pacote de joias foi trazido ao Brasil pela comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o próprio Bolsonaro reconheceu que elas estavam em seu acervo privado.

Contudo, uma decisão de 2016 do TCU estabeleceu que objetos de valor, como joias, recebidos pelos presidentes da República como presentes de outros países pertencem ao acervo público da Presidência da República – somente itens de menor valor e de caráter personalíssimo, como roupas ou um perfume, poderiam ser incorporados ao acervo privado do mandatário.

Um outro pacote de joias dado de presente pela Arábia Saudita a Bolsonaro, composto por um colar, um relógio e um par de brincos de diamantes e avaliado em R$ 16,5 milhões, foi apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos em 2021, após ser localizado na bagagem de um integrante de uma comitiva do governo brasileiro que fez uma viagem oficial ao país árabe.

O governo Bolsonaro tentou diversas vezes liberar esse pacote de joias, sem sucesso, que segue sob a custódia da Receita Federal.

O ex-ministro Albuquerque disse inicialmente que essas joias seriam um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Nesta terça-feira, porém, em depoimento à Polícia Federal, ele mudou sua versão e disse que em nenhum momento foi dito a ele que as joias eram destinadas a Jair ou Michele Bolsonaro, mas seriam “presentes de Estado”.

Decisão do TCU dá a Bolsonaro aparência de um ladrão de circo

Em três décadas de vida pública, Bolsonaro sempre fez pose de homem de bem. As rachadinhas da família deram a ele um semblante de homem que se deu bem. Agora, frequenta como homem flagrado com os bens o inquérito em que a Polícia Federal apura o escândalo das joias. Antecipando-se ao desfecho das investigações, o Tribunal de Contas da União tomou decisão que fez lembrar uma antiga história do ladrão de elefante flagrado pelo guarda do circo.

“Tanta coisa no circo para roubar e você foi pegar logo o elefante?!?”, disse o guarda. “Podia ter roubado um macaco. Dizia que era seu irmão mais novo. Podia ter roubado o leão. Com um bom penteado, passava como um cachorro grande. O tigre podia ser confundido com um gato. Mas o elefante, francamente, não dá! O elefante ultrapassa todos os limites.”

Até o TCU foi capaz de enxergar o elefante metafórico representado pelos dois estojos de joias trazidos da Arábia Saudita escondidos na bagagem do então ministro Bento Albuquerque e de um membro de sua comitiva. Em decisão unânime, os ministros do TCU mandaram Bolsonaro devolver à Presidência da República em cinco dias o embrulho com joias masculinas do qual se apropriou. O colegiado determinou também que as joias femininas de R$ 16,5 milhões, retidas na alfândega, sejam regularizadas e incorporadas ao acervo do Planalto.

Houve mais: o TCU intimou Bolsonaro devolver um fuzil e uma pistola que lhe foram presenteados pelos Emirados Árabes. Coisa de R$ 57 mil. Houve pior: auditores do tribunal de contas percorrerão toda a lista de presentes recebidos por Bolsonaro durante os quatro anos de mandato. Deseja-se verificar se nenhum outro elefante deixou o Alvorada no caminhão de mudança como patrimônio pessoal do ex-inquilino.

Lula e Dilma foram submetidos ao mesmo constrangimento. Ele teve que devolver 434 presentes. Ela, 117. O que distinguiu Bolsonaro foi a operação montada nos últimos dias de governo para tentar reaver, na base da carteirada, as joias milionárias apreendidas pelos fiscais da alfândega. Despido das prerrogativas do cargo de presidente, sem a blindagem do antiprocurador Augusto Aras, ficou mais difícil esconder elefantes.

TCU determinou que Bolsonaro devolva ao Planalto as joias que recebeu em suas viagens à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos. Foto: Alan Santos/PR

Petrobras vai investigar elo entre joias e venda de refinaria na Bahia

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) revelou na quarta-feira (15) que a Petrobras pretende abrir investigação interna para apurar possível relação entre a venda da refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, e as joias sauditas que o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou se apropriar ilegalmente. Fontes da Petrobras ligadas à FUP dizem que a estatal deve iniciar as apurações no mês que vem, após a troca do Conselho de Administração e a posse da nova diretoria.

O Mubadala Capital – fundo dos Emirados Árabes Unidos – pagou US$ 1,8 bilhão pela Rlam, negócio que foi concluído em dezembro de 2021. No entanto, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Naturais e Biocombustíveis (Ineep) apontou, em estudo, que a Rlam valia entre US$ 3 e 4 bilhões. Bancos de investimento – como XP e BTG – também estimaram o valor da refinaria nesta mesma faixa de preço.

“A intenção do novo comando da Petrobras de apurar o caso da venda da Rlam vai ao encontro de demanda da FUP que, na semana passada, encaminhou denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) para que investigue possível favorecimento ao Mubadala em troca de diamantes”, disse o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, em nota.

Na ocasião, Bacelar destacou que a família Zayed – que controla os Emirados – e a dinastia Saud, que comanda a Arábia Saudita, mantêm negócios em comum, principalmente no setor de óleo e gás. Além disso, após a eclosão do escândalo, Bolsonaro afirmou que as joias “foram acertadas” nos Emirados Árabes, e não em território saudita.

Outras privatizações em xeque

A FUP também informou que a Petrobras vai contestar acordo firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que determinou a venda de oito refinarias e outros ativos da estatal. A Petrobras assinou o Termo de Compromisso de Cessação (TCC), em 2019, para encerrar uma investigação sobre suposta conduta anticompetitiva no setor.

Contestado judicialmente, o acordo serviu de pretexto para o governo Bolsonaro acelerar o desmantelamento da Petrobras. Três das oito refinarias foram privatizadas. Além da Rlam, a Petrobras também vendeu a Refinaria do Amazonas (Reman) e Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná. Também há suspeitas que os ativos foram repassados à iniciativa privada bem abaixo do valor de mercado.

O coordenador-geral da FUP destaca que, no início do mês, o Ministério de Minas e Energia determinou a suspensão da venda de ativos da Petrobras. A medida vale por 90 dias. Ao mesmo tempo, a pasta também solicitou a entrega de documentos dos processos de privatização, a serem reavaliados pela nova administração da estatal.

Forças Armadas não vão investigar comportamento de militares no caso

Até o momento, nenhuma sindicância foi aberta pelo Exército e Marinha para apurar o comportamento de seus militares no caso das joias.

De acordo com informações do jornal O Globo, as duas forças não têm nem mesmo planos de conduzir investigações próprias sobre o tema, que tem como foco analisar eventuais descumprimentos de seus quadros a normas internas, como as do Estatuto dos Militares.

O entendimento dos dois comandos é que já há apurações externas em curso, a exemplo da realizada pela Polícia Federal (PL) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As duas forças ainda ressaltam que esse é o curso a ser seguido.

Diversos militares tiveram participação no plano do governo do ex-mandatário para entrar ilegalmente no Brasil com as joias sauditas ou para tentar reaver os itens apreendidos pela Receita Federal. O conjunto de joias é avaliado em R$ 16,5 milhões.

Por parte da Marinha, houve a participação do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque (almirante); Marcos André Soeiro, assessor de Bento; Jairo Moreira da Silva (primeiro-sargento) e José Roberto Bueno Júnior (contra-almirante).

Já do Exército, apareceram Mauro Cid (tenente-coronel) e Cleiton Holzschuk (segundo-tenente). O comando, ao ser questionado sobre Cid, disse que “o militar encontrava-se em cargo fora da Força” e que, portanto, “o processo investigativo deve ser instaurado pelo órgão ao qual ele estava subordinado”.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *