18/05/2024 - Edição 540

Poder

Eduardo Bolsonaro atuou como lobista de ditador saudita que deu joias a Michelle

Derretimento político de Bolsonaro mudou de patamar, avaliam os aliados

Publicado em 07/03/2023 12:29 - Plinio Teodoro (Fórum), Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Mohamed Bin Salman e Eduardo Bolsonaro. Créditos: Facebook

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Dono de uma fortuna acumulada de cerca de 1,4 trilhão de dólares – maior que o PIB de países como México, Holanda e Bélgica, segundo dados do Banco Mundial – e acusado de mandar matar e esquartejar o jornalista Jamal Khashoggi, que está desaparecido desde 2018, o ditador Mohamed Bin Salman, da Arábia Saudita, estreitou laços com o Brasil desde 2019 tendo como principal lobista o filho de Jair Bolsonaro (PL), o deputado estadual Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que viajou inúmeras vezes nos últimos  quatro anos aos países árabes que financiam governos autocráticos pelo mundo com seus petrodólares.

“Tivemos uma excelente reunião com o Príncipe Mohammed Bin Salman da Arábia Saudita. Ele expressou o desejo de estreitar relações com o Brasil provavelmente como parte do seu programa VISÃO 2030, que objetiva diversificar os investimentos da Arábia Saudita”, escreveu Eduardo nas redes em junho de 2019, com foto ao lado do sheik Bin Salman, que assumiu o posto de primeiro-ministro da ditadura árabe após entrar para o governo na pasta da Defesa em 2015, aos 30 anos de idade.

Aos 37 anos, Bin Salman é ferrenho defensor das políticas neoliberais como meio de “modernização do Estado” através da chamada agenda Visão 2030, adotada pela Arábia Saudita e outros países árabes para diversificar o investimento dos petrodólares diante da mudança de matriz energética no mundo.

Em outubro do mesmo ano, Jair Bolsonaro ganhou hospedagem no hotel mais luxuoso da Arábia Saudita para se encontrar com Bin Salman, principal gestor do PIF, um fundo de investimento público da Arábia Saudita.

Na ocasião, o herdeiro da ditadura saudita prometeu realocar cerca de 10 bilhões de dólares em investimentos no Brasil, de onde a Arábia importa cerca de 80% dos alimentos que consome. Com o lobby de Eduardo, Bin Salman também passou a importar armamento do Brasil, firmando contrato com a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e a MacJee em 2022.

Enquanto prega a “modernização” econômica do Estado, o ditador saudita reprime com braço de ferro oponentes – como no caso do jornalista Khashoggi – e promove a perseguição religiosa no país, onde o cristianismo é proibido por lei.

Além disso, mulheres sauditas não têm permissão para deixar suas casas sem companhia familiar masculina e correm risco de sofrer abuso físico e sexual. A homossexualidade também punida até mesmo com pena de morte.

Fundos árabes e investimentos no Brasil de Bolsonaro

A ascensão do clã Bolsonaro abriu as portas para os fundos árabes, com a mediação de Eduardo, que tem como destino preferido de férias e passeios Dubai, nos Emirados Árabes, país de origem do fundo Mubadala Capital, que entre outras aquisições comprou a preço muito abaixo do mercado a refinaria Landulpho Alves, na Bahia.

O valor do negócio foi US$ 1,65 bilhão, quando, segundo avaliações do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), valia pelo menos o dobro disso, US$ 3,12 bilhões, podendo bater perto dos US$ 4 bilhões. Com a privatização, a Bahia passou a ter a gasolina mais cara do país.

Em quatro anos, o governo Bolsonaro realizou 151 viagens aos países árabes, sendo a Arábia Saudita o destino mais frequente. Bin Salman foi um dos líderes políticos com quem Bolsonaro mais falou. Foram cinco ligações entre 2019 e 2020, além dos encontros presenciais.

Antes de uma das conversas, em julho de 2020, Bolsonaro conversou por 20 minutos com o então ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, que sempre acompanhava as ligações, segundo apuração da Agência SportLight.

Em 2019, Bolsonaro afirmou que se sentia um irmão de Bin Salmann em conversa com investidores na capital Riad.

“O Brasil já deu certo. E a aproximação com os senhores, em especial, aqui, a Arábia Saudita… A forma como o príncipe herdeiro tem me tratado, e eu também no tocante a ele. Como se fôssemos velhos conhecidos ou até mesmo irmãos. Isso me orgulha”, disse Bolsonaro sobre o ditador, que também foi defendido ferrenhamente por Eduardo Bolsonaro ao se despedir da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em 2021.

“Realizei viagens ao Oriente Médio, onde contribuí para o melhoramento substancial das nossas relações, não só com Israel, como também com os países árabes. Exemplo objetivo desse trabalho é o acordo com o Fundo de Investimento Público saudita para explorar oportunidades no Brasil de investimentos mutuamente benéficos em até US$ 10 bilhões. Obrigado, príncipe Muhammad bin Salman”, disse Eduardo na ocasião.

Cortejado pelo governo, Bolsonaro chegou a montar uma estrutura especial na sua gestão somente para negociar com os árabes. Na ocasião, o chamado PPI, Programa de Parceiras e Investimentos, dedicado à privatização, ofereceu diversos “negócios” aos fundos árabes nas áreas de infraestrutura, saneamento, portos, aeroportos, petróleo e vendas de imóveis da União, estimados em US$ 150 bilhões.

Derretimento político de Bolsonaro mudou de patamar, avaliam os aliados

O escândalo das joias sauditas reabriu a conta dos passivos de Bolsonaro. Depois da derrota para Lula, até os aliados passaram a dar de barato que o capitão terá os direitos políticos cassados pela Justiça Eleitoral, ficando fora do baralho de 2026. Entretanto, o Partido Liberal do ex-presidiário Valdemar Costa Neto esperava promover uma transfusão do prestígio do ex-presidente para candidatos do partido às eleições municipais de 2024.

Agora, Valdemar e seus operadores avaliam que a nova investigação potencializará o abatimento psicológico de Bolsonaro. Deflagrada nesta segunda-feira pela Procuradoria e pela Polícia Federal, a apuração deve ser demorada. Na avaliação mais otimista de um personagem familiarizado com os procedimentos, dificilmente o inquérito será concluído antes de setembro. Nos próximos meses, pingarão no noticiário vazamentos que devem ser corrosivos para o que resta da imagem de Bolsonaro.

Dissemina-se entre os aliados a percepção segundo a qual o derretimento político do ex-presidente mudou de patamar. Líderes do PL ruminam o receio de que o caso das joias potencialize a falta de rumo de Bolsonaro. Temem também que a radioatividade do escândalo comprometa a estratégia traçada para Michelle, o Plano B de Valdemar.

Inverteu-se momentaneamente a estratégia. Antes da revelação sobre as joias, priorizava-se o ataque. Agora, a defesa. O PL fornece suporte jurídico para Michelle. De resto, subiu no telhado o plano de exibir a ex-primeira-dama num road show partidário que começaria nesta semana.

Se Bolsonaro sair de cena, Michelle o sucederá com gosto

Se Bolsonaro mal se defende da denúncia de que contrabandeou joias que recebeu de presente da ditadura da Arábia Saudita, por que os políticos a ele ligados o defenderão de peito aberto?

Aos cochichos, sob a garantia dada por jornalistas de que não serão identificados, alguns políticos o defendem, mas sem tanto ânimo. Fazem a defesa de praxe nesses casos.

Não, Bolsonaro jamais soube que ganhara joias de presente. Muito menos o valor das joias que caberiam a Michelle, sua mulher, avaliadas em 16,5 milhões de reais. Ninguém dá presentes desses.

Ele só ficou sabendo que seu presente entrou ilegalmente no país quando foi avisado, mais de um ano depois, por um servidor do Ministério das Minas e Energia. Aborreceu-se com isso.

Não, também não. Ele foi atrás das joias de Michelle apreendidas pela Receita Federal para incorporá-las ao patrimônio público, não para que sua mulher pudesse usá-las ou ficar com elas.

Preocupados com o que possa acontecer, os cupinchas de Bolsonaro dividem-se. Parte acha que ele não deve voltar tão cedo para não se tornar alvo de ataques. Parte acha que deve voltar logo.

Diamantes podem ser eternos, mas a estadia de Bolsonaro nos Estados Unidos não será eterna. Não poderá, sequer, ser prolongada por muito tempo mais. Questão da validade do visto.

Quanto a Michelle, todos concordam que sua imagem não sofrerá estragos. Ela foi batizada e admitida com louvor no mundo da política onde quase todos devem ou deverão dar explicações.

E está protegida pela polarização que dividiu o país entre Lula e Bolsonaro. Quem votou em Bolsonaro a defenderá. Ela é menos arestosa do que ele, e mais performática do que ele.

Em resumo: tem mais futuro do que o marido, para desespero dos enteados e do próprio marido. A essa altura, o casamento dos dois é mais de conveniência do que de amor.

E sempre por perto de Michelle haverá Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido que abriga Bolsonaro, que tem na ex-primeira-dama seu maior investimento político.


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