18/05/2024 - Edição 540

Poder

Desviando-se da corda, general empurra Bolsonaro para a forca

Fala abre as portas da prisão para o ex-presidente e sua gangue

Publicado em 04/03/2024 11:03 - Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles), ICL Notícias - Edição Semana On

Divulgação Alan Santos (PR)

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No inquérito sobre a tentativa de golpe, os militares que sentaram praça naquilo que Bolsonaro chamava de “minhas Forças Armadas” foram divididos em dois pelotões. Num, golpistas escancarados marcham na direção do patíbulo. Noutro, legalistas envergonhados receberam da Polícia Federal a oportunidade de explicar por que não denunciaram ao país que havia pus no fim do túnel em que Bolsonaro tentou enfiar a democracia brasileira.

Protagonista do segundo grupo, o general Freire Gomes comandava o Exército quando Bolsonaro tramou a virada de mesa. Permanece sob sigilo o depoimento que prestou na sexta-feira. Mas já se sabe que confirmou à PF ter participado de encontro no qual Bolsonaro discutiu os termos de uma minuta de golpe. A julgar pelo tempo da inquirição —cerca de dez horas—, o general estava disposto a restaurar a sua biografia.

Freire Gomes foi ecoado pelo brigadeiro Batista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, outro oficial que testemunhou o balé de Bolsonaro ao redor de uma minuta de golpe. É nítido o esforço dos ex-comandantes para se livrar da pecha da omissão.

Ao se desviar da corda, os legalistas envergonhados contribuem com o esforço da Polícia Federal para levar Bolsonaro à forca. Apertou-se um pouco mais o nó que enfeita o pescoço do capitão.

Fala de general abre as portas da prisão para Bolsonaro e sua gangue

Ainda há juízes em Brasília. (Até aí, nenhuma novidade.) Quero dizer: ainda há generais no Exército brasileiro. No caso, generais que honram a farda e que dizem o que foi e por que foi, quando chega a hora da verdade. A hora da verdade deveria ser toda hora, mas…

A Polícia Federal tem provas de que o general Freire Gomes, comandante do Exército no fim do governo passado, foi chamado de “cagão” pelo colega Braga Netto, ex-candidato a vice de Bolsonaro, por não ter aderido ao golpe de dezembro de 2022.

Sim, de dezembro de 2022. Porque naquele ano houve outros ensaios de golpes, um deles a ser dado em setembro, a um mês das eleições. Derrotado, Bolsonaro quis dar um golpe para impedir a posse de Lula. E em 8 de janeiro de 2023, seus seguidores tentaram dar outro.

O general “cagão”, na última sexta-feira, depôs à Polícia Federal durante quase oito horas na condição de testemunha, e como tal não poderia mentir. Mas poderia calar-se, porque a lei garante que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Freire Gomes respondeu às 80 perguntas feitas por agentes federais e a mais 200 provocadas por suas revelações. Outros generais já ouvidos, suspeitos de planejar com Bolsonaro o golpe de dezembro de 2022, se calaram, bem como Bolsonaro. Os cagões são eles, ou culpados.

Há 16 meses, o país aguardava respostas a duas perguntas:

– Quem mandou o Exército acolher em portas de quartéis bolsonaristas que pediam um golpe?

– E por que o Exército os acolheu?

Pelo pouco que se sabe do depoimento de Freire Gomes, ele disse: foi Bolsonaro que ordenou ao Exército que acolhesse os bolsonaristas golpistas. E Bolsonaro não retirou a ordem nem mesmo antes de fugir para os Estados Unidos em 30 de dezembro.

Uma nota conjunta dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em novembro de 2022, defendeu o direito de manifestação dos acampados. Freire Gomes disse que a nota foi ideia do então ministro da defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

Segundo a TV Band, o general confirmou o que o tenente-coronel Mauro Cid contou em delação premiada: houve uma reunião, com a presença de Bolsonaro, onde uma minuta do golpe foi apresentada aos comandantes militares, inclusive a ele.

E por que na ocasião Freire Gomes não prendeu Bolsonaro? Poderia tê-lo feito. E por que não o denunciou à Justiça? Desconheço as respostas do general. Só sei que seu depoimento escancarou as portas da prisão para Bolsonaro e sua gangue.

Exército liberou armas para condenados, laranjas e até foragidos, diz jornal

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) informa que o Exército concedeu licenças de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para condenados por crimes como homicídio, tráfico de drogas, pessoas com mandados de prisão em aberto e outras que podem ter sido usados como “laranjas” do crime organizado.

O documento de 139 páginas traz informações detalhadas sobre o controle de armas por parte dos militares entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, maior incentivador da emissão de carteirinhas de CACs.

Durante a era Bolsonaro na presidência, 5.235 pessoas em cumprimento de pena puderam obter, renovar ou manter os chamados certificados de registro (CR). Dessas, 1.504 tinham processos de execução penal ativos quando submeteram a documentação ao Exército, mas não foram barradas.

Os demais foram condenados após pedirem o CR, mas não tiveram a documentação cancelada. A Força também liberou armas de fogo a 2.690 pessoas com mandado de prisão em aberto, ou seja, eram foragidas da Justiça.

As informações são do repórter Tácio Lorran e Vinícius Valfré, do Estadão.

“A concessão, a revalidação e o não cancelamento de CRs vinculados a pessoas inidôneas possibilita o acesso delas a armas de fogo e munições, representando um risco à segurança pública”, afirma o relatório.

Procurado, o Exército disse que não daria detalhes em razão do caráter sigiloso do documento.

Pela Lei 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, apenas pessoas que comprovem serem idôneas, ou seja, que não estejam respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, poderiam ter acesso aos certificados. O relatório do TCU conclui que a legislação tem sido descumprida.

CACs e suas armas poderiam ser úteis em tentativa de golpe

Curioso é que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, disse à Polícia Federal que aliados radicais de Jair Bolsonaro (PL) eram favoráveis à utilização de “um braço armado” para executar o plano golpista do ex-presidente. Em delação, o ex-ajudante de ordens informou que haveria apoio de CACs na tentativa de golpe de Estado.

Um dos motivos apontados é a falta de uma declaração de antecedentes nacional e unificada. Um decreto de Bolsonaro, de 2019, restringiu a documentação ao local atual de domicílio de quem solicita o registro de CAC.

“A emissão delas [certidões de antecedentes] não é unificada a nível nacional, o que, por si só, representa uma debilidade na avaliação da idoneidade dos interessados em obter acesso a armas de fogo nos termos da Lei 10.826/2003. A forma como a matéria foi regulamentada em 2019 — ao restringir a comprovação de idoneidade à unidade federativa (UF) atual de domicílio —, pode ter exacerbado essa fragilidade, que não parece ter sido suficientemente mitigada na regulamentação emitida em 2023”, diz o relatório.

O documento elenca os crimes mais comuns que renderam condenações aos CACs. Entre eles, homicídio, tráfico de drogas, lesão corporal dolosa, direção sob efeito de álcool, roubo, receptação e ameaça.

“A gravidade das condutas, por si só, já reforça indicadores de criminalidade e abala a sensação de segurança, sobretudo daqueles impactados de algum modo pelos delitos. Contudo, quando se leva em consideração que parcela significativa desses indivíduos ainda possui CRs ativos e acesso a armas, entende-se haver disponibilidade de meios para: a reincidência de práticas criminosas; a progressão da gravidade das condutas — por exemplo, a ameaça evoluir para um homicídio ou a lesão corporal contra a mulher evoluir para um caso de feminicídio; e a obstrução das investigações ou dos processos criminais — afinal, a arma pode ser utilizada para fuga, intimidação ou assassinato de testemunhas, entre outros”, diz o TCU.

A auditoria alertou ainda para o risco de milhares de “laranjas” terem sido registrados como atiradores para providenciar armas ao crime organizado. Ao cruzar dados do Exército com a base de pessoas de baixa renda aptas a receber benefícios sociais, o levantamento encontrou 22.493 pessoas inscritas no Cadastro Único com pelo menos uma arma de fogo. O cadastro contempla pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo.

“A equipe de auditoria entende que o exame de pessoas com baixa renda proprietárias de armas de fogo, que possuem custo de aquisição elevado, pode compor uma tipologia de risco capaz de auxiliar na identificação de possíveis ‘laranjas’”, diz o documento. “São indivíduos potencialmente de baixa renda e que são proprietários de armas, alguns com quantidade elevada delas, suscitando questionamentos sobre a viabilidade de as aquisições dessas armas terem ocorrido com recursos próprios.”

Desde que Bolsonaro afrouxou critérios para acesso aos itens, inquéritos policiais vêm identificando intermediários da compra de armas para facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em São Paulo, um deles foi encontrado com arsenal avaliado em R$ 50 mil, apesar de renda declarada de R$ 2 mil.

“Eles (integrantes do PCC) pagavam de R$ 35 mil até R$ 59 mil num fuzil no mercado paralelo e agora pagam de R$ 12 mil a R$ 15 mil um (fuzil calibre) 556 com nota fiscal”, afirmou em uma entrevista ao Estadão o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, um dos maiores especialistas em combate ao crime organizado do País.

Manifestações de direita estão cada vez mais polarizadas, diz estudo

Pesquisadores e estudantes da Universidade de São Paulo (USP) investigam há 10 anos a polarização política no Brasil, e os dados coletados indicam que as manifestações da direita nas ruas estão cada vez mais à direita. O movimento mais uma vez foi constatado no último ato em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por suspeita de articular um golpe de Estado no país.

Para esse estudo, o Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPoPAI) da USP criou o Monitor do Debate Político no Meio Digital, com acadêmicos de várias áreas de conhecimento — de alunos de mestrado da Matemática à História, passando por Letras e Comunicação Social.

O grupo já aplicou cerca de 50 pesquisas. A última delas foi realizada durante a manifestação do domingo passado (25) na avenida Paulista, convocada pelo ex-presidente. De acordo com os pesquisadores, o ato teve a maior adesão desde o final de 2015, e indica um aumento no número de pessoas que se declaram com “orgulho de ser de direita” em atos públicos considerados do espectro político de direita, o que estaria relacionado com o fenômeno do bolsonarismo.“

Nove de cada dez pessoas entrevistadas na manifestação do dia 25 se consideram “de direita” e mais de 95% se disse “conservador” — 78% “muito conservador” e 18% “um pouco conservador”.

“Isso é novo”, aponta o professor Marcio Moretto, um dos coordenadores do GPoPAI, comparando, por exemplo, com a manifestação de 26 março de 2017, em favor da Operação Lava Jato e ocorrida na mesma avenida Paulista. No levantamento daquele dia, “49% das pessoas se identificaram como ‘de direita’ ou ‘centro-direita’.”

Em 7 de setembro de 2022, uma pesquisa semelhante já havia constatado aumento dos que se consideram de direita para 83%, um avanço de mais de 30 pontos percentuais em relação ao ato pró Lava Jato de 2017. Em 26 de novembro de 2023, outro ato de direita na Paulista teve 92% da amostra declarando ser de direita. No domingo passado o patamar de 92% se manteve mesmo com uma presença de manifestantes bem maior.

Reacionarismo

Se a definição no espectro político e ideológico está clara, o professor avalia que a autoidentificação como “conservador” não é exata. “Ao pé da letra, o conservador quer retardar mudanças que o progressista quer acelerar”. Na opinião de Moretto, os participantes da manifestação do último domingo “querem uma espécie de revolução para trás. Querem resgatar valores que ficaram no passado. O bolsonarismo não é exatamente conservador, ele é mais reacionário.”

Além das nuances entre os atos políticos, o coordenador do GPoPAI percebe reiterações simbólicas com outros eventos. Moretto lembra que, como aconteceu em edições passadas da Marcha para Jesus, no último domingo muitos manifestantes (e políticos) empunhavam bandeiras de Israel.

“Me parece que isso tem a ver com uma compreensão dos evangélicos sobre as terras do lugar onde fica Israel, ser uma Terra Prometida. Para eles, Bolsonaro representa o que chamam de cultura judaico-cristã”, avalia o coordenador. Vinte e nove por cento dos presentes no domingo se identificavam como “evangélicos”, proporção abaixo dos declarados “católicos” (43%).

Moretto acrescenta que, fora as motivações religiosas, “também tem um esforço do Estado de Israel de fomentar isso, e se aproximar dos evangélicos como uma força de apoio”, lembra, considerando o conflito em Gaza.

Homem, branco, com mais de 45 anos

Segundo os dados levantados pelo GPoPAI no último domingo, a maioria dos presentes no ato da paulista eram homens (62%), brancos (65%), na faixa etária a partir dos 45 anos (67%), com curso superior (67%), metade com renda entre 3 e 10 salários mínimos e 66% residente na região metropolitana de São Paulo.

Marcio Moretto aponta que o perfil das pessoas que se deslocaram para a manifestação não é representativo do eleitorado brasileiro e nem sequer de São Paulo. “O acesso à avenida Paulista é restrito aqui na cidade de São Paulo, fica numa região central e nobre. A maior parte da população de São Paulo mora nas periferias. Não é a coisa mais simples do mundo chegar na avenida Paulista, se você mora lá para os lados de São Miguel, um bairro que é próximo da USP leste.”

Por fim, o coordenador do grupo de pesquisa chama atenção para o fato de que 61% dos respondentes se mostrarem contrários à decretação de estado de sítio em 2022 (15% não souberam responder), 45% disseram ser contra a arbitragem das Forças Armadas (12% não souberam responder) e 39% se oporem ao estabelecimento de uma operação Garantia da Lei e da Ordem, a GLO (12% não souberam responder).

“Isso indica que as pessoas estavam defendendo o Bolsonaro como talvez uma alternativa ao PT. Eles não estavam ali, necessariamente, embarcando na aventura golpista que foi em 8 de janeiro — embora tivessem indo à Paulista defender seu líder, que está sendo acusado de ter conspirado.”

A pesquisa do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação entrevistou uma amostra de 575 pessoas, entre as 13h30 e as 17h, em toda a extensão da manifestação na avenida Paulista. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos, com grau de confiança de 95%.

O grupo não realizou observação das redes sociais no dia da manifestação. Conforme Marcio Moretto, as redes sociais foram fechando portas e está cada vez mais difícil de conseguir monitorar essas mídias. “Era muito mais fácil conseguir acompanhar o que estava acontecendo no Twitter antes de Elon Musk comprar a rede. Ele mudou um monte de regras de acesso aos dados”, reclama o coordenador ao registrar a necessidade de regulamentação das redes sociais no Brasil para garantir “mais transparência”.

Direita e golpe de Estado

O protesto na avenida Paulista foi convocado por Bolsonaro e aliados em um momento em que o ex-presidente e pessoas próximas são investigados por suspeita de agir para reverter os resultados das eleições de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição. No trio-elétrico, o ex-presidente, que está inelegível até 2030 por abuso de poder econômico pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticou as ações do Supremo Tribunal Federal (STF) e pediu anistia àqueles que foram condenados pelos ataques golpistas contra as sedes dos poderes da República em 8 de janeiro. Ele chamou os condenados de “aliados”.

Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo STF sobre o ataque de 8 de janeiro de 2023 à sede dos Três Poderes em Brasília — com tentativa de abolição do estado democrático de direito e de golpe de Estado.

Em seu discurso, Bolsonaro admitiu a existência de uma minuta de texto que previa decretação de estado de sítio, prisão de parlamentares e ministros do STF. O decreto, de acordo com as investigações, daria sustentação a uma tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente criticou as apurações criminais da PF sobre essa minuta.


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