18/05/2024 - Edição 540

Poder

Confiança em Lula segue alta, mas cenário eleitoral não muda desde a eleição, diz Datafolha

As peças do tabuleiro político já se movem para as eleições de 2026: como a extrema direita tenta manter a mobilização no Brasil?

Publicado em 19/12/2023 10:34 - Plinio Teodoro (Fórum), Ricardo Noblat (Metrópoles), Vinicius Mendes (DW) – Edição Semana On

Divulgação Ricardo Stuckert - PR

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Pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira (19) mostra que o cenário eleitoral no Brasil segue praticamente inalterado um ano após Lula vencer Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais e ser diplomado para assumir pela terceira vez a Presidência da República.

Segundo a pesquisa, 90% dos eleitores não mudariam o voto e avaliam ter feito a melhor escolha para o Planalto nas eleições de 2022. Apenas 8% se arrependem do voto.

O índice é idêntico entre os eleitores que votaram tanto em Lula, quanto em Bolsonaro, mostrando que o país segue dividido após o petista vencer a disputa no segundo turno por 50,9% a 49,1%.

Entre aqueles que votaram em Lula, 40% dizem confiar mais no presidente agora do que durante o processo eleitoral. Outros 41% afirmam que a confiança é a mesma e 19% dizem que confiam menos. No total, 81% daqueles que escolheram o petista para presidente seguem confiando na mudança proposta por ele.

O levantamento mostra que 9% dizem ter se arrependido do voto em Lula, enquanto 7% se arrependem de ter votado em Bolsonaro. Entre os bolsonaristas, 36% dizem confiar mais nele agora e 46% dizem que a confiança é a mesma do ano passado. Outros 17% dizem confiar menor.

No total, 30% se declaram petistas e 25% se classificam como bolsonaristas, segundo o Datafolha. A pesquisa ouviu 2.004 eleitores em 135 municípios do Brasil. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

As peças do tabuleiro político já se movem para as eleições de 2026

Se chegar bem de saúde em 2026 e seu governo tiver sido um sucesso, Lula será candidato à reeleição. Se tiver dúvida sobre sua vitória, ele não será candidato. Não pretende correr o risco de encerrar sua longa carreira política com uma derrota.

Alckmin só não será vice de Lula outra vez se não quiser. Ele trabalha para ser candidato a governador de São Paulo — Lula sabe, mas faz de conta que não. Parte do PT é quem mais se opõe à candidatura de Fernando Haddad à sucessão de Lula.

Quanto a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, ele tem um sonho: eleger-se senador com o apoio de Lula. Serão duas vagas. O PT apoiará a reeleição de Renan Calheiros (MDB), inimigo de Lira. Mas sempre se pode dar um jeito.

Por exemplo: como são duas vagas, o PT lançaria em Alagoas um candidato fraco ao Senado, em dobradinha com Renan. Se o fizer, ajudará Lira a se eleger sem que Renan possa reclamar em voz alta. Em voz baixa, reclamará até ficar rouco.

Davi Alcolumbre (União-AP) não pode reclamar de nada. Emplacou no governo três ministros; não lhe falta dinheiro à beça para investir no seu estado; e contará com o apoio do PT para voltar a presidir o Senado em 2025.

Em breve, ganhará uma diretoria do Banco do Brasil. É o que lhe foi prometido em troca do seu apoio à aprovação de Flávio Dino para ministro do Supremo Tribunal Federal. Por falar em Dino: a história de sua nomeação não está completa.

Ela começa com uma ida de Dino e de sua mulher ao encontro de Lula – ela, preocupada com a saúde do marido. O casal perdeu seu filho caçula em 2017. Para Dino, melhor seria sua transferência para um lugar menos cansativo.

Quem sabe deixar o Ministério da Justiça e voltar a ser juiz, como foi durante 12 anos? Lula gostou da ideia. Em 5 de janeiro, quando os dois retornarem a Brasília depois das férias de fim de ano, conversarão sobre o sucessor de Dino.

A escolha do próximo ministro da Justiça da Segurança Pública foi um dos assuntos do jantar oferecido em São Paulo a Lula pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, aspirante à vaga de Dino.

Ricardo Cappelli, secretário-geral do ministério, é o candidato de Dino e do PSB a ministro. Na última quinta-feira, Dino disse a Lula que viajará ao Maranhão para passar o Natal e o Ano-Novo. Lula perguntou quem cuidaria do ministério.

Dino respondeu que seria Cappelli. Lula retrucou: “Ficará em boas mãos”.

Como a extrema direita tenta manter a mobilização no Brasil

Poucas horas depois de ser eleito para a presidência da Argentina, o economista populista Javier Milei interrompeu as resoluções iniciais da transição para atender um dos seus principais entusiastas no exterior: o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

A conversa foi intermediada pelo seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que mantém laços com o agora líder do governo argentino pelo menos desde 2021, e que até fincou uma base provisória em Buenos Aires nos últimos meses para ajudá-lo na corrida eleitoral contra o então candidato governista, Sergio Massa. Por tudo isso, o tom de Milei na chamada era de agradecimento.

Naquele mesmo dia, como prova disso, a nova equipe da Casa Rosada anunciou que Bolsonaro era o primeiro convidado internacional confirmado para a posse, que ocorreu em 10 de dezembro.

A vitória de Milei – um antigo comentarista de televisão que adaptou e radicalizou o “libertarianismo” do economista norte-americano Murray Rothbard no contexto argentino, prometendo “dinamitar” o Banco Central e dolarizar a economia do país enquanto fez alianças políticas com grupos que relativizam a ditadura militar (1976-1983) – atiçou as redes ao redor de Bolsonaro.

Desde o início da votação argentina, em 19 de novembro, os canais que o ex-presidente brasileiro sustenta no Telegram e no WhatsApp, além de diversos grupos paralelos que reúnem seus apoiadores ou diferentes movimentos de direita, acompanharam o pleito na Argentina com atenção.

Quando do anúncio da vitória de Milei, perto do fim da noite, as mensagens passaram a pulular em meio a imagens de pessoas comemorando em várias cidades do Brasil – com fogos de artifício e gritos pelas ruas. Em um vídeo postado na madrugada de 20 de novembro, um apoiador aparecia buzinando por uma avenida com uma bandeira de Bolsonaro presa no para-brisa do automóvel. Outro membro respondeu dizendo que o triunfo do aliado no país vizinho o faria torcer para a seleção argentina no jogo contra o Brasil, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, dias depois (o jogo, marcado por brigas nas arquibancadas, terminou em 1 a 0 para a Argentina).

Agitar a base após 2022

“A chegada de Milei ao poder na Argentina revigorou a base bolsonarista no Brasil”, aponta a pesquisadora Camila Rocha, autora de Menos Marx, Mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil (2021). “Sem contar que Bolsonaro e seus aliados políticos voltaram a aparecer para além dos grupos fechados que frequentam normalmente”, completa ela, lembrando que o ex-presidente estava na capa de quase todos os jornais argentinos no dia seguinte à eleição.

De fato, mesmo inelegível para cargos públicos até 2030, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estudiosos apontam que Bolsonaro ainda encabeça praticamente todo o universo da extrema direita brasileira – usando a mesma ferramenta de sempre: o celular. O que mudou foi apenas a visibilidade desse seu governo paralelo.

“É o líder com a maior audiência dessa esfera. O canal dele no WhatsApp está crescendo muito em número de membros nesses últimos meses e, recentemente, ele perdeu o acesso a um grupo imenso que tinha no Telegram. Precisou começar outro do zero que, hoje, é maior do que o anterior”, aponta o pesquisador Wagner Alves, da Universidade de Dublin, na Irlanda. O canal antigo possuía cerca de 63 mil membros. O atual já soma quase 2 milhões de inscritos.

Alves – que já estudou sobre os propagadores da cloroquina durante a pandemia, e agora se debruça sobre as narrativas que circulam nesses grupos em aplicativos de mensagens – observa que a extrema direita mantém força no Brasil cotidiano muito por conta do seu discurso moral, mesmo sem os holofotes que possuía da mídia tradicional.

“O conjunto de valores, ideias e perspectivas altamente moralizantes sobre a vida, que é sempre acessível sobre a premissa de que é possível ‘conhecer a verdade’ e, a partir dela, de tomar uma posição, de salvar a nação, tem se renovado”, explica ele.

“Na verdade, o dispositivo de colocar o sujeito no centro da ação, com o intuito de ‘remoralizar’ o país, permanece tão forte quanto na época em que Bolsonaro era presidente. Só não é tão visível como antes”, completa Alves.

Mobilização e ecossistema de comunicação

A cientista política Thais Pavez, corrobora essa visão adicionando outra camada: a extrema direita conseguiu manter sua base mobilizada mesmo depois de perder sua representação institucional mais relevante: a cadeira da Presidência.

“Antes da eleição de 2018 se criou um ecossistema de comunicação capilarizado, que passa desde membros das forças de segurança até entidades empresariais, e que não só continuou durante o mandato de Bolsonaro como, principalmente segue funcionando depois dele”, explica ela.

Para Pavez, que leciona no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), esse universo se manteve intacto por se basear, antes de tudo, em um senso de proximidade. Não é à toa, assim, que o próprio Bolsonaro – ou seus filhos – frequentem muitos grupos de apoiadores locais nos aplicativos de mensagem.

“Isso se expressa nos conteúdos que circulam por esses canais, cujas discussões permeiam os valores e as visões de mundo dessas pessoas. É um processo que as aproxima da política, inclusive”, completa.

Entre esses valores estão pautas que fizeram parte do debate público brasileiro nos últimos anos, como o afrouxamento das regras de posse de armas de fogo e regras mais severas de punição a criminosos, por exemplo. Tudo isso sem contar a insatisfação – muitas vezes violenta – com as instituições políticas.

“Essa postura tem fôlego na sociedade civil porque é continuamente alçada por influenciadores políticos ou mesmo por parlamentares bolsonaristas. Além disso, muitos nomes relevantes da direita mais radical seguem lançando livros e organizando grandes eventos com as mesmas temáticas”, conta Rocha.

Um exemplo disso é o Brasil Paralelo, uma produtora de documentários que ajudou a sedimentar um revisionismo histórico à direita, de cunho popular, e que hoje reúne 800 mil seguidores no X (antigo Twitter) e 3 milhões no Instagram.

Wagner Alves, da Universidade de Dublin, tem analisado justamente esse esforço de Bolsonaro em seguir sendo influenciador digital – da extrema direita – em um país onde, só no Instagram, mais de 6% da população ocupa o mesmo papel em diferentes áreas, de acordo com dados da consultoria Influencity.

É por isso que o bolsonarismo permanece como base do fenômeno no Brasil. “Com isso ele alcança duas coisas: espaço para falar tudo o que ele quiser e, em paralelo, amplia diálogos com outros grupos relevantes para o discurso dele, como os empreendedores pautados pela lógica da meritocracia, por exemplo”.

Esse diagnóstico, aliás, que tem ganhado cada vez mais força entre os estudiosos do tema – baseados, sobretudo, na ideia de que a extrema direita impactou as estruturas da política contemporânea. “Morreu a esfera pública nascida com a Revolução Francesa e nasceu uma nova, trazendo consigo outra gramática política”, reflete, por exemplo, o historiador Julio César Vellozo, da universidade Mackenzie, em São Paulo. “Saímos do tempo em que a política tinha a crítica como centro e entramos em outro, cuja política tem como centro a performance-denúncia”, continua.

É inclusive por isso que muitos candidatos ainda viáveis institucionalmente têm procurado capilarizar ainda mais suas redes sociais, como o deputado mineiro Nikolas Ferreira, apontado como possível herdeiro dos votos de Bolsonaro e que tem 9 milhões de seguidores apenas no Instagram – além de um canal próprio no Telegram. É quase um terço de outro nome lembrado sempre pela militância: a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (6,4 milhões de seguidores).

Eleições 2024                                  

Para além das comemorações pela vitória de Milei na Argentina, especialistas apontam que o momento ideal para mensurar a força subterrânea da extrema direita brasileira será nas eleições municipais do ano que vem.

Thais Pavez, da USP, não duvida que nomes ainda desconhecidos do eleitorado mais amplo apareçam nas urnas a partir do ano que vem – saídos, inclusive, da multidão que atacou as sedes do Executivo e do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, em janeiro. “Há uma série de lideranças políticas que atuam na mobilização dessa base e que, caso Bolsonaro perca força, têm condições de encampar o discurso e materializá-lo em votos. Mesmo alguns que estiveram nos ataques e que estão presos hoje”.

Camila Rocha, por sua vez, entende que o nome do ex-presidente terá impactos significativos nos resultados eleitorais em regiões onde ele venceu no pleito de 2022, como o Sul, o Centro-Oeste e partes significativas do Sudeste e do Norte. “Eu diria que, em locais como esses, o apoio dele será fundamental para eleger prefeitos e vereadores”, observa. “De fato, será o momento de medir a força política de Bolsonaro e da própria extrema-direita no país”, completa.

Pelos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro foi amplamente mais votado em estados como Santa Catarina (venceu com 69% das urnas), no Mato Grosso (65%) em Roraima (76%). No total, o ex-presidente venceu em 11 unidades federativas – incluindo o principal reduto eleitoral do país, São Paulo (62%). “Esses dados continuam sendo muito significantes tanto na mensuração da força de Bolsonaro quanto dos valores defendidos pela extrema-direita”, prossegue Camila Rocha.

O nome de Nikolas Ferreira, porém, é unânime entre os especialistas: jovem (27 anos), com uma votação expressiva no seu estado (mais de 1 milhão de votos em Minas Gerais) e com capilaridade altíssima nas redes sociais, ele é apontado como uma liderança inequívoca do futuro próximo. No Congresso, ele é o principal responsável por manter a narrativa bolsonarista no horizonte.

No entanto, apesar do peso nas urnas, pesquisadores como Wagner Alves defendem que o fenômeno mais relevante permanece encrustado no dia a dia da população, onde o discurso radicalizado à direita ainda se encaixa nas tensões cotidianas. “A extrema direita perdeu força institucional, mas segue firme na sociedade”, observa. “É uma bomba política”, finaliza.


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