18/05/2024 - Edição 540

Poder

Decisão do STF pode levar a uma avalanche de censura judicial

Juíza manda apagar reportagens sobre delação contra deputado do Paraná

Publicado em 07/12/2023 1:03 - Leonardo Sakamoto (UOL), Sylvio Costa (Congresso em Foco), Caique Lima(DCM), ICL Notícias – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, nesta quarta (29), critérios para responsabilizar veículos de imprensa por declarações de entrevistados que imputam falsamente crimes a terceiros. A tese firmada pelos ministros que pode levar à autocensura ou facilitar a criminalização do trabalho da imprensa.

“A decisão interfere na liberdade de imprensa e impõe uma responsabilidade desproporcional aos veículos e os jornalistas, que não são instâncias formais de apuração de crimes – trabalho que, inclusive, o sistema de Justiça deveria fazer melhor”, afirmou à coluna a constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV-Direito-SP.

Na avaliação dela, a decisão “ignora que o Poder Judiciário brasileiro, em geral, se sente muito confortável em censurar matérias jornalísticas, sobretudo envolvendo autoridades”.

Para Machado, “haverá uma avalanche de censura judicial”.

Por exemplo, o que vai ocorrer com juízes de primeira instância que ostentam relação de proximidade com políticos e grandes empresários? Magistrados guiados pela má fé podem aproveitar a tese para ver “indícios concretos de falsidade da imputação” onde eles não existem ou afirmar que o veículo deixou de lado o seu “dever de cuidado” na verificação de fatos e na divulgação dos indícios, condições citadas na tese hoje aprovada pelos ministros.

A decisão pode ser revertida em uma segunda instância ou em um tribunal superior. Mas nem todos os veículos podem arcar com esses custos e os que podem já estão sobrecarregados. Hoje, já é alto o número de ações judiciais descabidas para constranger a imprensa, seja ela tradicional, alternativa ou independente.

Além disso, a tese pode afetar, inclusive, a cobertura das eleições. O que fazer em uma entrevista com candidatos? Nem todo veículo de imprensa pode fazer checagem em tempo real, o que pode levar a uma elitização do trabalho jornalístico ou, simplesmente, o seu enfraquecimento.

Veículos de imprensa e jornalistas já podem (e são) punidos hoje por erros e falhas, inclusive sendo alvo de processos por injúria, calúnia e difamação. No afã de garantir os essenciais limites para a liberdade de expressão, que como todos os direitos são limitados por outros direitos, a corte acaba por facilitar a vida de quem não se preocupa com eles.

Juristas comentam decisão do STF

PEDRO SERRANO

“Eu creio que a responsabilização do veículo só pode haver em situações muito radicais, em que, sob a roupagem de uma entrevista, na realidade o veículo tem consciência de que está sendo copromotora de uma ofensa. Aí eu acho que cabe o veículo indenizar, porque ele está praticando um ato de má-fé, sabendo que é falso. Acho que flexibilizar mais do que isso é contra a liberdade de imprensa. Então, eu só falaria em dever do veículo indenizar, quando houver indícios sólidos de que o veículo tinha consciência de que a entrevista trazia dados falsos ou era só uma forma de calúnia, de injúria ou difamação.

(Sobre o trecho segundo o qual o veículo tem “dever de cuidado” na verificação dos fatos e na divulgação de tais indícios) Eu acho que vai um pouco além, tenho uma visão um pouco mais estrita do direito de liberdade de imprensa. Eu acho que teria que demonstrar um indício grave de má-fé do órgão de imprensa. A mera ausência de investigação não é suficiente, ao meu ver, porque se a fala é coerente, se a pessoa que dá entrevista assume a responsabilidade e faz uma acusação, há um interesse público na divulgação. Investigar se é verdadeiro ou não é um outro problema. Inclusive, não é papel da imprensa . O dever de investigar é do Estado. Então, eu creio que só na hipótese de haver indício grave de dolo do veículo de imprensa é que se pode responsabilizá-lo. Do contrário, não”.

LENIO STRECK

“Novamente o STF legisla. Não É função do STF estabelecer regramento para o futuro. Mas já se tornou regra. O STF com a tese busca dar respostas antes das perguntas. Nenhum país do mundo faz esse tipo de norma em abstrato. Veja a extensão . Nem as leis entram nessas minúcias. Se está certa ou errada é difícil dizer. O Judiciário pensa que o Direito pode abranger todas as hipóteses de aplicação de uma lei. Nesse ritmo, o legislador ficará sem função. Tem coisas que só CADA situação concreta responde. E isso cria insegurança”.

FERNANDO FERNANDES

“Eu acho que não é 8 nem 80. É preciso ver os fundamentos dos votos. Esse processo foi em relação ao Zarattini pai, que foi ofendido numa questão relacionada ao regime de 64. Eu acho o seguinte: alguma consequência cível pode haver em relação ao órgão transmissor quando o fundamento extrapola a liberdade de expressão.

(…)Quando o órgão transmite uma informação, de alguma maneira ele está avalizando a informação. Ele que conduz a informação aos outros. Tem que ser responsável quando transmite as palavras de alguém que tenha divulgado fake news? Se o Bolsonaro fizer uma manifestação e a CNN colocar isso, ela tem que responder? Na minha opinião tem que responder. Mas isso não pode, evidentemente, transformar em uma forma de persecução das mídias ou dos órgãos de imprensa.  Eu não atacaria completamente a decisão do Supremo Tribunal Federal quando a diz que há uma certa responsabilização sim.

(Sobre o trecho segundo o qual o veículo tem “dever de cuidado” na verificação dos fatos e na divulgação de tais indícios) Quando é ao vivo não, mas gravado seria necessário impedir um bolsonarista de atacar um ministro do STF com mentiras, por exemplo. Mas veja: em qualquer caso a liberdade de manifestação de pensamento é garantida”.

Barroso nega “censura” em decisão do STF sobre responsabilização da imprensa. Tá…

O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, se manifestou sobre decisão da Corte que possibilita a responsabilização judicial de empresas jornalísticas por entrevistas. O magistrado afirmou que há uma “incompreensão” sobre a determinação e esclareceu a aplicação do entendimento.

“Por muitas vezes há um grau de incompreensão em relação ao que o Supremo decidiu. Nós consideramos que a liberdade de expressão é verdadeiramente essencial para a democracia e, não por outra razão, nós, ainda ontem, reiteramos a vedação expressa de qualquer tipo de censura prévia à imprensa”, afirmou Barroso.

“A liberdade de expressão não é o único valor que deve prevalecer numa sociedade civilizada, e toda pessoa, inclusive pessoa jurídica, pode ser responsabilizada por comportamento doloso, por má-fé ou por grave negligência”, prosseguiu o ministro.

Barroso ainda afirmou que o STF é um “parceiro” da imprensa e que veículos de comunicação, junto da própria Corte e da sociedade civil, tiveram um “papel decisivo” na defesa da democracia.

“Na democracia brasileira, que nós conseguimos fazer prevalecer em meio a muitos ataques, penso que o Supremo, a sociedade civil e a imprensa tiveram um papel decisivo e, portanto, nós confiamos e apoiamos a imprensa profissional agora e sempre”, concluiu.

O discurso de Barroso ocorreu nesta quinta (30), no início da sessão plenária. A decisão do Supremo ocorreu em julgamento de texto publicado pelo jornal Diário de Pernambuco e os ministros definiram condições para responsabilizar casos similares.

Segundo a decisão, a empresa só será punida se for comprovado que há indícios concretos de falsidade da acusação ou for demonstrado que o responsável pela publicação não verificaram devidamente a veracidade das declarações.

Juíza manda apagar reportagens sobre delação contra deputado do Paraná

Apesar da fala de Barroso, as consequências da decisão do STF já começam a pipocar. A juíza Giani Maria Moreschi, do Tribunal de Justiça do Paraná, concedeu liminar para proibir o Jornal Plural, o G1 e a filial da Globo do Paraná de noticiarem informações sobre uma ação penal contra o presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Ademar Traiano (PSD) e o ex-deputado estadual Plauto Miró (União Brasil). Os veículos foram notificados também a retirar todas as matérias relacionadas ao assunto do ar, o que foi feito, e proibidos de voltar ao tema. Em caso de desobediência, será cobrada multa diária de R$ 50 mil.

“O Plural lamenta a decisão e tem convicção de que, em nome da liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal, o Judiciário irá em breve reverter essa liminar. O assunto é de grande relevância para todos os cidadãos paranaenses e merece a devida publicidade”, afirmou o Plural, que é um veículo independente, por meio de nota.

Segundo a juíza, os advogados de Ademar Traiano demonstraram “probabilidade de direito e perigo de dano” e que o trabalho dos veículos pode prejudicar o processo contra o deputado e o ex-deputado que corre em segredo de Justiça.

“Ainda, por se tratar apenas de impossibilidade temporária de divulgação de informação contida em processo Judicial que tramita em segredo de Justiça, não há que se falar em censura ou violação à liberdade de imprensa, até porque referida informação foi divulgada ilicitamente e, inclusive, pelo que consta dos autos, está sendo, ou será, objeto de investigação, para fins de responsabilização”, afirmou.

As denúncias contra Ademar e Miró foram divulgadas após a abertura de um processo administrativo disciplinar que tramita no Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Paraná contra o deputado Renato Freitas (PT). O petista passou a responder a processo no Conselho de Ética por ter chamado o presidente da Assembleia de “corrupto”. Em suas alegações finais, Freitas incluiu depoimentos e gravações feitas por Vicente Malucelli, diretor da TV Icaraí, do grupo J. Malucelli, em delação premiada. Segundo reportagens publicadas pelos veículos, o empresário apresentou ao Ministério Público áudios em que Traiano e Miró teriam pedido R$ 100 mil cada.

Ainda de acordo com o delator, o dinheiro seria usado para campanha eleitoral, mas acabaram sendo utilizados para pagar despesas do casamento da filha de Traiano. No acordo de delação premiada, Malucelli alega que pagou propina por ter entendido que um contrato que a TV Icaraí, de sua propriedade, tinha com a Assembleia Legislativa do Paraná poderia ser cancelado.

Vários veículos têm sido alvos da Justiça por conta de reportagens publicadas. Em julho, o Congresso em Foco foi obrigado a retirar do ar uma entrevista concedida ao site por Julyenne Lins Rocha, ex-mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão, em caráter liminar, atende a pedido do próprio Lira, que entrou na Justiça com uma ação por danos morais contra Jullyenne e o portal UOL, parceiro comercial e provedor de hospedagem deste site. O portal destacou a entrevista em sua homepage no dia 25 de junho de 2023.

O Congresso em Foco excluiu o texto da página, assim como os posts nas redes sociais relacionados ao assunto, tão logo tomou conhecimento da decisão judicial, que previa pagamento diário de multa em caso de descumprimento. Também em razão da ordem judicial retiramos uma nota feita com base em declarações dadas por Jullyene à Agência Pública, veiculada em 21 de junho. A própria Pública foi obrigada a retirar denúncias contra Arthur Lira do ar posteriormente.


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